Oito em cada 10 brasileiros que atrasaram contas em março são reincidentes; veja dicas para evitar


Reincidentes são aqueles que atrasaram contas nos últimos 12 meses. Tempo médio entre o vencimento de uma dívida para outra é de 75 dias — ou seja, a cada 2,5 meses o consumidor volta a atrasar o pagamento de uma nova conta. Carteira sem dinheiro; falta grana, inadimplência, dívida
Igor Jácome/G1
Dados do Indicador de Reincidência da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), indicam que oito em cada 10 brasileiros retornam para o cadastro de negativação menos de um ano após o pagamento de uma conta negociada.
Segundo o indicador, 83,3% das negativações feitas em março foram de devedores reincidentes, ou seja, que já tinham aparecido no cadastro de inadimplentes nos últimos 12 meses. (veja abaixo dicas para evitar o “nome sujo”)
O resultado reflete o patamar elevado da inflação e dos juros brasileiros, que continuam a prejudicar o orçamento familiar, mesmo diante do cenário de baixo desemprego e após os vários programas de renegociação de crédito nos últimos meses.
Dados do IBGE, por exemplo, apontam que mesmo com a alta de 0,7 ponto percentual na taxa de desemprego no trimestre terminado em fevereiro, para 6,8%, o rendimento dos trabalhadores chegou ao recorde da série, em R$ 3.378.
O número de trabalhadores com carteira assinada também foi o maior da série histórica, com 39,6 milhões de pessoas.
“Mesmo com o quadro positivo para o emprego, a inflação, principalmente de alimentos e produtos essenciais, compromete a capacidade do brasileiro de honrar seus compromissos financeiros. Além disso, juros elevados também significam dinheiro mais caro, o que dificulta ainda mais esse cenário”, afirma ao g1 o economista e analista sênios de Analytics do SPC Brasil, João Paulo Travassos.
Além disso, a reincidência acontece, em média, menos de três meses após o primeiro atraso. Segundo o indicador, o tempo médio entre o vencimento de uma dívida para outra é de 75 dias — o que significa que 2,5 meses depois de ficar inadimplente, o consumidor volta a atrasar o pagamento de uma segunda conta.
“Isso mostra fragilidade no orçamento das famílias e sugere que a renegociação foi feita sem planejamento e sem sustentabilidade no médio prazo”, avalia o presidente da CNDL, José César da Costa.
O levantamento do CNDL e do SPC Brasil também trouxe dados de recuperação de crédito. Segundo esse indicador, houve uma queda de 8,8% no número de consumidores que conseguiram sair das listas de negativados nos 12 meses encerrados em março.
Do total de consumidores que conseguiram quitar suas dívidas, a participação mais expressiva vem daqueles na faixa entre 50 a 64 anos (23,5%).
Em março, a média do valor da dívida quitada pelos brasileiros que estavam inadimplentes era de R$ 2.073,94. A maioria dos consumidores, no entanto, tinham dívidas de até R$ 500 (59,5%).
Millenials são a maioria dos reincidentes
O indicador aponta, ainda, que os Millenials — aqueles nascidos entre 1981 e 1995 — foram os que tiveram a participação mais expressiva no nível de reincidentes em março.
O dado aponta que, do total de brasileiros que retornaram ao cadastro de negativação, 25,9% estavam na faixa de 30 a 39 anos. Em seguida, vieram os consumidores na faixa de 40 a 49 anos (23,8%) e aqueles entre 50 a 64 anos (20,1%).
Já a geração Z — os nascidos entre 1995 e 2010 — representava aproximadamente 20% do total, sendo 11,7% de consumidores entre 25 a 29 anos e cerca de 8% de brasileiros entre 18 a 24 anos.
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O que esperar à frente?
Diante da perspectiva de novas altas de juros à frente e de um cenário internacional desafiador, a leitura dos especialistas é que o consumidor brasileiro ainda precisa ter cuidado com o orçamento familiar.
“O cenário deve ser desafiador pelo menos até o ano que vem. As projeções indicam juros ainda elevados e inflação fora da meta. Devemos observar também um cenário de reincidência elevada nesse mesmo período”, comenta Travassos.
Além disso, segundo o presidente do SPC Brasil, Roque Pellizzaro Junior, o cenário internacional ainda pode ter um impacto significativo no Brasil à frente, ainda mais diante da possibilidade de uma nova alta inflacionária nos Estados Unidos — muito em reflexo do tarifaço anunciado pelo presidente do país, Donald Trump — manter os juros elevados por mais tempo por lá.
Esse cenário, diz Pellizzaro Junior, acaba pressionando o dólar e alimentando a inflação importada no Brasil. “Isso contribui para manter a taxa Selic [taxa básica de juros brasileira] elevada por mais tempo, dificultando ainda mais o crédito e o consumo”, explica.
O que leva o devedor a voltar para o cadastro de negativação?
De acordo com as especialistas consultadas pelo g1, o principal fator que influencia a reincidência desses consumidores nos cadastros de negativação é a falta de organização e de planejamento financeiro.
“No geral, esses consumidores já têm um custo de vida maior do que o valor que recebem. Além disso, muitos acabam tentando sair do endividamento contraindo novas dívidas ou vendendo algo que já possuem. Mas o dinheiro acaba e o problema volta, porque é algo estrutural, de base”, afirma a educadora financeira Aline Soaper.
Entre os devedores reincidentes:
60,1% ainda não tinham pagado dívidas antigas até março;
23,2% tinham saído do cadastro de devedores nos últimos 12 meses, mas retornaram; e
16,7% não tiveram restrições no CPF ao longo dos últimos 12 meses e, por isso, não foram considerados reincidentes.
Segundo Borges, da CNDL, a leitura da confederação é que muitos consumidores não conseguem cumprir os acordos que fazem quando renegociam alguma dívida, não por má-fé, mas por falta de organização.
“Muitas vezes, quando perguntamos se tem intenção de resolver esse cenário nos próximos meses, o devedor diz que sim. Mas quando perguntando se isso vai comprometer as despesas básicas dele, essa resposta também é positiva. E é isso o que dificulta”, diz.
Como evitar voltar para o cadastro de inadimplentes?
Uma série de atitudes pode ajudar o consumidor a acertar sua vida financeira e não voltar para o cadastro de negativação. Veja abaixo.
📝 O primeiro passo está na organização do orçamento familiar.
“O primeiro passo é olhar para o custo de vida que essa pessoa tem. E custo de vida não é só aluguel, transporte e alimentação, é tudo o que envolve dinheiro. Vai desde os gastos de lazer e internet até o que ela gasta comendo na rua”, afirma Soaper.
A educadora financeira diz que outro ponto importante durante a organização do orçamento é saber que o salário mensal não é exatamente o valor cheio acordado na hora da contratação.
“Para quem é celetista, o valor que cai na conta é menor do que o valor cheio do salário porque já vem com os descontos de imposto de renda, eventualmente de um seguro de saúde ou de vale-transporte e alimentação”, explica.
💳 Já o segundo passo é conseguir sair das restrições de crédito com renegociações que sejam possíveis de honrar.
Um dos pontos fundamentais é que os novos acordos não comprometam as despesas básicas — ou seja, aqueles gastos fixos mensais necessários para sobrevivência, como aluguel, água, luz e mercado, por exemplo.
Para essa negociação dar certo, a ideia é que a família separe os gastos fixos da receita mensal e consiga uma parcela ainda menor do que o montante que sobrar.
➡️ Veja o exemplo abaixo:
Se a família tem uma renda mensal total de R$ 5 mil e gastos fixos e com despesas básicas de R$ 2,5 mil, o ideal é que a parcela de renegociação da dívida seja menor do que os R$ 2,5 mil restantes.
Dessa forma, a família conseguirá pagar a dívida sem comprometer toda a renda mensal — podendo, inclusive, ter dinheiro para manter as atividades de lazer ou para uma reserva de emergência.
Segundo Borges, da CNDL, outro fator que pode ajudar é juntar um valor mais significativo antes de propor uma renegociação da dívida.
“Além de separar o valor das despesas básicas, o consumidor também pode tentar cortar e reorganizar seus gastos. Se ele conseguir fazer sobrar algum valor ali, e juntar por um tempo, ele também pode conseguir dar uma proposta inicial. Isso pode diminuir a parcela da dívida ou até trazer condições melhores”, afirma.
As especialistas ainda reforçam que, caso o consumidor consiga implementar uma renda extra na família, é ainda melhor.
“Criar uma nova fonte de renda pode ajudar muito nessas horas. E não precisa nem ir muito longe, essa renda extra pode vir de horas extras trabalhadas na empresa ou na venda de alguma habilidade, seja em forma de produto ou serviço”, diz Soaper.
Veja algumas dicas abaixo.
Organize o orçamento. Separe um tempo com a família para entender quanto cada um contribui. Lembre-se sempre de considerar os valores líquidos, ou seja, o que realmente entra na conta, quais são os gastos fixos e as despesas básicas da família;
Opte por fazer uma renegociação com parcelas menores e que sejam mais fáceis de adequar ao orçamento familiar;
Se possível, crie uma nova fonte de renda para ajudar a quitar seus compromissos;
Use o menor volume de recursos de crédito possível. Se perceber que há uma tendência a extrapolar nos gastos com o cartão de crédito, por exemplo, evite usá-lo;
Evite linhas de crédito emergenciais, como o cheque especial e o rotativo do cartão, que são as mais caras do mercado;
Não comprometa as despesas básicas na hora de fazer a renegociação das dívidas. Isso pode evitar a reincidência no cadastro de negativação;
Faça perguntas ao seu credor quando necessário. Não tenha vergonha de tirar dúvidas com o banco sobre sua dívida ou sobre quais são suas opções e alternativas de pagamento.
Faça pesquisas em órgãos públicos e entidades de ajuda ao consumidor, como o próprio Procon, por exemplo. Muitas vezes eles têm iniciativas que ajudam quem está inadimplente;
Evite contrair novas dívidas para pagar débitos antigos;
Pense duas vezes antes de vender seus bens. “Isso é uma armadilha, porque uma hora a pessoa não tem mais o que vender e a dívida vai voltar”, diz Soaper;
Tenha consciência do valor líquido exato da sua receita mensal. Isso pode ajudar a evitar confusões sobre quanto você realmente tem para gastar.
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