Moradores transformam espaços coletivos por meio da jardinagem: ‘A natureza retribui o que fazemos por ela’


Em Sorocaba (SP), o funcionário de uma universidade teve a iniciativa de plantar árvores frutíferas há 26 anos e transformou a paisagem do local. Em Itu (SP), uma moradora planta flores e árvores para recuperar área abandonada. Moradores se dedicam à jardinagem e transformam espaços públicos em Sorocaba e Itu (SP)
Arquivo pessoal
Dedicar tempo, conhecimento, disposição e, às vezes, até dinheiro para algo que não é seu pode parecer uma atitude impensável para muita gente. Mas, por outro lado, há quem se realize cuidando e melhorando a paisagem de espaços coletivos.
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Dos 71 anos de vida de Otávio Mira Dias, pelo menos 26 foram dedicados a um trabalho não remunerado financeiramente, mas que enriquece a sua saúde mental e o enche de orgulho.
Em maio de 1998, Otávio começou a trabalhar em uma universidade de Sorocaba como prestador de serviços. Acompanhou de perto a construção do lugar e, em poucos meses, enxergava o local de trabalho como sua segunda casa.
“Na época, ainda estavam fazendo o serviço de terraplanagem no terreno. Plantaram grama, algumas árvores. E eu comecei a cuidar, molhar as mudas, acompanhar o crescimento. Sempre gostei de tirar mudas e levei algumas espécies frutíferas para plantar. Era uma área vasta, com muito potencial”, relembra.
Pé de abacate manteiga, plantado por Otávio em universidade de Sorocaba
Arquivo pessoal
Os cantos da universidade ganharam um colorido diferente. Espaços abertos receberam a sombra das copas. E, claro, os frutos vieram e alimentaram várias gerações de funcionários e estudantes do local.
“Em 1999, plantei manga, abacate, jatobá, lichia, seriguela. Todas deram frutos, e algumas existem até hoje. Os pés de manga estão carregados e, essa semana mesmo, eu deixei uma travessa cheia de mangas na copa. ‘Apanhei’ manga para muita gente que já passou por aqui”, conta com orgulho.
Os animais também se beneficiaram com as árvores frutíferas, o que é outro motivo de orgulho para o idoso.
“Os passarinhos pousam para se alimentar. Adoro ver. Os quatis que vivem na região também sempre aparecem para comer. Não são só para nós, são para os animais também.”
Otávio planta árvores frutíferas na universidade onde trabalha há 26 anos
Arquivo pessoal
‘É gratificante’
Atualmente, o homem trabalha no setor de apoio da universidade, das 7h às 16h. Mesmo já aposentado, ele diz que gosta da rotina e prefere continuar trabalhando. De vez em quando, embora não com a mesma frequência de antes, as mãos dele ainda aparecem sujas de terra. Sinal de que algo vai mudar na paisagem do local.
“Um tempo atrás, a gente teve a ideia de plantar algumas árvores em vasos, em espaços que não dava para plantar no solo. A diretoria aprovou. Precisa ver que bonito que ficou. Deu outra ‘cara’ para os ambientes.”
Otávio já perdeu as contas de quantas árvores foram plantadas por ele na universidade. Sabe que cultivou cinco pés de abacate atrás do Bloco D, dois outros no estacionamento dos professores e um de atemoia próximo à sala onde trabalha. Mas há muitos outros espalhados pelo campus.
“É gratificante ver o que esse espaço se tornou. Vi tudo isso crescer. E sei que contribui para que o lugar ficasse mais bonito, fresco, arborizado, com vida. A natureza sempre retribui o que fazemos por ela.”
Morador de Sorocaba mudou paisagem de universidade com plantio de mudas de árvores frutíferas e floridas
Arquivo pessoal
Reciclagem e jardinagem
Em Itu (SP), um espaço no Jardim São Luis, que era para ser uma área de lazer, com um jardim bonito e convidativo, na verdade passou a ser usado para descarte irregular de lixo. Materiais de construção, móveis velhos, lixo doméstico e até medicamentos eram jogados no local e impediam qualquer possibilidade de lazer.
Mas tudo mudou quando Zélia Brito Bragato, de 61 anos, se mudou para uma casa bem em frente à área e, determinada e precisando ocupar a mente, transformou o cenário abandonado.
“Eu tive um AVC e não podia mais trabalhar. Vi essa área largada, um lixão mesmo, e decidi começar a cuidar para ocupar o meu tempo. Limpo, roço, cuido, faço vaso de pneu para plantar flor. Antes era um lixo, agora está um luxo.”
Moradora de Itu cuida de área verde que era usada para descarte de lixo
Zélia, que trabalhava como catadora de recicláveis, vê destino e reuso em itens que são descartados. Usando materiais reciclados, criatividade e bom gosto, a moradora conseguiu fazer um jardim.
“Uso pneus e garrafas pet para fazer vasinhos. Usei vaso sanitário e pia também, que foram jogados. Plantei as flores e ficou tudo colorido, bonito. Chama os passarinhos”, comenta.
Além disso, Zélia montou um balanço com cordas e madeira. “Era para a criançada, né? Elas usam bastante. Mas eu também brinco de vez em quando para tirar o estresse”, confessa.
Moradora de Itu transformou praça abandonada em área de lazer e usa materiais reciclados para jardinagem
Arquivo pessoal
Zélia Bragato construiu balanço para área de lazer em Itu e dedica seus dias aos cuidados do espaço
Arquivo pessoal
Por isso, a moradora afirma: as plantas lhe fazem bem.
“O espaço não é meu, sei que quem deveria cuidar é a prefeitura, mas eu moro aqui, não quero viver em um ambiente sujo, feio. É do meu interesse também ver um espaço limpo e aconchegante, um lugar onde a gente se sinta bem. Me sinto assim em paz com as plantas. E brigo com os vizinhos para eles fazerem sua parte também”, completa.
Capricho de Zélia com os vasos e objetos deixados na área de lazer mudaram visual e atraem moradores para convivência no espaço
Arquivo pessoal
Em nota, a prefeitura de Itu informou que uma equipe da subprefeitura regional da Zona Leste realizou uma manutenção na área verde “adotada” por Zélia e em outras ruas próximas em novembro e há uma previsão para nova visita em fevereiro.
“Houve limpeza com a retirada de entulho e lixo, capina, poda de árvores e desobstrução de boca-de-lobo, que estava entupida com dejetos descartados de maneira inadequada pela população”, pontuou.
A prefeitura também informou que possui, desde 2017, o programa “Adote uma Praça”, onde os moradores interessados em adotar uma área pública podem se inscrever pelo site da prefeitura ou presencialmente na secretaria municipal de obras, localizada na Avenida Itu 400 Anos, número 111, no bairro Novo Centro.
As informações sobre a documentação, exigências, obrigações e suporte podem ser obtidas pelo telefone (11) 4886-9609. “Todas as propostas serão analisadas pela prefeitura em 30 dias úteis após a data de protocolo inicial. A participação da comunidade na manutenção e nos cuidados com a cidade é sempre bem-vinda.”
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