Aos gritos de ‘PM assassina’, protesto contra morte de senegalês é reprimido com bombas em SP

Centenas de imigrantes senegaleses saíram às ruas neste sábado (12) na região do Brás, em São Paulo, para protestar contra a morte de Ngange Mbaye. O ato terminou com a Polícia Militar reprimindo os manifestantes com bombas de gás lacrimogênio.

O trabalhador ambulante foi atingido no peito por um oficial da Polícia Militar (PM) na tarde desta sexta-feira (11), após ter sua mercadoria apreendida pelos agentes. Ele foi levado de ambulância até o hospital Santa Casa de Misericórdia, mas não resistiu. O senegalês deixou a esposa e dois filhos.

O ato pacífico desta manhã da comunidade senegalesa, em grande parte ambulantes como Mbaye, se concentrou no largo da Concórdia e, a partir das 10h, percorreu as ruas do bairro comercial com gritos de “polícia assassina e racista”.

Com grande efetivo, incluindo agentes do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (BAEP) e da Cavalaria, a polícia acompanhou a manifestação durante todo seu trajeto. No fim, com escudos, bombas e armas, os agentes dispersaram a multidão após supostamente terem sido atingidos por um objeto. Até agora, não há informações sobre feridos.

“Tudo estava bem até o último momento. Eles jogaram bomba na gente com choque, com cavalos, uma coisa muito bizarra”, explica a atriz e ativista Mariama Bah, que nasceu em Gâmbia e cuja família se encontra na região de Casamance, no sul do Senegal.

“Se o Brasil não está disposto a receber imigrantes, ou a dar condições, que não receba. É em nome da democracia que nos matam. E uma democracia seletiva, em cima de nossos corpos. Tem que parar. Porque os corpos não são tratados do mesmo jeito? O povo senegalês quer respeito”, bradou Bah em seu discurso durante a manifestação, acompanhada pelo Brasil de Fato desde o início.

Comoção e revolta

No decorrer de todo o ato, também convocado pelo Sindicato dos Camelôs Independentes de São Paulo, os senegaleses exibiam cartazes com pedidos de justiça por Mbaye. Familiares e amigos do senegalês estavam visivelmente emocionados.

Ali Kabae trabalhava ao lado de Ngange nas ruas do Brás. Ele explica porque saiu às ruas na manhã deste sábado. “Hoje eu vim aqui muito triste porque ontem o policial matou nosso irmão. Ele era trabalhador, não era ladrão. Morava aqui há mais de 10 anos. A polícia aqui trata o Senegal como animal”, coloca o senegalês.

Segundo Kabae, o racismo está por trás da ação policial que tirou a vida de seu amigo. “Todo mundo do Senegal está aqui, revoltado. Não viemos aqui para brigar. Viemos falar o que estamos sentindo. O policial aqui no Brasil não gosta de negro mesmo. Meu coração tá muito triste”, completa o trabalhador.

Senegaleses veem racismo na ação da Polícia Militar que resultou na morte de Ngange Mbaye Foto: Pedro Stropasolas/Brasil de Fato

Apoio de ambulantes brasileiros

Um vídeo de ontem que circula nas redes sociais mostra um grupo de ao menos oito policiais abordando Mbaye de forma brusca para apreender sua mercadoria. O senegalês puxa o carrinho que carregava os produtos, tentando se proteger, e passa a ser agredido com cassetete por vários dos policiais. O ambulante revida com uma barra de ferro e tenta fugir com o carrinho. Nesse momento, um dos policiais atira no trabalhador.

Durante o ato desta manhã, ambulantes brasileiros também estiveram no ato em solidariedade a Mbaye e contra a ação truculenta da polícia. Uma das presentes era Rita Silva, que trabalhava próximo ao senegalês pouco antes da sua morte.

A ambulante relata como começou a abordagem policial. “O cara tava almoçando com o carrinho fechado. Eles (os policiais) vieram, cresceram o olho em cima do carrinho dele. O senegalês tentou tirar o carro, eles vieram pra cima e meteram bala nele. Ele já caiu quase morto. Nós quis defender ele e levar pro médico, mas eles não deixaram. Deram risada em cima do corpo do cara”, relembra a trabalhadora.

Ela também acredita que a abordagem que levou a morte do imigrante foi racista. “Eles (polícia) vem em cima dos senegaleses. Se fosse um brasileiro não iam fazer isso. É porque eles são negros, vieram de fora. É racismo. Fora polícia da rua, porque eles vão matar outros. Eles (polícia) trocam a vida por mercadoria”, pontua a trabalhadora.

Revoltados e emocionados, ambulantes brasileiros e senegaleses se uniram contra a violência da PM Foto: Pedro Stropasolas/Brasil de Fato

Há 16 anos no Brasil, Khady Dioum é uma das lideranças entre os ambulantes senegaleses que atuam no centro de São Paulo. Ela ficou surpresa com a truculência da ação. “Quando veio a ambulância, não deixaram ninguém entrar junto com ele. Porque fizeram isso? Porque sabiam que ele estava morto. Ele atirou e colocou bomba de gás na cara dele. Eu nunca vi isso na vida”, explica.

“Ele era muito legal, um coração muito bom. Ele foi na mesquita fazer oração, depois saiu pra comprar comida, quando chegou não tinha nem armado a mercadoria. Nós africanos não viemos pra cá para perder nossa vida. Agora precisamos de justiça”, lamenta Dioum.

Outro lado

Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo (SSP-SP) informou que a Polícia Militar instaurou um inquérito para investigar o ocorrido e afastou das atividades operacionais o agente envolvido na morte de Mbaye.

“O homem, que agrediu um policial militar com uma barra de ferro, foi socorrido à Santa Casa de Misericórdia, mas não resistiu ao ferimento. A barra utilizada na agressão foi apreendida, assim como a arma do agente. A ocorrência foi registrada no 8º Distrito Policial como morte decorrente de intervenção policial e tentativa de homicídio. O caso será investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP)”, diz o texto.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.