Jovem trans é adotada por padrasto no dia em que registrou nome social, em João Pessoa


No Dia da Visibilidade Trans, o g1 conta duas histórias de acolhimento familiar, situações excepcionais no país que tem um dos maiores índices de homicídios de pessoas trans. Hannah Antonella e seus pais
Reprodução/TV Cabo Branco
Uma jovem trans, educadora social, foi adotada pelo próprio padrasto no dia em que registrou em cartório seu nome social. Um estudante, que ao se assumir trans para a família, foi surpreendido pelos pais, que já sabiam de sua identidade de gênero desde os 12 anos. No Dia da Visibilidade Trans, 29 de janeiro, o g1 conta duas histórias de acolhimento familiar, situações excepcionais no Brasil, um dos países que mais mata pessoas trans no mundo.
Hannah Antonella Jordão tem 25 anos e leva a rotina entre estudos e trabalho, como educadora social. Mas no meio da correria, encontra tempo para a família, lugar onde ela se fortalece para encarar o mundo como uma mulher trans, algo que ela sabia que era desde pequena.
DIA DA VISIBILIDADE TRANS: histórias de pais que acolheram os filhos com amor e respeito
“Minha infância foi bem comum, na época, como menino. Só que, obviamente, eu percebia que não me encaixava no enquadramento que se falava de meninos, de que eu ‘tinha que ser assim, ter formas e jeitos tais’, pelo contrário. O feminino me agradava mais, muito. Em questão de roupas, de brinquedos, de tudo”, relata.
A revelação para a família veio aos 20 anos, quando ela voltou de uma festa e contou para a mãe, que estava em casa.
Hannah Antonella Jordão tem 25 anos e leva a rotina entre estudos e trabalho, como educadora social.
Reprodução/TV Cabo Branco
“Eu tive uma crise de ansiedade gigantesca durante essa festa e fui correndo, literalmente, para casa. Cheguei aqui, ela estava sentada, e eu desabei de chorar. Eu não me preparei para contar, não fiz nenhum texto escrito, nem tinha nada na cabeça preparado. Só cheguei chorando e, com todo o meu coração, contei que não aguentava mais fingir ser uma pessoa que eu não era”, disse.
Jaqueline Jordão, mãe de Hannah, também é educadora. Ela conta que tem orgulho de ser mãe de uma mulher trans, e que a relação entre as duas ficou mais forte.
“Ela me ensinou o que é ser uma pessoa trans, e isso é fundamental, porque eu, enquanto educadora, tenho que estar aberta a aprender com os outros, e principalmente com minha filha. Eu estou pronta para defendê-la a todo momento”, contou.
Mas não foi só uma nova relação com a mãe que Hannah ganhou quando assumiu ser uma mulher trans.
Reprodução/TV Cabo Branco
Ela foi criada e era registrada somente pela mãe, até os 18 anos, quando Jaqueline conheceu John Jordão. Quando Hannah decidiu mudar o nome na certidão de nascimento, John fez questão que ela passasse a ter o sobrenome dele, oficializando assim o papel de pai que ele já assumia no coração.
“Quando Johnny chegou na minha vida, foi algo que trouxe uma luz, que eu sentia falta, algo que eu não presenciei. Ele ter me conhecido antes da transição e ter ficado durante a transição, e estar comigo até hoje, ele não é nem o pai que eu pedi, ele é o pai que eu nem sei se merecia”, relatou Hannah.
Para John, os laços familiares são as coisas mais importantes da vida, algo que precisa ser apreciado por todo mundo. “Todos os dias aprendemos algo. Na nossa própria vida, no cotidiano, estar sempre juntos em todos os momentos, os difíceis, os de lazer, tudo isso é muito importante. Muitas pessoas pensam que não vale a pena, mas vale sim. Estenda a sua mão, estenda o coração, abra a sua mente”, diz.
Em um país onde a transfobia é alta e em que muitos pais e mães expulsam os filhos de casa após, ou durante, a transição, a história de Hannah é um exemplo do amor incondicional da família.
“Se eu sou a mulher forte que sou hoje em dia, se estou viva, trabalhando e conquistando a minha independência, é por causa da minha família. Se não fosse eles, pode ter certeza que não estaria aqui onde estou”, completa.
Dois filhos em uma só pessoa
Ainda em João Pessoa, outra pessoa trans também viveu momentos de alívio ao assumir a transição e encontrar, na família, acolhimento e amor. Pietro Nikolau é estudante e um homem trans. Hoje ele já compreende bem sua transição, mas nem sempre foi assim.
“Na infância eu me percebia diferente. Me foi atribuído o sexo feminino ao nascimento, mas eu nunca me identifiquei com coisas femininas, e eu sempre brincava com os meninos. Na adolescência, veio os hormônios, a puberdade, aquela coisa toda, e o mundo era meio estranho pra mim, porque as pessoas estavam vivendo, e eu sentia que não estava acompanhando o mesmo ritmo. Então veio o crescimento das mamas, a menstruação, e tudo aquilo era estranho para mim”, relata.
Pedro Nikolau ao assumir a transição, encontrou na família, acolhimento e amor
Reprodução/TV Cabo Branco
Enquanto o filho vivia a própria descoberta, o pai dele, o ferroviário Carlos Eduardo, já compreendia a situação, e esperava pacientemente o momento da conversa séria que um dia chegaria.
“A gente percebeu cedo a questão de gênero do Pietro porque, por exemplo, ao entrar em lojas de roupas, ele nunca procurava o lado feminino, sempre o lado masculino. Nas brincadeiras, também, sempre voltadas para o masculino. Aos 18 anos, eu tive uma conversa muito espontânea com ele. Ele mesmo se abriu e fez a revelação. Talvez ele pensou que eu ia ter outra reação, mas a minha reação foi de: eu estava esperando isso há muito tempo. Dentro de casa, ele teria o acolhimento da família, do pai e da mãe dele”, contou Carlos Eduardo.
Carlos Eduardo esperou pacientemente o momento da conversa séria com Pedro Nikolau
Reprodução/TV Cabo Branco
Em 2019, Pietro assumiu sua nova identidade. “Eu digo que este ano foi um marco para mim. A partir de 2019 eu me vi como eu mesmo. Eu entendi quem eu era. E eu me sinto muito privilegiado de ter pais e uma família que me respeitam, acima de tudo. Que entendam as minhas dores, os meus medos”, disse.
Para Carlos, é importante que as famílias conversem com seus filhos e filhas, que fiquem atentos às pessoas que estão criando, para entendê-las e acolhê-las em quaisquer situações.
“A vida é tão dinâmica, ela passa tão rápido que às vezes a gente não percebe a vivência do nosso filho dentro de casa, o que ele precisa, quais suas necessidades. O conselho que eu dou aos pais é que prestem atenção aos seus filhos, tentem absorver as dores deles, entendê-los, para que esse fortalecimento sempre cresça, e que caso haja uma questão de gênero, ou qualquer outra, você possa estar por perto e ajudar da melhor forma possível. Eu sempre falo que tive muita sorte com meu filho. Que tive uma filha até os 18 anos e um filho após os 18. Eu tive dois filhos em um só, então ele é um ser humano maravilhoso”, completou.
Carlos Eduardo e seu filho, Pedro Nikolau
Reprodução/TV Cabo Branco.
Vídeos mais assistidos da Paraíba
Adicionar aos favoritos o Link permanente.