TRF-1 decide destino de juiz acusado de ameaçar testemunhas

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidirá sobre o pedido de aposentadoria compulsória do juiz Alderico Rocha Santos. A punição foi pleiteada pelo Ministério Público Federal (MPF).

O magistrado será julgado no processo administrativo disciplinar (PAD) que apura denúncias de intimidação de testemunhas em uma ação que investiga suposta incompatibilidade do patrimônio de Rocha Santos com o salário de juiz federal. O julgamento está marcado para o dia 12 de dezembro, mas a defesa, segundo o magistrado, vai apresentar um pedido de adiamento.

4 imagens

Juiz relatou suposta ameaça de empresário

Para a procuradora Ana Paula Mantovani, juiz não comprovou fonte de recursos para comprar fazendas de R$ 33 mi
Alderico Rocha Santos atua na Justiça Federal em Goiás
1 de 4

MPF cobra aposentadoria compulsória do juiz federal Alderico Rocha Santos

Tribunal Regional Eleitoral/ Goiás

2 de 4

Juiz relatou suposta ameaça de empresário

Reprodução

3 de 4

Para a procuradora Ana Paula Mantovani, juiz não comprovou fonte de recursos para comprar fazendas de R$ 33 mi

Reprodução

4 de 4

Alderico Rocha Santos atua na Justiça Federal em Goiás

Reprodução

A intenção é fazer com que o caso seja analisado em março de 2025, quando será julgada a primeira ação contra Alderico Rocha Santos, na qual ele é investigado pela compra de duas fazendas em Goiás por R$ 33,5 milhões.

O caso foi revelado pela coluna em julho. Na ocasião, o magistrado se defendeu das acusações. “Em 2004, 2005, eu já tinha 1.276 alqueires de terra, o que era três vezes mais do que a terra que tenho hoje, que é de 400 e poucos alqueires, que corresponde a R$ 33 milhões. E, em 1991, por questão de direito hereditário, minha mãe faleceu e eu já tinha uma fazenda lá no Maranhão”, disse.

“Eu fui advogado da Caixa Econômica, fui juiz estadual, procurador da República, trabalhei em bancos. Então, quando ingressei na Justiça Federal, meu patrimônio já era três vezes mais do que o que tenho hoje”, afirmou o juiz.

Na semana que vem, o TRF-1 julgará o pedido de aposentadoria compulsória apresentado pelo MPF no âmbito de uma segunda ação contra o magistrado, por intimidação e ameaça a testemunhas da representação que apura a origem do dinheiro usado na compra das fazendas. O julgamento acontecerá em sessão da Corte Especial Administrativa do tribunal.

Em novembro, a relatora das ações contra Rocha Santos, desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, recebeu as alegações finais do MPF no Processo Administrativo Disciplinar (PAD) referente às supostas ameaças a testemunhas.

No documento, a procuradora da República Ana Paula Mantovani relacionou áudios e mensagens escritas pelo magistrado, enviadas à autora da representação disciplinar, Adriane Borges Inácio Campos, dona da fazenda Mara Azul, comprada pelo juiz federal, e ao gerente da propriedade, Alex Carvalho. Nas mensagens, Rocha Santos cita os depoimentos prestados no âmbito da representação disciplinar, ofende e promete acionar “amigos pistoleiros” para colocar as testemunhas “na linha”.

“Comandante Alex, tudo bom? É Alderico que está falando, rapaz. Estou aqui no Wilson. Alex, eu ouvi um depoimento seu num procedimento da Adriane contra mim. Cara, que coisa nojenta é você. Você é um mentiroso, você é um vagabundo, você não vale nada. No seu depoimento, falou que, naquele dia lá que eu e Wilson fomos lá no negócio da porteira, que o policial veio, aí tu falou que eu e Wilson, a gente tinha passado a tarde toda interditando a estrada. Aí, tu teve que cavucar um buraco para, daí, impedir a interdição. Tu tá doido, cara? Os policiais vieram aqui pra casa e ficaram a tarde toda, prestaram depoimento, todos falando que tu tá mentindo. Cara, tu é muito vagabundo, Alex, tu não presta”, diz o juiz em um áudio enviado a Alex Carvalho.

“Alex, vagabundo, tu tá aonde, filho da puta [sic]? Vamo encontrar, se tu for homem. Me peita, vagabundo. Agora, tu fica com essa mentiraiada contra a minha pessoa, cê vai tomar no cu, seu veado, vagabundo. Onde tu tá, que eu vou te encontrar amanhã? Vamo encontrar ‘tête-à-tête’, vagabundo, filho da puta. Tu fica mentindo em relação à minha pessoa, seu vagabundo nojento, seu corno, vagabundo”, ataca Rocha Santos, em outra mensagem ao gerente da fazenda.

Para Adriane Gomes, o magistrado enviou mensagens afirmando ter amigos “brigões”, com dinheiro e “coragem” para enfrentar a mulher. Rocha Santos chegou a encaminhar o áudio de um desses amigos, identificado como Antônio Alves Ferreira, dizendo que é melhor “colocar os outros pra brigar pra gente”.

“Vamo tomar cachaça, que é muito melhor do que brigar, entendeu? Brigar, a gente faz assim: cê põe os outros para brigar pra gente, e fica fora, batendo palma, é assim. Assim que nós prendemos no Maranhão, entendeu?”, diz o suposto amigo. “E aí, Adriane, esse áudio que eu te passei é do meu amigo, compadre, padrinho da minha filha, amigo-irmão, coragem demais, do Maranhão. Onde eu colocar o pé, ele coloca o pescoço. Nós temos um pacto entre nós dois: se mexer com ele, mexeu comigo; se mexeu comigo, mexeu com ele”, afirma Rocha Santos, na sequência.

“Briga com pessoas grandes”

Em uma das mensagens, o juiz federal admite ter usado empresas desses “amigos” para pagar pelas fazendas. “Diante disso, só para te avisar que quem comprou a fazenda aí no Itacaiu não foi o Alderico, nem a Fernanda, esposa, não. Foi a Agropecuária Sucesso. E [d]a Agropecuária Sucesso, hoje, eu só tenho 10% (dez por cento), eu passei para o Márcio, lá de Anápolis, que comprou minha fazenda e minhas terras lá de Nova Crixás”, conta.

“Eu contei pra [sic] ele a sua situação e ele disse: ‘Não, Alderico, me coloca aí, que eu me divirto com isso, eu quero comprar briga com essa Adriane; deixa ela vir comigo aqui, deixa’. Ele é brigão, tem patrimônio de três bilhões, mais ou menos, honesto, correto, loteador. Então, hoje, eu só tenho 8 a 10% da Agropecuária Sucesso, que comprou aí as fazendas. Então, a briga, hoje, sua, não é com Alderico, não. Hoje, a briga é com pessoas grandes. Mas você vai ser enquadrada. Ele tem toda uma estrutura. Só pra você ter uma noção, ele tem 15 advogados, a banca de advogados dele são quinze. Ele tem toda essa estrutura. Ele disse que vai te colocar na linha, pra você aprender a respeitar as pessoas”, afirmou o magistrado.

As intimidações incluíam também os parentes de Rocha Santos. Nos áudios, o juiz acusa a mulher de tê-lo ameaçado de morte e que, caso qualquer coisa acontecesse com ele, ela seria “responsabilizada”.

“Deixa eu te falar: minha família, nós só somos onze irmãos; todos têm mais coragem do que eu, e, dentre os onze irmãos, tem um delegado, dois policiais e um pistoleiro. E, fora isso, eu só tenho uns cinco amigos pistoleiros. Então, desista de querer mandar me matar, porque se cair uma unha do meu pé, basta cair uma unha do meu pé, você vai ser responsabilizada. Vai morrer você, vão morrer seus filhos e seus netos. Então, desista da ideia de querer me matar, tá bom?”, disse. Ao MPF, Adriane Gomes negou ter feito qualquer ameaça ao juiz.

Em contato com a coluna, Alderico Rocha Santos afirmou que, na audiência de instrução para o julgamento, os funcionários da fazenda retiraram algumas das acusações feitas em depoimento. “Foram ouvidas novamente as testemunhas, tendo elas se retratado de alguns fatos. Ficou esclarecido que não houve ameaças, inclusive os empregados da Adriane foram unânimes nesse sentido”, disse. Entre as alegações retiradas, o juiz cita uma suposta ameaça atribuída a ele, de atirar no carro de Adriane Gomes, e a afirmação de que teria sido visto com uma espingarda e um revólver.

Duas denúncias

A fazenda Mata Azul, localizada em Britânia (GO), foi comprada por Alderico Rocha Santos em 2022 por R$ 15 milhões. Em 2023, Adriane Gomes, que era dona da propriedade, apresentou a reclamação disciplinar que deu início às investigações contra o magistrado. Ela incluiu na denúncia conversas que manteve com o juiz e comprovantes de depósitos bancários feitos por terceiros, inclusive um jogador da Seleção Brasileira de futebol.

Com base nos documentos, o Conselho Nacional de Justiça abriu o primeiro PAD para investigar o patrimônio do juiz. Nesse processo, o MPF alegou que “o valor total apenas das duas fazendas compradas pelo magistrado em 2022 supera em mais de dez vezes o patrimônio declarado em 31/12/2008, o que reforça a necessidade de aprofundamento das investigações para análise da licitude da origem dos bens, uma vez que o exponencial crescimento patrimonial, salvo melhor juízo, não parece guardar compatibilidade com os rendimentos recebidos pelo desempenho de cargos públicos”.

Em dezembro de 2023, o magistrado foi afastado da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás por determinação da Corregedoria do TRF1, e escalado como auxiliar na 16ª Vara Federal. Em julho, em contato com a coluna, Rocha Santos se defendeu das acusações.

“Em 2004, 2005, eu já tinha 1.276 alqueires de terra, que era três vezes mais do que a terra que eu tenho hoje, que é de 400 e poucos alqueires, que corresponde a R$ 33 milhões. E, em 1991, por questão de direito hereditário, minha mãe faleceu, eu já tinha uma fazenda lá no Maranhão. Eu fui advogado da Caixa Econômica, fui juiz estadual, procurador da República, trabalhei em bancos. Então, quando eu ingressei na Justiça Federal, meu patrimônio já era três vezes mais do que o que eu tenho hoje”, disse.

Depois do afastamento, Adriane Gomes procurou o MPF e apresentou as mensagens enviadas por Rocha Santos, que passou a responder também pela tentativa de coação das testemunhas. “O ora processado enviou diversos e repetidos áudios para as testemunhas da reclamação disciplinar em tramitação perante a Corregedoria do TRF1 proferindo ameaças de violência, de enfrentamento ou de morte, ora de forma expressa, em outros momentos de forma velada, sendo inadmissível entender que tratou-se apenas de suposto crime contra a honra das testemunhas”, diz a procuradora Ana Paula Mantovani.

“Vale destacar que as desavenças existentes entre Alderico e Adriane estão em apuração em procedimento próprio e não se confundem com a presente apuração, sendo apenas reconhecida a conexão entre eles. Contudo, não se pode deixar de lembrar que Alderico, meses antes, entrara armado e desferira tiros para cima na Fazenda Mata Azul, enquanto ameaçava Adriane de ‘dar-lhe uma surra de facão’. Esses fatos aumentam a credibilidade e o temor gerado em Adriane e em seu empregado Alex, diante das ameaças sofridas”, destacou Mantovani, nas alegações finais do MPF.

Em sua defesa, Rocha Santos pediu a exclusão de ilicitude com relação às ameaças feitas a Alex Carvalho, uma vez que o gerente da fazenda Mata Azul o teria perdoado pelas mensagens. A acusação, porém, lembrou que, em casos de coação de testemunhas, não é considerada vítima apenas a pessoa ameaçada, mas o próprio processo em curso.

Patrimônio

Alderico Rocha Santos tem 58 anos e ingressou na magistratura em 1994, no Tribunal de Justiça de Goiás. Além das fazendas, o patrimônio de Alderico Santos inclui um carro de luxo avaliado em R$ 500 mil e seu nome aparece vinculado a empresas. Ele figura como sócio da Agropecuária Sucesso, também em Britânia (GO).

A empresa se ramifica em quatro CNPJs diferentes, referentes a uma matriz e uma filial e às fazendas Ferrão de Prata e Capão de Anta. A atividade principal é criação de bovinos de corte, e o capital social registrado da empresa é de R$ 39 milhões. O juiz também aparece como sócio do Residencial Pôr do Sol, empreendimento imobiliário na cidade de Nazário (GO), com capital social de R$ 660 mil.

Em seu nome, Alderico Rocha Santos tem pelo menos quatro veículos, sendo duas motos Honda CG e XLR 125 modelos 1999 e 2000, um Gol modelo 2007 e um Ford Mustang Mach 1 modelo 2022. No mercado, um Mustang Mach 1, ano 2022, custa em torno de R$ 500 mil.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.