Obra da COP30 vai levar esgoto de área nobre em Belém para comunidade de palafitas

Entre os cerca de 5 bilhões em investimentos de infraestrutura destinados a Belém (PA) para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) está a construção de uma estação elevatória para tratamento de esgoto na Vila da Barca, uma das maiores comunidades sobre palafitas da América Latina.

A obra, no entanto, tem sido questionada pela comunidade por ser destinada ao tratamento de esgoto da região do Parque Linear da Nova Doca, especialmente planejado para receber cerca de 40 mil visitantes no período da Conferência em área nobre da capital paraense, o mesmo local que recebeu as chamadas “árvores artificiais”.

Além disso, a área da Vila da Barca onde está sendo construída a estação de esgoto, um prédio centenário abandonado, já foi reivindicado pela comunidade para uso social e coletivo, mas os pedidos não foram atendidos, como explica o morador e historiador Kelvin Gomes.

“O prédio que está sendo demolido agora para dar lugar à estação de bombeamento de esgoto poderia servir como escola, creche, que não existe na comunidade, [servir para] a ampliação da unidade de saúde ou o próprio programa de ampliação da saúde, que foi anunciado pelo atual prefeito nas campanhas eleitorais. Mas infelizmente preferiram dar lugar a uma estação de esgoto que não vai beneficiar a comunidade, até onde se sabe, e a comunidade continua padecendo de necessidades”, pontua Kelvin.

Em meio ao contraste entre os prédios de luxo, que chegam a custar cerca de 18 milhões, e a comunidade de palafitas, o historiador explica que apesar da precariedade no fornecimento de água do local ser um problema histórico, a situação ficou ainda pior a partir do início das obras.

“Essa tubulação já tem, pelos nossos cálculos, pelo menos 20, 30 anos. E está defasada, já não comporta mais o número de moradores que vivem na comunidade. O que alguns moradores têm observado, e aí a gente não tem estudo técnico para provar, é uma observação… é que a partir do início das obras da Doca a água começou a piorar de qualidade, ela ficou mais turva, mais barrenta, com vários resíduos, fora a falta”.

Após o início das obras, moradores temem acumular ainda mais prejuízos além da precariedade da água, como explica a aposentada Francisca Lobato.

“A água é suja, muito amarela. Eu já estou até com coceira no meu corpo. Se tomar banho com essa água, a gente não consegue nem dormir, está imunda. Não dá mais nem para cozinhar, tem que comprar água mineral para fazer comida, fazer café, fazer tudo. Não presta mais a água. Para lavar roupa então, nem se fala, está horrível. Até agora não vejo nada, só vejo prejuízo até na água, imagina depois, né?”.

A obra milionária contrasta com o abandono do poder público à comunidade, que carece de atenção a necessidades básicas. Foto: Mariana Castro/Brasil de Fato

Racismo ambiental

Desde o anúncio da capital do Pará como cidade sede da COP30, a população recebeu a notícia com expectativa de investimentos voltados ao combate à desigualdade, onde 55,5% dos domicílios estão em áreas de favela, segundo o Mapa da Desigualdade, no entanto, entre as principais obras estão a construção e revitalização de avenidas, construção de viadutos, parques e outras atrações turísticas em áreas nobres.

“Isso é um contrassenso porque a cidade de Belém vai receber, para a COP, algo em torno de 4 bilhões de investimentos e essas obras estão concentradas em locais já urbanizados, que já tinham uma estrutura prévia na cidade e que são supervalorizadas do ponto de vista financeiro”, explica Kelvin.

A comunidade da Vila da Barca aponta o caso como explícito racismo ambiental, que vai ainda além da escolha da periferia para tratar o esgoto de uma área nobre da cidade, como explica a educadora popular Suane Barreirinhas.

“O que a gente está denunciando como racismo ambiental é muito mais do que a estação elevatória, que vai trazer o esgoto da Doca, vai tratar na Vila da Barca e jogar para a bacia do Una. O estado insiste em dizer que esse esgoto não vai ficar na vila, mas se ele vai ser tratado, ele vai ficar um tempo ali. Desde 2024 a Vila da Barca já recebe a lama que vem da obra da Doca, então nossa denúncia de caso de racismo ambiental vai para além da estação elevatória”, explica Suane.

Fluxo de caminhões é intenso no local desde o início das obras, mas comunidade aponta falta de informações. Foto: Mariana Castro/Brasil de Fato

O decreto de desapropriação do prédio para dar lugar à obra foi assinado no dia 17 de dezembro de 2024 pelo governador Helder Barbalho (MDB), mas a comunidade não foi consultada ou mesmo comunicada, e alerta para a falta de planejamento e informações sobre os impactos.

“Eles [o Estado] nunca entregaram nenhum documento de licenciamento ambiental, impacto ambiental, nenhum estudo sobre o que é de fato o projeto. Só apresentam o que é uma estação elevatória. Por que eles não escolheram fazer essa estação em uma área da área da Doca ou do bairro Umarizal, que se tem ainda terrenos?”, questiona a educadora popular.

No início do mês de abril, um protesto dos moradores da Vila da Barca chamou atenção nacional por desafiar o diretor da Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) a tomar a água que sai das torneiras da região. A partir de então, o governo passou a informar que a comunidade também será beneficiada pelas obras.

“Eles nunca esperaram que a gente fosse entender o que é essa obra, eles nunca imaginaram que a gente fosse confrontá-los e estamos fazendo isso e denunciando esse caso de racismo ambiental na cidade da COP30, o maior evento climático do planeta”, destaca Suane.

O Brasil de Fato questionou a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) e o Governo do Estado do Pará sobre as obras, mas não obteve resposta até a conclusão desta reportagem. O espaço segue aberto e o texto será atualizado caso haja manifestação.

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