Quando a desapropriação é legal e como deve ser indenizada

Avenida Leitão da Silva em Vitória
Avenida Leitão da Silva em Vitória. Foto: Thiago Soares/Folha Vitória

Pagando ao particular uma indenização em dinheiro prévia e justa, a Constituição Federal permite que o Estado, em nome do interesse social, subtraia a propriedade de uma pessoa, mesmo contra a vontade dela.

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Prevista no art. 5.º, inciso XXIV, da Constituição Federal, e disciplinada no Decreto-Lei 3.365/1941 e na Lei 4.132/1962, a desapropriação consiste no processo pelo qual o Poder Público — União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas entidades delegadas — retira compulsoriamente a propriedade de um particular, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, para fins de utilidade pública, necessidade pública ou interesse social.

Finalidades da desapropriação no Brasil

Sendo o ato pelo qual o Estado retira um bem — correntemente um imóvel — de um particular para satisfazer finalidades públicas, seu objetivo principal é garantir que a Administração tenha os meios necessários para executar obras, serviços ou políticas públicas que atendam ao interesse coletivo, como a construção de estradas, escolas, hospitais ou projetos de reforma agrária.

Perda total versus uso parcial do bem

Em que pese a semelhança, a desapropriação não se confunde com a servidão administrativa.

Na desapropriação, o particular — pessoa física ou jurídica — perde o imóvel absoluta e definitivamente.

Já na servidão administrativa, a pessoa continua sendo proprietária, mas é obrigada a permitir que o Estado use parte do terreno, a exemplo do que ocorre quando passam cabos de energia ou canos, recebendo indenização apenas pelos prejuízos que lhe foram ocasionados.

Etapas do processo de desapropriação

Para realizar a desapropriação, o Poder Público deve cumprir três requisitos:

  • (i) demonstrar que precisa do imóvel para atender a uma necessidade pública, o que deve ser feito por meio de um decreto oficial, que explique por qual motivo aquele bem é de interesse coletivo;
  • (ii) pagar ao proprietário uma indenização em dinheiro, antes de expropriar o imóvel, em valor que deve refletir, além do verdadeiro preço da coisa, o prejuízo sofrido pelo particular em decorrência dessa perda;
  • (iii) seguir as normas previstas em lei e, sobretudo, garantir o direito da pessoa ao contraditório e à ampla defesa, especialmente no momento de quantificar o justo valor indenizatório.

O procedimento da desapropriação tem início com a edição do decreto declarando a utilidade pública do imóvel.

Após, a Administração faz o cadastro do imóvel, com a identificação de seu proprietário ou possuidor, bem como de todas as suas características.

Na sequência, é realizada a avaliação para estimar seu valor e, ainda de forma consensual e sem processo judicial, oferta um preço ao particular.

Se não houver acordo, o Estado propõe, judicialmente, a ação de desapropriação. Depositado em juízo o valor que foi ofertado ao particular, imediatamente o Estado requer a imissão de posse do bem.

Perícia judicial e definição do valor final

Havendo fundada dúvida sobre o valor da avaliação e levando-se em consideração a importância do bem para o cidadão, é comum que nesse momento surja questão de alta relevância, a justificar a realização de uma perícia prévia – a ser elaborada por Perito Judicial, de confiança do juízo, e imparcial.

E, assim sendo, somente após o depósito do valor apurado na perícia prévia é que o participar perde a posse do imóvel e o Estado é nela imitido.

O que deve ser considerado no valor justo

Salvo raríssimas exceções, a ação de desapropriação terá curso apenas para a apurar o valor da indenização, que dependerá de uma perícia, realizada por profissional com curso superior — normalmente um engenheiro civil ou um engenheiro agrônomo radicado na região e conhecedor dos valores ali praticados —, destinada a tal fim, a saber, encontrar a justa indenização.

Sendo o valor ofertado e depositado pela Administração inferior ao valor apurado na Prova Pericial — o que se verifica na imensa maioria dos processos de desapropriação—, o Estado será condenado a pagar (completar) a diferença.

Com efeito, não raro que, tendo por objeto casas, lojas, postos de gasolina, pequenas fazendas ou outros locais que garantem moradia e renda às famílias, é inegável que a desapropriação provoca uma brusca guinada na vida dos particulares de que são alvo.

Caso emblemático: a casa do filme “Ainda Estou Aqui”

Exemplo eloquente radica na desapropriação da casa onde foi gravado o filme “Ainda Estou Aqui”, localizada no bairro da Urca, na cidade do Rio.

O procedimento, ainda em curso, tem por objetivo transformá-la na “Casa do Cinema Brasileiro”, um espaço cultural aberto ao público que servirá como memorial da história de Eunice Paiva, da democracia brasileira e da conquista do primeiro Oscar do país.

Objetivo louvável e digno, mas que precisa forçosamente levar em consideração a situação do proprietário, que apenas concedeu autorização para que o longa-metragem fosse filmado em sua casa. E agora corre o risco iminente de perdê-la irremediavelmente.

Terceira Ponte e Rodovia do Contorno

Em solo capixaba, especialmente na região da Grande Vitória, várias obras de infraestrutura e urbanização, durante toda a sua história, envolveram desapropriação de áreas pertencentes a particulares. Por exemplo:

  • (i) para construir a Terceira Ponte, foram necessárias desapropriações tanto em Vitória — área de acesso na Enseada do Suá — quanto em Vila Velha — Praia da Costa —, expropriando imóveis residenciais e comerciais;
  • (ii) a construção da Rodovia do Contorno, para desviar o tráfego pesado do centro urbano, envolveu desapropriações de terrenos em Cariacica, Serra e Viana, incluindo áreas rurais e de pequenos produtores;
  • (iii) a ampliação da Avenida Leitão da Silva, interligando diversos bairros da Capital, exigiu desapropriação de imóveis especialmente nas áreas de Itararé, Maruípe e Santa Cecília;
  • (iv) além das as obras nas Avenidas Fernando Ferrari, Vitória e Carlos Lindenberg, bem como, ao longo das décadas, as expansões no Porto de Vitória — Ilha do Príncipe, Paul e Santo Antônio — e no Porto de Capuaba — Vila Velha.

Projetos atuais e futuros com impacto social

Mais recentemente, obras como o Contorno do Mestre Álvaro, a duplicação da BR-101 e, ainda futuramente, o projeto de ferrovia da Vale, entre Santa Leopoldina e Anchieta, além do contorno em Cachoeiro de Itapemirim, têm causado vastos e nocivos desdobramentos para os moradores dessas regiões.

Não obstante serem avanços importantes para o Estado, nunca se pode esquecer que a desapropriação afeta direta e negativamente a subsistência de quem precisa deixar seus imóveis e também das pessoas residentes nas localidades limítrofes, fato que exige, por parte do Poder Público, o emprego de melhor técnica e de mais esforços para dimensionar de forma lúcida e conectada à realidade o valor da justa e prévia indenização devida ao particular expropriado.

Avaliações genéricas e desatualizadas

Notadamente em função do diminuto preço ofertado pelo Poder Público, todas essas desapropriações desembocaram em processos judiciais por disputa de terra, judicialização que poderia ter sido evitada caso a Administração envidasse maior empenho e energia em oferecer, prima facie, indenizações verdadeiramente justas – após adequados processos de mediação.

Essa afirmação tem por premissa o fato de que, na ampla maioria das ações de desapropriação, a Justiça determina um valor muito mais alto que o ofertado pelo Estado. Isso sucede porque as avaliações da Administração costumam ser feitas em bloco, sem considerar particularidades do imóvel, perdas futuras — como lucros que deixarão de ser obtidos pelo particular — e a repercussão econômica em áreas vizinhas (remanescentes).

Respeito à propriedade e aprimoramento técnico

A despeito de ser a desapropriação um mecanismo essencial para garantir obras e serviços que beneficiem a sociedade, é premente que ela seja feita com respeito ao direito de propriedade do cidadão.

Cabe ao Estado aprimorar as técnicas de mensuração do valor dos imóveis objeto de desapropriação, para que formule uma oferta realmente justa e previna a desenfreada judicialização dessa matéria, em um Judiciário já tão saturado de demandas.

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