Greve nas universidades e institutos federais deixa alunos sob a incerteza de impactos na rotina e nos planos


No ensino médio, alunos temem atraso no diploma e defasagem de conteúdos cobrados no Enem. Já no ensino superior, interrupção de serviços de assistência estudantil pode prejudicar especialmente os mais pobres, afirmam entrevistados. Servidores da educação de mais de 40 universidades e institutos federais estão em greve
Milhares de alunos de 51 universidades e de 79 institutos federais já avaliam quais serão os impactos da greve de professores e técnicos deflagrada nestas instituições. Mesmo compreendendo as reivindicações dos funcionários (entenda mais abaixo), estudantes entrevistados pelo g1 relatam, em resumo, as seguintes preocupações:
perda de conteúdo pedagógico, especialmente entre quem cursa o ensino médio nos institutos federais e já carrega defasagens do período da pandemia;
“calendário corrido” depois do fim da greve, com reposição de aulas nas férias e excesso de matéria ensinada em um período curto após a normalização;
incerteza sobre a data da formatura, incluindo o risco de atrasar a inserção no mercado de trabalho formal;
demora maior em receber o diploma e possibilidade de ficar de fora dos processos seletivos para universidades no ano que vem, como Sisu e Prouni (caso de quem está cursando no ensino médio nos institutos federais);
ansiedade com gastos extras e problemas na alimentação, já que restaurantes/bandejões universitários, que oferecem pratos a menos de R$ 1, estão fechados em alguns locais;
prejuízo em projetos de pesquisa, porque há instituições que limitaram o funcionamento das bibliotecas ou interromperam as mentorias dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC);
atraso na concessão de novos auxílios estudantis, devido à paralisação do setor administrativo;
risco de evasão dos alunos mais vulneráveis, caso a greve se estenda por muitos meses.
Os níveis de adesão ao movimento grevistas são diferentes em cada instituição de ensino — nem sempre todos os setores das universidades e dos institutos estão paralisados. Em algumas universidades, parte dos professores não aderiu à greve; em outras, só os técnicos interromperam as atividades.
Na Universidade Federal Fluminense (UFF), por exemplo, todos os docentes estão trabalhando, mas o restaurante universitário ficou fechado por três semanas (agora, abre apenas no jantar, de 3ª a 5ª feira). Luísa Cattabriga, aluna da instituição, diz que não tem mais dinheiro para pagar pelas refeições.
“Sou aluna pobre e estava contando com os R$ 0,70 cobrados no restaurante da faculdade. Agora, estou tendo de gastar o que não tenho para poder me alimentar, sendo que fico o dia inteiro tendo aula, das 9h às 22h. Tem gente que nem está conseguindo comer. Sou a favor da greve, mas falta empatia com a situação dos estudantes”, afirma.
A presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Manuella Mirella, preocupa-se exatamente com os alunos mais vulneráveis.
“Quanto mais o governo demorar para apresentar uma proposta para atender demandas, maior vai ser o risco de evasão dos estudantes, porque fica difícil de se manterem. A gente defende uma reforma completa e entende as reivindicações, mas a universidade precisa voltar a funcionar.”
Mais abaixo, nesta reportagem, leia depoimentos de alunos afetados pela greve.
🔴O que querem os grevistas?
O movimento de paralisação começou em março, mas ganhou fôlego nesta semana, quando as tentativas de negociação com o governo federal para reajustar salários e aumentar o orçamento da educação não trouxeram os resultados esperados pelos grevistas.
“Se eu chegasse para vocês e dissesse que a greve não traz prejuízos, seria cinismo da minha parte. Mas estamos tentando ao máximo dialogar com o governo para resolver isso o mais rápido possível. E as reitorias devem congelar o calendário para cumprir depois o número obrigatório de dias letivos”, afirma David Lobão, coordenador geral da Sinasefe (sindicato nacional dos servidores federais da educação).
“Não é a greve que causa o maior prejuízo, e sim a falta de investimentos. Precisamos da recomposição orçamentária [na educação]. Antes, os filhos dos trabalhadores chegavam [aos institutos federais] e eram aprovados nas melhores universidades depois. Era um nível de excelência que se perdeu nos últimos anos”, diz Lobão.
Durante o governo Bolsonaro, as universidades e institutos federais enfrentaram sucessivos cortes e congelamentos orçamentários. Em novembro de 2022, por exemplo, essas instituições sofreram um bloqueio de R$ 366 milhões.
Segundo Lobão, os grevistas esperam que o governo Lula esteja mais aberto ao diálogo com os trabalhadores. “Não votamos nele para agora ficarmos parados em casa. Os avanços até agora foram tímidos; queremos disputar o que é ‘disputável’ no orçamento”, afirma.
➡️O Ministério da Educação (MEC) afirma que “está atento às demandas e segue em diálogo franco e respeitoso em busca de acordo”.
“Equipes da pasta trabalham com o governo para apresentar proposta de reestruturação da carreira de técnicos e construir alternativas de valorização dos quadros de servidores públicos das instituições, participando de todas as rodadas nas mesas de negociação”, diz o MEC. Uma reunião nesta sexta-feira (19) discutirá as possíveis soluções.
🔴’Posso perder uma vaga de emprego se o calendário acadêmico for alterado’, diz jovem
Alunos ouvidos pelo g1 se dividem entre reconhecer a necessidade de valorizar professores e funcionários e o desejo de concluir a graduação sem prejuízos.
Fernando Bisi, de 22 anos, por exemplo, estuda publicidade e propaganda na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e conta que não é contrário à greve, mas fica preocupado com “as incertezas”.
“Se for uma greve de uma semana, duas ou três, eu não vejo com um problema. O problema é se ela se estender por meses, eu teria que adiar minha formatura”, diz. “Eu me inscrevi num processo seletivo de uma vaga de empresa que precisa estar formado até o meio ano, mas posso perder se o calendário acadêmico for alterado.”
Yasmin Santos, de 18 anos, aluna do 4º ano do ensino médio no Instituto Federal da Paraíba (IFPB), também se preocupa com o atraso do cronograma.
“É um terror psicológico ficar em casa sem saber quando vamos voltar. Estamos perdendo conteúdos e, se as aulas forem repostas só no ano que vem, não vamos ter o diploma nem poder entrar na faculdade. Vai ter sido um ano inteiro estudando para o Enem jogado no lixo”, conta.
Professores do IFPI deflagram greve e UFPI ainda define data;
Eric Souza/g1
🔴’Depois, vai ser aquela pressa para passar os conteúdos’, teme estudante
Rayanderson Silva, de 18 anos, estuda design de moda na Universidade Federal do Ceará (UFCE) e diz que está com receio do ritmo que as aulas terão após a greve.
“Sei que os professores veem a greve como algo necessário para chamar a atenção do governo, mas, querendo ou não, isso causa malefícios no aprendizado dos alunos. Já que não estamos tendo conteúdos, nem aulas e nem nada, tudo vai ficar para depois da greve, e vai ser muito corrido, tudo em cima da hora”, conta.
Ele mora em Horizonte, a 55 km do campus de Fortaleza, onde estuda.
“Minha rotina era acordar às 3h30 manhã, pegar o ônibus às 5h e voltar pra casa às 21h. Meu maior receio é quando voltarem as aulas, porque vai juntar essa rotina cansativa com a pressa dos professores em aplicar conteúdos e passar seminários”, relata.
Anabelle de Amorim, estudante do curso de história da Universidade Federal de Brasília (UnB), também faz a mesma ponderação: ressalta que os incômodos são um efeito colateral de uma reivindicação justa dos profissionais, mas se incomoda com o impacto no acúmulo de atividades.
“A greve acaba bagunçando bastante a nossa vida. O calendário acadêmico tinha finalmente sido normalizado depois dos atrasos devidos à pandemia e a universidade estava voltando ao ritmo normal. Agora vamos voltar a ter um calendário mais corrido, o que atrapalha bastante nossos estudos e outras atividades, como a pesquisa e a extensão”, comenta Anabelle.
Antônio Guimarães, estudante de engenharia de produção da mesma universidade, diz que os diferentes níveis de adesão à greve também atrapalham a organização do cronograma.
“A greve vem me afetando principalmente do ponto de vista de rotina, porque alguns professores mantiveram as aulas e outros suspenderam. Quando forem repor as aulas terei de ir novamente apenas para algumas matérias, tendo um gasto maior com transporte”, conta.
🔴’Não consigo usar a biblioteca’, afirma estudante de instituto federal
Álvaro Dantas, de 18 anos, está no 4º ano do ensino médio do IFPB e precisa entregar o TCC. A biblioteca, no entanto, está funcionando apenas para a devolução de livros, e não para empréstimos, segundo ele.
“Não consigo acessar os arquivos e estou sem a mentoria do TCC. Ficamos de mãos atadas. Precisamos dos professores e de aulas de qualidade. Alguns ainda conseguem pagar um cursinho por fora para ter o conteúdo, mas e os mais pobres, que precisam exclusivamente do ensino público? Vão ficar prejudicados no Enem?”, questiona.
🔴Quando aconteceram as últimas greves nas federais?
Segundo o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), o histórico de greves em universidades e institutos federais nos últimos 20 anos foi o seguinte:
2005: 112 dias de paralisação pelo reajuste de salários (40 universidades aderiram);
2008: 112 dias de paralisação pela reivindicação de verba para o orçamento (39 universidades aderiram);
2012: 125 dias de paralisação pelo reajuste de salários e de planos de carreira (60 universidades aderiram);
2015: 139 dias de paralisação pelo reajuste de salários (39 universidades aderiram);
2016: 26 dias de paralisação para impedir a aprovação da emenda constitucional 95 (44 universidades aderiram).
🔴Entre os grevistas, há divergências nos percentuais de reajuste
Professores e servidores das instituições reivindicam:
reestruturação das carreiras;
recomposição salarial;
revogação de normas relacionadas à educação que foram aprovadas nos governos Temer (2016-2018) e Bolsonaro (2019-2022), como o novo ensino médio;
reforço no orçamento das instituições de ensino e reajuste imediato de auxílios estudantis.
Os percentuais de reajuste estão em debate.
Na UNB, os professores pedem recomposição salarial com reajuste de 22,71%, divididos em três parcelas:
2024: 7,06%
2025: 7,06%
2026: 7,06%
O governo federal, por meio do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), propôs um reajuste de 9% dividido em duas parcelas:
2024: sem reajuste
2025: 4,5%
2026: 4,5%
O governo também apresentou uma proposta de reajuste dos auxílios alimentação, saúde e creche que não contempla aposentados e pensionistas. O texto que o governo colocou na mesa reajusta já a partir de maio deste ano:
o auxílio alimentação de R$ 658 para R$ 1 mil (alta de 51,9%)
a assistência à saúde complementar per capita média (auxílio saúde) de R$ 144 para R$ 215
a assistência pré-escolar (auxílio creche) de R$ 321 para R$ 484,90
Ministério da Gestão anunciará proposta
Em nota, o Ministério da Gestão informou que apresentará, na sexta-feira (19), uma “proposta convergente” com o relatório do grupo de trabalho formado por representantes dos Ministérios da Educação e da Gestão, das universidades e instituições de ensino, além de entidades sindicais representantes dos servidores do Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação (PCCTAE).
“A reestruturação de carreiras na área de Educação é um compromisso prioritário do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. (…) O Ministério da Gestão segue aberto ao diálogo com os servidores da área de educação e de todas as outras áreas”, informou o ministério.
Educação em greve: 48 universidades e 71 institutos federais aderiram à paralisação
Adicionar aos favoritos o Link permanente.