
O vice-prefeito de Cachoeiro de Itapemirim, Júnior Corrêa (Novo), admitiu à coluna De Olho no Poder que tem interesse em assumir a cadeira de Gilvan da Federal (PL) na Câmara dos Deputados, caso o parlamentar seja afastado do mandato.
Gilvan é alvo de uma representação inédita da Mesa Diretora da Câmara Federal, que pede a suspensão cautelar de seu mandato parlamentar por seis meses, por quebra de decoro. A representação veio após Gilvan se envolver em mais uma confusão durante uma reunião da Comissão de Segurança Pública.
A representação – assinada, inclusive, pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos) – diz que “as falas do representado excederam o direito constitucional à liberdade de expressão, caracterizando abuso das prerrogativas parlamentares, além de, repise-se, ofenderem a dignidade da Câmara dos Deputados, de seus membros e de outras autoridades públicas” (veja mais detalhes aqui). O alvo das falas foi a ministra Gleisi Hoffmann.
De acordo com a Constituição Federal e com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em caso de afastamento de um parlamentar por período superior a 120 dias, o suplente é convocado para assumir.
Júnior Corrêa é o primeiro suplente de Gilvan. Nas eleições de 2022, Júnior concorreu à Câmara Federal pelo PL e obteve 37.756 votos.
Questionado pela coluna se teria interesse em assumir como deputado federal caso haja a vacância da vaga por conta de um eventual afastamento do titular, Júnior disse que primeiro precisaria alinhar com o prefeito Theodorico Ferraço (PP), mas sinalizou que sim.
“Não conversei com o prefeito ainda, só falei com os secretários. Tenho que alinhar com o prefeito. Se ele achar que isso será importante para o município, posso assumir”, afirmou o vice-prefeito.
Ele contou que poderia fazer muita coisa por Cachoeiro durante seis meses. “Não é algo que eu sonhe, mas a gente já está sem deputado de Cachoeiro na Câmara Federal há muito tempo. Se existe a possibilidade de ficar lá por seis meses e puder alinhar para enviar verba de emenda parlamentar para cá, pode ser bom”, avaliou.

Implicações jurídicas
Porém, não é só querer. A possibilidade de Júnior assumir a suplência na Câmara envolve uma série de questões jurídicas que podem até colocar em risco seu cargo de vice-prefeito.
Entre as questões está a fidelidade partidária. No ano passado, para concorrer às eleições municipais e após desgastes com o PL, Júnior trocou de legenda, saiu do Partido Liberal e foi para o Novo.
Os mandatos proporcionais (vereadores e deputados) pertencem à legenda. Logo, quando um vereador ou deputado deixa o partido pelo qual foi eleito, sem justa causa (ou sem autorização judicial), ele pode ter o mandato questionado por infidelidade partidária.
Para isso, o partido, o suplente ou o Ministério Público Eleitoral precisam requerer, na Justiça Eleitoral, a vaga. E é nesse ponto que o vice-prefeito firma o entendimento para defender que ele tem direito à vaga de suplência mesmo após deixar o PL.
Ele afirma que, como o partido não entrou na Justiça para requerer a suplência assim que ele se desfiliou no PL, a vaga na Câmara, então, seria dele. “A omissão do partido me dá o direito de ocupar a vaga. Há um prazo para requerer a suplência na troca do partido, como não houve o pedido da suplência ela é minha por direito”, disse Júnior Corrêa.
O prazo citado pelo vice-prefeito está na Resolução nº 22.610, de 25 de outubro de 2007, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O 2º parágrafo do artigo 1º diz:
Quando o partido político não formular o pedido dentro de 30 (trinta) dias da comunicação da desfiliação, efetivada pela Justiça Eleitoral nos termos do 25-B da Res.-TSE nº 23.596/2018, pode fazê-lo, em nome próprio, nos 30 (trinta) subsequentes, quem tenha interesse jurídico ou o Ministério Público Eleitoral.
Júnior afirmou que nem o partido, nem o 2º suplente e nem o Ministério Público Eleitoral entraram com pedido requerendo a sua vaga de suplente.
A questão é que nem todos têm a mesma interpretação que o vice-prefeito a respeito da resolução. Segundo juristas consultados pela coluna, a resolução é omissa para casos de suplentes (caso de Júnior). E haveria um entendimento no TSE de que o prazo citado na norma só começaria a contar a partir do momento em que o suplente assume efetivamente o mandato, ou seja, quando ele se torna mandatário.
O 3º parágrafo do mesmo artigo 1º da resolução diz: “O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma desta Resolução”.
E numa decisão julgada pela Corte Eleitoral em 2010, no relatório do então ministro Marcelo Ribeiro, foi definido que: “conta-se da data da posse do suplente no cargo eletivo o prazo de 30 dias para o ajuizamento da ação por infidelidade partidária. Precedente”.
Com base nesse entendimento, o partido – no caso, o PL – não teria ainda perdido o prazo para requerer a suplência, o que poderia vir a ocorrer, caso Gilvan seja mesmo afastado e o suplente seja chamado para ocupar a vaga.
Pode ter dois cargos eletivos?
Outro ponto jurídico em discussão é o fato de Júnior ser vice-prefeito.
De acordo com o artigo 54 da Constituição Federal, os deputados e senadores não poderão: “ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo” (inciso I, alínea d).
Ou seja, há uma vedação constitucional de se acumular, ainda que temporariamente, o cargo de deputado federal com outro cargo eletivo (no caso, o de vice-prefeito). O entendimento geral é que, para ocupar a vaga de suplência por seis meses, Júnior teria de renunciar ao cargo de vice-prefeito.
E isso ele descarta: “Renunciar eu não vou”.
Júnior cita a possibilidade de uma brecha, na lei orgânica do município, para que ele possa se afastar do cargo de prefeito, ser exonerado do cargo de secretário municipal e assumir a suplência de deputado temporariamente.
No ano passado, a Câmara de Vereadores de Cachoeiro de Itapemirim fez uma alteração na lei orgânica do município, autorizando vereadores a se licenciarem para assumir, temporariamente, cadeiras na Assembleia e no Congresso, sem o risco de perder o mandato na Câmara Municipal.
Foi acrescentado o inciso V no artigo 37 da lei que diz que não perderá o mandato o vereador que: “licenciado para assumir, temporariamente, mandato de deputado estadual, ou de deputado federal, ou de senador, na condição de suplente, enquanto perdurar o afastamento ou licença do titular do mandato”.
A alteração foi proposta pelo então presidente da Casa na época, Brás Zagotto (Podemos), e por interesse próprio. Ele é o segundo suplente de deputado federal do Podemos – atrás do 1º suplente que é o ex-secretário da Segurança Coronel Ramalho.
Como, na época, era de conhecimento público o desejo do deputado federal Gilson Daniel (Podemos) assumir uma secretaria no governo do Estado e, com isso, abrir a suplência na Câmara Federal, Brás estaria impedido de assumir, sob risco de perder o cargo de vereador, caso a suplência chegasse a ele.
O cálculo de Brás era que ainda que Ramalho assumisse a cadeira de deputado federal, o Podemos iria brigar pelo mandato, já que o coronel trocou o Podemos pelo PL. Brás, então, propôs a mudança na lei para assegurar que a vaga no Congresso ficasse com ele.
Agora, Júnior Corrêa tem a expectativa que a lei alterada abra uma brecha para que ele também possa assumir. “Já existe a lei e entendimentos jurídicos de que o vereador não precisa renunciar para assumir um mandato temporário como suplente. Imagino que para vice-prefeito seja o mesmo caso”, disse Júnior.
A lei, porém, só cita vereador.
Poderia ser feita uma nova alteração casuística na lei orgânica para incluir o vice-prefeito? É possível. Mas juristas ouvidos pela coluna não cravam que ela teria validade para dar garantias que o vice-prefeito poderá assumir o cargo de deputado federal, ainda que por seis meses, sem ser contestado.
Trata-se de uma operação arriscada, sem nenhuma garantia e com muita coisa em jogo. Júnior vai correr o risco de perder o cargo de vice-prefeito, sendo que é cotado para ser o sucessor do prefeito Theodorico? A conferir.
Em tempo: O segundo suplente do PL na Câmara Federal é o vereador de Vila Velha Devacir Rabello.
O que diz o PL?
O PL foi procurado para se manifestar a respeito da representação da Mesa Diretora da Câmara contra Gilvan e sobre o interesse do vice-prefeito de Cachoeiro em ocupar a cadeira, caso o afastamento ocorra.
O partido também foi questionado se o estatuto prevê sanção aos filiados que incorram na quebra de decoro parlamentar. O PL respondeu apenas sobre a representação da Mesa Diretora e com a seguinte nota, assinada pelo presidente estadual do PL, senador Magno Malta:
Isso não passa de uma tentativa de criminalizar um embate político. Gilvan apenas mencionou uma lista, algo corriqueiro no debate público, e, agora, tentam transformá-lo em bode expiatório. Enquanto isso, Glauber Braga está prestes a ser cassado, e precisam de alguém da direita para usar como moeda de troca. O Partido Liberal sabe muito bem disso. E é certo que Gilvan da Federal conta com o apoio firme do seu partido, tanto no âmbito estadual quanto nacional.
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