Opinião: “Crédito do Trabalhador com garantia do FGTS: solução ou armadilha?”

Por Carlos Castro*

Os dados mais recentes do Banco Central, referentes a fevereiro de 2025, mostram que o custo do crédito no Brasil continua elevado. Mesmo com a expansão das modalidades de crédito consignado, as taxas seguem altas para a maior parte da população. O cartão de crédito rotativo, por exemplo, tem juros médios de 496,14% ao ano, enquanto o cheque especial alcança 131,24% ao ano.

No crédito consignado, as taxas variam conforme o perfil do tomador: servidores públicos pagam, em média, 30,24% ao ano; aposentados do INSS, 23,21%; e trabalhadores do setor privado, 43,29%. Já a nova modalidade, batizada de Crédito do Trabalhador, que permite o uso do FGTS como garantia, apresenta juros que vão de 51,11% a 69,59% ao ano — números ainda elevados, mesmo dentro do universo do crédito consignado.

Essa linha de crédito foi criada com o objetivo de ampliar o acesso ao crédito para trabalhadores da iniciativa privada (CLT), que muitas vezes ficam fora do mercado de crédito por falta de garantias ou convênios com bancos. Com a digitalização do FGTS e o avanço da CTPS Digital, o governo enxergou uma oportunidade de oferecer um novo modelo de consignado, com menor risco para as instituições financeiras e, teoricamente, melhores condições para o trabalhador.

A proposta principal é substituir dívidas mais caras, como as do cartão de crédito e do cheque especial. Na teoria, isso faz sentido: trocar uma dívida de 300% ao ano por outra de 60% parece vantajoso.

Na prática, no entanto, muitos trabalhadores fazem essa troca sem mudar seus hábitos de consumo. Em pouco tempo, voltam a usar os mesmos canais de crédito, reiniciando o ciclo de endividamento. Assim, o problema não é resolvido — apenas adiado.

Outro risco que não podemos ignorar é o que acontece em caso de demissão. Se o trabalhador usou o FGTS como garantia, até 10% do saldo ou 100% da multa rescisória poderá ser automaticamente utilizado para quitar a dívida.

Imagine um trabalhador CLT que ganha R$ 3.000 por mês e está há 5 anos na mesma empresa. Suponha que ele tenha acumulado R$ 15.000 no FGTS e tenha direito a uma multa rescisória de R$ 6.000 em caso de demissão. Esse trabalhador contrata o Crédito do Trabalhador, com taxa de 51% ao ano, utilizando os R$ 6.000 da multa como garantia.

Se for demitido sem justa causa, o banco poderá usar automaticamente os R$ 6.000 da multa para quitar a dívida. E com juros de 51% ao ano, a dívida pode ultrapassar R$ 9.000 em apenas 12 meses — ou seja, ele perde a multa rescisória e ainda corre o risco de sair devendo parte do empréstimo, a depender do número de parcelas contratadas.

Lembrando que a multa de 40% do saldo do FGTS é um direito do trabalhador, e uma indenização extra, garantido pela CLT e pela Lei do FGTS (Lei nº 8.036/1990) que protege o trabalhador da demissão arbitrária, garante uma reserva financeira para o trabalhador enfrentar o período de desemprego e complementa o saldo do FGTS. Ela não deve ser confundida com os depósitos mensais do FGTS.

O exemplo ilustra como o que parece ser uma solução pode facilmente se transformar em um novo problema. O Crédito do Trabalhador, vendido como alívio, pode esconder armadilhas sérias. Em vez de resolver o endividamento, pode apenas criar mais uma dívida, financiar o consumo imediato e comprometer uma reserva essencial do trabalhador.

Mais do que ampliar o crédito, o foco deveria estar em aumentar a renda do trabalhador, promover educação financeira e, se for para usar o FGTS, permitir seu uso direto para quitação de dívidas — sem a intermediação de um novo empréstimo. Afinal, criar uma dívida para acessar um recurso próprio é um contrassenso, que favorece mais o mercado financeiro do que o trabalhador.

Se queremos que o crédito seja, de fato, um motor da economia, ele precisa vir acompanhado de educação e planejamento financeiro. O brasileiro precisa de acesso ao crédito, sim — mas com ferramentas para usá-lo com consciência. Sem isso, qualquer política de crédito corre o risco de ser mais um empurrão rumo à crise, e não uma saída dela.

*Coluna escrita por Carlos Castro, planejador financeiro pessoal, CEO e sócio fundador da plataforma de saúde financeira SuperRico

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