Do erro médico ao voo cancelado: quanto vale a dor de quem sofre dano moral?

Foto: Freepik

Situações da vida cotidiana, como a cobrança de uma dívida nunca contraída, o cancelamento de voo na véspera do embarque, negativas bancárias indevidas, a não entrega de um álbum de formatura, a ausência de cobertura de plano de saúde ou a morte provocada por erro médico, podem gerar intensas dores, angústias e consternações.

Embora muitas dessas situações sejam corriqueiras, elas têm o potencial de ensejar reparação por danos morais, dado o impacto sobre os direitos personalíssimos da vítima.

Leia também: Fraudes bancárias e os direitos do consumidor

O dano moral, na acepção essencial do termo, consiste na violação (no dano!), fruto de conduta praticada por terceiro, ao patrimônio imaterial da pessoa: à sua honra, à sua imagem, à sua dignidade, à sua reputação, à sua intimidade, à sua integridade física e psíquica, isto é, aos assim chamados direitos personalíssimos.

Diversamente do dano patrimonial (bens corpóreos), ele exprime o prejuízo aos direitos da personalidade da vítima, que irá, em seu íntimo, experimentar sofrimento, frustração ou desencanto.

Com efeito, o dano moral é uma figura jurídica de tenra idade, que só encontrou previsão e proteção autônomas na Constituição Federal de 1988, sendo posteriormente chancelado pelo Código de Defesa do Consumidor, de 1990, e pelo Código Civil de 2002.

Quantificação do dano moral é uma polêmica

Apesar de sua previsão legislativa ter ocorrido há mais de 30 anos, a quantificação do dano moral continua sendo uma questão polêmica e de grande relevância no âmbito jurídico.

A principal dificuldade reside no fato de que sua fixação depende, muitas vezes, da sensibilidade do magistrado diante das particularidades do caso concreto.

O exemplo do não fornecimento de um álbum de formatura, por hipótese, pode ser mais ou menos grave para um juiz, dependendo de sua vivência pessoal com eventos semelhantes.

Um juiz que tenha filhos pode sentir o impacto dessa ausência de forma mais profunda do que um juiz que não tem filhos ou não passou pela experiência de uma formatura.

Assim é que, em situações como essa, a Justiça capixaba já arbitrou a indenização pelo dano moral em R$ 25 mil, R$ 5 mil e, até mesmo; ao passo que a Justiça carioca já impôs indenização entre R$ 3 mil e R$ 6 mil; e Justiça paulista já impôs R$ 10 mil, R$ 8 mil e R$ 5,5 mil.

Em que essa dificuldade, há que se reconhecer que nosso ordenamento jurídico tem como premissa a necessidade de conferir às partes um tratamento isonômico, para que, casos idênticos recebam idêntica solução jurídica, e casos diferentes sejam decididos diferentemente, de acordo e na intensidade das particularidades que apresentam.

Indenização deve ser medida segundo extensão do dano

Com efeito, o Código Civil diz que a indenização deve ser medida segundo a extensão do dano (um critério objetivo) e levando em conta o grau de culpa do agente (um critério subjetivo).

Nada minudentemente vinculativo, mas um sinal claro de que o sistema jurídico não admite indenizações desconectadas da realidade do evento danoso, quer para menos, quer para mais – nesta última hipótese, proibindo o enriquecimento injustificado da própria vítima.

A par desse dispositivo, é possível identificar na jurisprudência os seguintes critérios para a fixação da indenização pelo dano moral: (i) o poderio financeiro do agente e a condição socioeconômica da vítima e (ii) os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade.

Propósitos da indenização por dano moral

Outro ponto relevante a ser destacado é o propósito da indenização por dano moral. Ela deve cumprir, fundamentalmente, três funções: (i) a função reparatória ou indenizatória, que busca aliviar a dor da vítima, (ii) a função punitiva, que visa retaliar o agente pela prática do ato ilícito, e (iii) a função pedagógica, que pretende prevenir a reincidência do ato danoso.

Para que essas funções sejam efetivamente cumpridas, a quantificação do dano deve ser realizada com cautela, levando em conta as especificidades de cada caso.

Embora a quantificação do dano moral seja naturalmente variável e dependente das particularidades do caso, é importante que as decisões judiciais tragam justificativas claras sobre a escalada ou desidratação dos valores de indenização.

Juiz deve explicar motivação da decisão

O juiz deve explicar a motivação de sua decisão, de forma que fique claro porque o valor fixado é adequado ao caso concreto.

Além disso, é necessário buscar um equilíbrio, uma base comum sobre a qual as peculiaridades de cada situação possam incidir de maneira justa e proporcional, em conformidade com os princípios constitucionais, especialmente o da isonomia. Exemplos práticos ilustram bem a complexidade da quantificação do dano moral.

O rompimento da barragem de Mariana, que resultou no desabastecimento de água para milhares de capixabas por cerca de sete dias, gerou a fixação de indenização no valor de R$ 1.000,00 por pessoa.

Contudo, a questão que se coloca é: esse valor realmente compensa a gravidade do evento danoso? Será que o montante único para todas as vítimas foi adequado, sem considerar as particularidades de cada uma delas?

Valores para acidentes de trânsito com morte

Outro exemplo recorrente são os acidentes de trânsito com morte, em que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem variado os valores da indenização de R$ 200 mil a R$ 450 mil, dependendo da família e do caso.

Além disso, a variação entre R$ 100 mil e R$ 500 mil em algumas decisões reforça a percepção de aleatoriedade na quantificação do dano moral.

Um ponto relevante é a fixação de valores baseados no salário mínimo, o que levanta discussões sobre a adequação desse critério em casos de grande gravidade.

Tudo isso, sem levar em conta que, tratando-se de responsabilidade civil por morte de detento em estabelecimento prisional, o Superior Tribunal de Justiça entende como razoável a fixação da indenização em R$ 50 mil.

Extravio de bagagens e corte indevido de energia

Em situações menos complexas, como o extravio de bagagem ou o atraso de voo, os valores das indenizações variam de R$ 3 mil a R$ 15 mil, e de R$ 2 mil a R$ 10 mil, respectivamente.

Já em casos de corte indevido no fornecimento de energia elétrica ou água, as reparações oscilam entre R$ 800,00 e R$ 5 mil.

É importante admitir que essa variação, dentro de balizas sadias e racionais, é mesmo natural de acontecer, porque as particularidades do caso devem imprimir, no espírito do julgador, o justo arbítrio que justificará a oscilação.

Quantificação ainda é um desafio jurídico

Em suma, a quantificação do dano moral continua a ser um desafio jurídico, que exige sensibilidade e cuidado na aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

A constante evolução da jurisprudência e o aprimoramento dos critérios utilizados para essa quantificação são passos importantes para garantir um tratamento mais justo e equitativo.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.