A crise climática não é democrática: as periferias são as que mais sofrem

Pé direito mais baixo que o habitual, ventilação inadequada, construções com materiais que retém calor, baixo poder aquisitivo para compra de ar condicionado ou pagar uma conta de energia mais alta, escassez histórica de água em locais periféricos, meios de transporte público lotados: são todos fatores cotidianos que impactam diretamente a vida das pessoas que moram em territórios periféricos no mundo todo quando o assunto é crise climática. 

Quem fala isso não sou eu, não é uma ideia tirada da mente da Tainá de Paula. Segundo dados da Organização Mundial de Meteorologia (WMO), 2024 foi o ano mais quente da história, desde meados do século 19, com a temperatura da superfície do planeta ficando 1,55ºC acima da média. No Brasil, a temperatura média chegou aos 25,02ºC, a maior da série histórica, iniciada em 1961.

O aumento da temperatura global fez com que a sociedade gerasse um outro problema, desta vez trabalhista. De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), as denúncias apresentadas no órgão que fazem referência ao “calor” quase quadruplicaram em três anos. 

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Em 2022, foram 154 denúncias, passando para 621, em 2023, e chegando a 741, no ano de 2024. Já em 2025 o cenário não é muito diferente. Ainda de acordo com o MPT, somente entre os meses de janeiro e fevereiro, foram registradas 194 denúncias citando o “calor” no órgão, superando todo o ano de 2022 em apenas 60 dias. 

E adivinhem quem são as categorias mais atingidas por esse calor extremo? Sim! São aquelas que abarcam a maioria de pessoas negras trabalhando. No Brasil, os dados apontam que os efeitos são mais nocivos entre trabalhadores da agricultura, construção civil, correios, telecomunicações e vigilância. São ambulantes, pedreiros e motoboys que lidam com o calor diuturnamente e, em sua grande maioria, pessoas negras e moradores de favelas. 

Quem tem a remuneração vinculada à produção, como é o caso dos trabalhadores agrícolas, são “estimulados” a não fazer pausas de descanso, mesmo sob altas temperaturas, devido ao incentivo financeiro. A construção civil não é diferente. Imaginem um pedreiro fazendo esforços físicos num calor de 41,8ºC, como foi no Rio de Janeiro, em fevereiro deste ano. 

Como a crise climática não é democrática, ela atinge as pessoas mais vulneráveis, aquelas que possuem menos acesso aos recursos de adaptação e reparação. No Rio Grande do Sul, professores de escolas públicas pediram a suspensão das aulas devido ao excesso de calor; se fosse em escolas particulares, provavelmente, teria ar condicionado nas salas de aula, arrefecendo o calor, levando mais conforto aos alunos. 

Este é um dos prejuízos causados pelo calor extremo, mas posso citar outros, como a situação de penúria e medo que a população passa durante o período chuvoso, por exemplo. Os territórios favelados, historicamente, sempre foram os mais atingidos. Quem não se lembra das chuvas de janeiro, na Baixada Fluminense, que vitimou, mais uma vez, a dona Carla Aparecida dos Santos, em Nova Iguaçu. 

Em 2024 e 2025, ela e a família perderam praticamente tudo depois que o Rio Botas invadiu sua casa. Esse é um dos cursos d’água que deveriam receber obras do Projeto Iguaçu, uma promessa da década de 1990 e que não surtiu efeito. O Estado, que deveria estar presente na vida dessas pessoas levando soluções, se faz aparecer nos complicadores, como nos serviços armados, no entanto, quando se fala em saneamento básico, por exemplo, a presença é inexistente. 

Políticas públicas são necessárias para levar um pouco de segurança, dignidade e um mínimo de conforto para essas pessoas. E quando falo conforto são situações que melhorem a qualidade de vida dessas populações, como é o caso do Cada Favela Uma Floresta, programa da Prefeitura do Rio de Janeiro, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima, que implanta intervenções de infraestrutura urbana verde. 

O programa também visa a prevenção e controle de ocupação em áreas de risco, recuperação de áreas degradadas, melhoria do microclima, qualidade da água e ar, estímulo à eficiência do uso energético, além da promoção da segurança alimentar, dentre e outros recursos sociais e ambientais incluídos no escopo do projeto. 

Já sabemos que a crise climática não é democrática, mas nós precisamos usar a democracia e políticas públicas eficientes para minimizar seus impactos. 

*Tainá de Paula é arquiteta, urbanista e ativista das lutas urbanas. É especialista em Patrimônio Cultural pela Fundação Oswaldo Cruz e Mestre em Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente é vereadora licenciada e Secretária Municipal de Meio Ambiente e Clima da Cidade do Rio de Janeiro.

**Este é um artigo de opinião e não representa necessariamente a linha editorial do Brasil do Fato.

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