O Partido dos Trabalhadores (PT) se prepara para eleger um novo presidente nacional, e a tendência é que o escolhido seja o ex-prefeito de Araraquara (SP), Edinho Silva. A possível vitória é vista como um sinal de continuidade da hegemonia da corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), alinhada ao pragmatismo político do lulismo. A avaliação é do cientista político Paulo Roberto Souza, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), que acredita que essa guinada pode ser preocupante para a identidade da esquerda no Brasil.
“A tendência com o Edinho talvez seja um sentido mais pragmático, mais governista, e isso também pode ser preocupante”, avaliou Paulo Roberto, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.
Segundo ele, a eleição interna que definirá o novo presidente nacional do partido é mais do que uma formalidade. Trata-se de um momento crucial para definir os rumos do partido não apenas no curto prazo, com os desafios do atual governo Lula (PT) e das eleições de 2026, mas também no horizonte do pós-Lula.
“É muito importante o PT voltar a refletir sobre a sua posição de disputa no cenário político-partidário brasileiro, de sair de uma postura talvez muito conciliadora, dada a condição colocada nos últimos anos”, afirma, referindo-se à ascensão da extrema-direita.
A corrida conta com quatro candidaturas: Rui Falcão, Romênio Pereira, Valter Pomar e Edinho Silva. O atual vice-presidente da legenda, Washington Quaquá, prefeito de Maricá (RJ), havia se lançado como pré-candidato, mas acabou desistindo. A eleição para a presidência nacional do PT está marcada para o dia 6 de julho e deve mobilizar cerca de 1,3 milhão de filiados.
Fim da era Gleisi e os desafios da nova direção
Com a saída de Gleisi Hoffmann da presidência nacional do partido após sete anos, para assumir a Secretaria de Relações Institucionais do governo federal, o partido inicia um novo ciclo. Souza destacou a importância do papel desempenhado por Gleisi, especialmente durante o enfrentamento ao governo Bolsonaro (PL).
“Ela foi muito atacada, principalmente por ser mulher, e muito estigmatizada, mas sempre teve uma postura muito aguerrida, de posicionamento, de não baixar a cabeça para essas ofensas”, disse o professor. “Ela conduziu o PT a uma união significativa que teve como consequência a eleição do terceiro mandato do presidente Lula. Isso não é pouca coisa.”
Para ele, a gestão de Hoffmann representou um esforço para manter o PT no centro da disputa política. A possível vitória de Edinho Silva, por outro lado, pode reforçar uma linha mais institucional e moderada. Essa mudança de papel, alerta o professor, pode diluir o protagonismo do partido e enfraquecer sua identidade combativa.
“O risco disso é você perder totalmente a sua identidade, perder uma agenda, e aí, efetivamente, o campo progressista ser cada vez mais subordinado e oprimido pelos campos conservadores da extrema-direita”, sugere.
O futuro da esquerda
Na avaliação de Paulo Roberto, o enfraquecimento da esquerda não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Ele observa que partidos progressistas em diversos países da Europa também têm sido empurrados para o centro e sofrem com o crescimento da extrema-direita.
“Na Europa Ocidental cresce cada vez mais a quantidade de partidos de direita e extrema-direita, e os partidos progressistas ficam cada vez mais acuados, convergindo para um meio-termo. Isso é perigoso”, avalia.
Nesse cenário, diz ele, é fundamental que o PT mantenha sua capacidade de debate independente, tanto em relação ao lulismo quanto às demais forças do campo progressista, para preservar sua identidade e disputar hegemonia na sociedade. “O PT tem em torno de 30% do eleitorado como base, é o principal partido do Brasil. É importante que continue no espaço público fazendo o debate de forma independente”, afirmou.
Apesar de o PT não ser o partido com mais filiados no Brasil, sua base é considerada a mais ativa politicamente. “Essas cerca de 1,5 milhão de pessoas filiadas ao PT tendem a ser mais engajadas do que os partidos do Centrão e da extrema-direita, agora com o PL agora crescendo”, contextualiza o professor.
Eleições 2026 e o desafio paulista
A disputa pela presidência do PT também está ligada às perspectivas eleitorais do próximo ano. Em estados como São Paulo, onde o partido nunca venceu a eleição para o governo, a articulação será determinante. Segundo o professor, é preciso “repolitizar” o debate e reconstruir pontes com o interior paulista, onde o partido perdeu capilaridade.
“No sentido pragmático, pensando inclusive na possibilidade de derrota. caso [o atual governador de São Paulo] Tarcísio Freitas fique [no poder], é importante trazer novas alternativas, novas expectativas, esperanças e protagonismo para esse interior que está cada vez mais articulado com a extrema-direita”, explicou.
Embora nomes como os dos ministros Alexandre Padilha e Fernando Haddad estejam no radar, a definição de candidaturas ainda está em aberto, e poderá ser influenciada diretamente pela nova direção nacional do partido.
A ascensão de Edinho Silva, um político com base no interior paulista, reforça esse cenário, mas com desafios. “A derrota do candidato apoiado por ele em sua própria cidade mostra como o campo progressista tem dificuldade de debater o interior”, aponta Souza.
Diante da tentativa de setores da mídia e do mercado de “vender” Tarcísio de Freitas (Republicanos) como uma figura moderada, o professor alerta: “Tentam tratá-lo como um bolsonarista sem Bolsonaro, um café sem cafeína. […] Mas ele ainda representa essa extrema-direita articulada.”
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