
*Artigo escrito por Marco Tulio Ribeiro Fialho, advogado, especialista em Direito Empresarial, Direito Público e Tributário. sócio-fundador do Ribeiro Fialho Advogados
O verso de Chico Buarque, na clássica canção Construção, continua ecoando com força nas esquinas da desigualdade urbana brasileira.
O homem que edificava os prédios, mas nunca neles morava. O operário que, depois de levantar as paredes dos outros, caía das suas próprias ausências – sem nome, sem teto, sem espaço.
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É impossível ouvir essa música e não pensar em milhões de brasileiros que vivem à margem do concreto, entre favelas, ocupações, ruas e promessas esquecidas. Gente que constrói a cidade, mas não pertence a ela. Gente que, literalmente, vive na contramão.
E, nesse cenário, a pergunta parece inevitável: de quem é, afinal, o teto? Daquele que compra, registra e mantém – ou daquele que precisa dele para sobreviver?
A moradia, direito social consagrado na Constituição, pode se sobrepor ao direito de propriedade? O imóvel vazio é mais valioso que uma família inteira?
Essas perguntas, tão emocionais quanto legítimas, exigem uma resposta que vá além da indignação – e que olhe para a realidade com lucidez e responsabilidade.
O que acontece quando o teto desaparece?
Agora imagine um município onde, da noite para o dia, todas as construtoras, indústrias, grandes redes de supermercados e varejo desaparecem.
As portas se fecham, os empregos somem, o comércio para. A arrecadação despenca. A classe média empobrece. Os pobres ficam sem perspectiva. E o Estado? Sem recursos para fazer políticas públicas – inclusive habitação.
Se fosse verdade que os mais ricos apenas “retiram” dos mais pobres, o desaparecimento desses grupos tornaria os pobres mais ricos.
Mas a realidade mostra o contrário: a renda não se transfere – ela se constrói. E sem agentes econômicos capazes de gerar riqueza, ninguém sobe. Todos afundam.
O direito à moradia precisa ser garantido, sim. Mas esse é um dever do Estado, e não um fardo imposto ao particular.
A função social da propriedade não autoriza ocupações arbitrárias. Ela impõe obrigações, mas dentro dos limites da legalidade, do devido processo e do equilíbrio constitucional.
Moradia é direito social e deve ser protegida como tal
A moradia é um direito social – e deve ser protegida como tal. Mas a solução para a sua ausência não é relativizar ou fragilizar outro direito igualmente fundamental: a propriedade privada.
A propriedade é mais do que um título de posse. Ela é a base do investimento, da segurança jurídica, do crédito, da geração de empregos e tributos.
Ela permite que o empreendedor invista, que o comércio floresça, que a indústria opere, que o Estado arrecade.
É essa engrenagem que sustenta os programas sociais, as escolas públicas, os hospitais, e sim, os projetos de habitação popular.
Mitigar a propriedade privada em nome da moradia não resolve o problema da pobreza – amplia. Cria um ambiente de insegurança que afugenta investimentos e paralisa a economia local.
Afinal, quem arriscará construir, comprar ou empreender se não tiver garantido o direito de manter o que criou?
Propriedade e moradia não são inimigas
É preciso compreender que propriedade e moradia não são inimigas. São etapas diferentes do mesmo ciclo de desenvolvimento.
Sem propriedade privada protegida, não há investimento. Sem investimento, não há arrecadação. Sem arrecadação, o Estado não tem como garantir moradia para quem mais precisa.
A canção de Chico Buarque segue atual porque a desigualdade ainda dói. Mas o antídoto para essa dor não está em demonizar quem construiu – mas em dar ferramentas para que mais pessoas possam construir também.
Não se garante moradia demolindo direitos. Garante-se com planejamento, com justiça, com desenvolvimento sustentável e com a atuação firme – e responsável – do poder público.
A moradia que Chico cantou é um direito legítimo. Mas o teto, afinal, só será de todos quando aprendermos que riqueza se constrói, não se transfere. E que o alicerce da justiça social é o respeito à liberdade, ao trabalho e à propriedade.
