Qual é o segredo para inovar?

Agora que compreendemos o que inibe a inovação, surge a questão: o que a acelera?Imagem criada por IA

“A experiência não é o que acontece com um homem; é o que um homem faz com o que lhe acontece.”Aldous Huxley 

Em teoria, essa deveria ser uma questão simples de responder. Afinal, nossos ancestrais — os Homo habilis — criaram as primeiras ferramentas há cerca de 3 milhões de anos, conforme aprendemos por meio de artefatos encontrados na Tanzânia.

Entretanto, à medida que a civilização avança e a qualidade de vida melhora, surgem duas forças que se opõem à inovação: a complexidade e o hedonismo.

A complexidade torna-se evidente ao compararmos o primeiro automóvel, inventado por Karl Benz em 1886, com os veículos atuais. Não se trata apenas de tecnologia: o arcabouço regulatório e legal torna-se cada vez mais intrincado, enquanto a velocidade e a quantidade de novos produtos e informações no mercado desafiam nossa capacidade de assimilação.

O outro desafio é o hedonismo — a doutrina filosófica e moral que coloca a busca pelo prazer como objetivo central da vida. Na sociedade moderna, opções para satisfazer esse impulso não faltam. Sexo e compras estão a poucos cliques de distância. Filmes, séries, viagens, resorts, parques de diversão, esportes, videogames, massagens, bares, restaurantes, boates, sinuca, boliche… a lista é interminável.

Agora que compreendemos o que inibe a inovação, surge a questão: o que a acelera? Muitos apontarão para a educação, o investimento em pesquisa e desenvolvimento ou a liderança visionária, como a demonstrada pelo presidente John F. Kennedy ao propor a ida do homem à Lua. Tudo isso é fundamental. Mas há algo mais, algo diante de nossos olhos e, ainda assim, oculto: a base sobre a qual a fábrica da inovação é construída.

Considere algo simples, como a altura de um degrau. Mesmo em diferentes cidades, estados ou países, ela tende a ser similar. Ao conectar um aparelho na tomada, contamos basicamente com duas voltagens comuns. Combustíveis, voos internacionais, o local do acelerador do carro, a forma como medimos temperatura, distância, peso — todos seguem padrões pré-estabelecidos.

Da mesma forma, no início da internet, empresas como Microsoft, AOL e CompuServe pretendiam criar redes privadas, semelhantes às das operadoras de telecomunicações, por onde os usuários teriam acesso para envio de mensagens e busca de informações. Mas havia um obstáculo: uma rede baseada em padrões abertos oferecia as mesmas funcionalidades de forma acessível e barata. Além disso, não era preciso solicitar autorização ou pagar a essas empresas para publicar conteúdo, pesquisar, desenvolver dispositivos e aplicativos. Esse é o segredo dos protocolos abertos que sustentam a internet.

Essa conectividade entre dispositivos e aplicativos de diferentes fornecedores — a interoperabilidade — contraria o interesse de corporações que buscam manter usuários presos a seus ecossistemas fechados. Isso é visível em consoles de videogames, no WhatsApp, no Facebook ou no ecossistema da Apple. Por outro lado, a interoperabilidade gera um valor social incomparável, pois qualquer pessoa, em qualquer lugar, pode criar soluções sem precisar da permissão de ninguém, nem pagar por isso.

O problema é que o Judiciário, o Legislativo, o sistema tributário, a forma como os gastos públicos são divulgados, e o emaranhado de leis e sua estrutura ainda carecem de padrões abertos bem definidos. Essa falta de transparência, consistência e coesão conduz, talvez de modo inconsciente, à crença de que é impossível melhorar cidades, estados ou nações. Passamos a achar que as chances de sucesso são mínimas, os riscos enormes — e, portanto, a melhor estratégia é não fazer nada. Esse raciocínio, de certa forma, é compreensível.

Se queremos reimaginar a sociedade do futuro, não podemos recorrer apenas ao modelo evolutivo. A sobreposição de conflitos de interesse, corrupção, processos mal desenhados, burocratas e políticos limitados, excesso de leis e regulamentos, a dinâmica frenética do cotidiano, a competição por recursos e problemas simultâneos “descascam” qualquer mudança desejada, até que seus idealizadores mal reconheçam sua própria criação.

A solução é criar do zero os alicerces de uma nova sociedade, livres de entraves legais, culturais, estruturais ou políticos. Devemos aproveitar o que aprendemos desde a Mesopotâmia até hoje, recorrer aos melhores estudos científicos, aos grandes pensadores da humanidade e à tecnologia de ponta para desenvolver padrões abertos que irão sustentar a sociedade do futuro.

Nessa nova realidade, as bases que formam as sociedades civilizadas — identidade cidadã, registro civil, registros de propriedade, sistema legal e judiciário, moeda, bancos, sistema financeiro, mecanismos de governança, participação e controle social, entre outros — serão redesenhadas a partir de padrões abertos. Esses padrões poderão ser utilizados por pessoas, empresas, ONGs, governos e universidades para desenvolver aplicações e inovações a partir deles.

Na minha opinião, o impacto positivo da recriação das fundações sociais com base em padrões abertos e universais pode superar o impacto de muitas invenções do passado, sendo tão disruptivo quanto a inteligência artificial, a internet e a eletricidade. Teremos dados comparativos que nos permitirão compreender diferentes experiências sociais e avançar de forma mais eficaz como sociedade.

Imagine, por exemplo, uma enchente afetando milhares de pessoas. A necessidade emergencial é encontrar recursos, como medicamentos, máquinas, verbas e recursos humanos específicos. Em uma sociedade estruturada com padrões abertos, bastam alguns segundos para localizar tais insumos emergenciais, pois os sistemas se “conversam” graças à interoperabilidade. Este é apenas um exemplo de como a interoperabilidade impacta a vida diária, melhora e salva vidas, reduz a pobreza, cria oportunidades de emprego e impulsiona a sociedade em seu conjunto.

Quando Moisés aceitou a missão de conduzir o povo hebreu da escravidão no Egito à terra prometida, enfrentaram inúmeros desafios. A visão, o rumo e o foco estavam claros. Embora Moisés não tenha alcançado pessoalmente a terra almejada, era necessário que uma nova geração  nascesse e crescesse em liberdade. A interoperabilidade de dados e processos sociais é a nossa terra prometida. Sabemos que este é nosso destino, mas não podemos garantir que caberá a nossa geração desfrutá-lo. Ainda assim, é nosso dever legar essa promessa às próximas gerações.

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