‘Sim, eu sou trans e sou qualificada para exercer qualquer função’, diz mulher que venceu preconceito para entrar no mercado de trabalho


Julia de Almeida Faria precisou batalhar muito para conseguir o primeiro emprego em um shopping na Grande São Paulo. Já Rafa Mores, que se identifica como trans não-binárie, decidiu usar todo o seu conhecimento para inserir pessoas trans nas empresas. Foco e determinação foram fundamentais para Julia conseguir um emprego
A entrada no mercado de trabalho ou a recolocação após uma demissão são situações estressantes para qualquer profissional.
Um levantamento divulgado em 2023, pela Agência AlmapBBDO e o Instituto On The Go mostra como esse cenário é ainda mais difícil para pessoas transgênero. Um tema para refletir nessa segunda-feira (29), quando é celebrado o Dia da Visibilidade Trans.
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O levantamento apontou que cerca de 80% das pessoas transexuais já se sentiram discriminadas em alguma etapa de seleção para um emprego formal.
Julia enfrentou preconceito em busca pelo primeiro emprego
Julia de Almeira Faria/Acervo Pessoal
A vendedora Julia de Almeida Faria de 29 anos conhece de perto essa estatística. Ela precisou batalhar muito para conseguir o primeiro emprego em um shopping de Mogi das Cruzes.
Foi ainda na adolescência que ela se identificou como uma mulher trans. A partir daí ela fez o acompanhamento oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para a transição de gênero.
Há nove anos ela trabalha em um shopping da cidade. Mas teve muita determinação para conseguir a primeira oportunidade de emprego.
“Passei um ano sem conseguir trabalho. E corri atrás para entrar no shopping. Uma vez fui entregar currículo em uma loja que tinha uma placa de precisamos trabalhar. A pessoa olhou para mim dos pés a cabeça e disse que a vaga estava fechada, mas a placa de contratação estava lá.”
Julia afirma que sempre acreditou que pessoas trans têm visibilidade mesmo ouvindo que pessoas trans, travestis tinham que se prostituir. “Queria mostrar que eu era o outro lado da moeda.” E ela conseguiu. O primeiro emprego foi de vendedora e depois de quatro anos ela saiu como gerente.
“Atualmente percebo que as pessoas estão começando a ter outra visão. Quando entrei em 2017, só tinha eu como trans no shopping. Hoje vejo que tem mais oportunidades para as pessoas trans. Infelizmente tem clientes preconceituosos, olhares no atendimento, deixam de comprar pelo preconceito. Mas na maioria das vezes senti carinho das pessoas e recebi vários elogios.”
No canal que tem no You Tube, Julia conta em um dos vídeos como é ser uma pessoa trans no trabalho.
“Sim, eu sou trans e sou qualificada para exercer qualquer função.”
Consciente do que deseja para seu futuro profissional, Julia já tem metas traçadas para a carreira. “Esse ano começo a fazer um processo gerencial. Quero crescer onde estou. Tenho o sonho de ser supervisora e cuidar de loja. E vontade de fazer inglês e ter mais oportunidade no mercado de trabalho com gerenciamento de loja.”
Julia superou o preconceito no trabalho
Para Julia embora atualmente existam mais oportunidades para pessoas trans no mercado de trabalho, o preconceito ainda está presente. “Infelizmente a sociedade tem essa questão pela aparência. Se a pessoa é bonita tem mais oportunidade, se vê que é feia não dão. E isso acontece conosco pessoas trans. Tem aparência agradável, mas quem não tem e está no começo da transição tem dificuldade.”
Oportunidade para a Diversidade
Para tentar reverter a discriminação contra pessoas trans no mercado de trabalho Rafa Mores, que se identifica como trans não-binárie, decidiu usar todo o seu conhecimento para inserir pessoas trans nas empresas.
E vai além, Rafa também capacita equipes de recrutamento e liderança. “Não basta preparar pessoas trans para entrar [no mercado de trabalho] é necessário que equipe de recrutamento e liderança estejam capacitados para promover esse trabalho”, observa.
Rafa Mores trabalha para a inserção de pessoas trans no mercado de trabalho
Rafa Mores/Acervo Pessoal
Rafa completa que pessoas não-bináries são as pessoas com maior lugar de vulnerabilidade social, emocional e econômica.
Para Rafa a invisibilização é comum e é estrutural na sociedade. “Quando vai comprar algo, entrevista de emprego nada foi criado para você. Comum não-binárie se sentirem sozinhes. Não tem tantas pessoas parecidas com nós. É sobre pluralidade, despadronização. Pessoa não-binárie não se enquadra na identidade de gênero do que é ser homem ou mulher. Eu estou para além porque entendo que identidade de gênero tem papel social importante.”
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Rafa afirma que é fundamental que as empresas tenham metas e compromissos públicos. “Empresas precisam se comprometer com travestis, não-bináries. Todas as pessoas precisam ser educada para trazer a experiência de inclusão não só na hora de abrir a vaga, mas na jornada dela dentro da empresa. Pessoas não-bináries são potentes e estamos transformando o mercado de trabalho.”
Mortes de Pessoas Trans
A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) divulgou no ano passado o dossiê de assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2022.
Segundo o documento, no ano de 2022, houve pelo menos 131 assassinatos de pessoas trans, sendo 130 travestis e mulheres transexuais e um homem trans/pessoa transmasculina. Não foram encontradas informações de assassinatos de pessoas publicamente reconhecidas como sendo não-binárias em nossas pesquisas desse ano.
Entre os anos de 2017 e 2022, período em que a ANTRA faz essa pesquisa, houve um total de 912 assassinatos de pessoas trans e não-binárias brasileiras. Desse total, foram 131 casos em 2022; 140 casos em 2021; 175 casos em 2020; 124 casos em 2019; 163 casos em 2018 e 179 casos em 2017 (o ano com o maior número de assassinatos de pessoas trans na série histórica).
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