Alto Alegre, que abrange a Terra Yanomami, é o 11° município mais violento da Amazônia Legal


Entre 2021 e 2023, o município registrou taxa de 92,4 mortes violentas a cada 100 mil habitantes. A cidade, localizada ao Norte de Roraima, é rota de garimpos ilegais e disputada por facções criminosas nacionais, que também atuam no garimpo. Entrada da sede do município de Alto Alegre, ao Norte de Roraima.
Prefeitura de Alto Alegre/Divulgação/Arquivo
Localizado no Norte de Roraima, onde está parte da Terra Indígena Yanomami, o maior território indígena do país, o município de Alto Alegre é o mais violento do estado e o 11° de toda a Amazônia Legal, de acordo com dados do estudo “Cartografias da violência na Amazônia”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Entre 2021 e 2023, a cidade registrou uma taxa média de 92,4 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes. Em contraste, houve uma redução de 11,1% em todo o estado de Roraima.
Só no ano passado, a taxa de Alto Alegre foi de 113,8, um aumento de 139,7% se comparado a 2022, quando a média era de 47,5 por 100 mil pessoas.
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➡️ As Mortes Violentas Intencionais (MVI) incluem homicídios dolosos, latrocínios, mortes decorrentes de intervenção policial e mortes de policiais. O estudo do Fórum de Segurança Pública foi publicado nessa quarta-feira (11).
Na avaliação da especialista em Segurança Pública e Cidadania pela Universidade de Brasília (UnB), Simone Arruda, um dos motivos do aumento de violência na região é o interesse pelo garimpo ilegal e a expansão das facções criminosas na atividade. De acordo com ela, que também é delegada da Polícia Civil, estudos anteriores já apontavam altos índices de homicídios na região.
“Em estudos [divulgados] há dois anos, em 2022, Alto Alegre se destacou com o maior índice de homicídio entre as 20 cidades da região Norte. A gente observa que Alto Alegre é um dos principais meios para se chegar à Terra indígena Yanomami, principalmente nas áreas de garimpo”, explicou a especialista.
“A gente observa que realmente ocorreu uma migração [das facções para a região]. E Alto Alegre é uma cidade pequena, no entanto o interesse no minério é muito grande”, ressaltou.
Lar de 21.096 pessoas, Alto Alegre é o terceiro município mais populoso e o quarto maior em extensão de Roraima, com 25.454,297 km² de área territorial. Apenas 8,26 km² do município é urbanizado.
Distante cerca de 84 km da capital Boa Vista, a região tem como principal atividade econômica a administração pública e também é uma das principais rotas de acesso por terra a garimpos ilegais na Terra Yanomami.
Entrecortado pela RR-205, o acesso à sede de Alto Alegre ocorre pela rodovia, localizada na saída do bairro Cidade Satélite, em Boa Vista. Além da capital, o município faz divisa com Amajari, Iracema e Mucajaí, esse último sendo o segundo mais violento do estado (veja o ranking completo abaixo).
Veja abaixo as 10 cidades mais violentas de Roraima (2021-2023)
Alto Alegre – 92,4 a cada 100 mil habitantes
Mucajaí – 70,4 a cada 100 mil habitantes
Iracema – 40,0 a cada 100 mil habitantes
Bonfim – 38,5 a cada 100 mil habitantes
Cantá – 37,9 a cada 100 mil habitantes
São João da Baliza – 37,8 a cada 100 mil habitantes
Normandia – 36,5 a cada 100 mil habitantes
Pacaraima – 33,2 a cada 100 mil habitantes
Boa Vista – 28,9 a cada 100 mil habitantes
Amajari – 28,9 a cada 100 mil habitantes
Principal rota para garimpos
Alto Alegre é um dos cinco municípios por onde fica a Terra Yanomami, junto com Amajari, Mucajaí, Iracema e Caracaraí. O município abarca os rios Mucajaí e Uraricoera, que dão acesso fluvial ao território indígena, e por conta disso, funciona como uma das principais rotas de entrada e saída de garimpeiros.
Essa proximidade com o território indígena coloca Alto Alegre em outro ranking: o das maiores mortalidades de indígenas da região amazônica. Entre 2021 e 2023, a cidade que possui uma população indígena de 12.731 pessoas de acordo com o Censo 2022, registrou 66 assassinatos de indígenas.
O número é três vezes maior do que o do segundo e o terceiro município mais letal para indígenas em Roraima e em toda a Amazônia Legal, Caracaraí e Amajari, que tiveram 19 mortes violentas de indígenas nos três anos.
Para o Fórum, a proximidade do município com “as numerosas regiões de garimpo nas terras indígenas próximas o torna um ponto importante de convergência desses grupos”.
Os garimpos na terra indígena impactam na dinâmica de violência da região. Localizada em Alto Alegre, a comunidade Yakeplaopi, em Palimiú, na Terra Indígena Yanomami, viveu momentos de tensão em maio de 2021, quando garimpeiros armados atacaram a região, feriram e mataram pessoas.
Em novembro deste ano, o g1 visitou a comunidade para saber o que mudou após o episódio. Hoje, com as ações de reforço na segurança, a realidade do povo Yanomami da região é mais tranquila.
Em 2023, Alto Alegre também registrou 29 conflitos por terra, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT). O número é mais da metade das disputas de terra registradas em todo o estado, que teve 48 casos no período.
De acordo com o Fórum, um dos conflitos de Alto Alegre foi registrado no dia 30 de abril, mesmo dia em que o sistema da Polícia Civil registrou 12 homicídios e mortes por intervenção policial, a maioria na zona rural do município.
“Embora não seja possível afirmar que as 12 mortes estão relacionadas ao conflito documentado pela CPT, chama atenção a coincidência de data e o elevado volume de assassinatos em apenas um dia”, pontua o estudo.
A localização de Alto Alegre favorece tanto o garimpo, quanto as ações de combate a atividade ilegal. Em fevereiro de 2023, durante a emergência de saúde na Terra Yanomami, a cidade foi um dos principais pontos de concentração da Operação Êxodo, de intensificação no patrulhamento de cidades do interior do estado usadas como rotas de fuga dos garimpeiros.
Em 2024, segundo o novo estudo, operações da Casa de Governo identificaram onze pistas clandestinas usadas para dar apoio logístico ao garimpo ilegal na região. Dessas, ao menos seis foram desativadas.
O controle das facções
O estudo do Fórum de Segurança também revelou que quase todos os municípios de Roraima possuem presença de facções criminosas, com exceção de Uiramutã, a cidade mais indígena do país. Dos 14 municípios com facções, seis “pertencem” ao Primeiro Comando da Capital (PCC). São eles:
Amajari;
Cantá;
Caroebe;
Normandia;
São João da Baliza;
São Luiz.
Nas outras sete cidades há disputas entre o PCC, Comando Vermelho (CV) e Tren de Aragua, uma facção venezuelana presente na capital Boa Vista e no município de Pacaraima, localizado na fronteira com o país vizinho.
Em Alto Alegre o domínio é do Comando Vermelho, segundo o estudo. No entanto, apesar da presença do grupo faccionado, a região do entorno do município é quase toda controlada pelo PCC. As duas facções disputam o território, mas não costumem entrar em confronto direto.
Ainda de acordo com o estudo, as duas facções também já estenderam suas presenças para a Terra Indígena Yanomami. Por sinal, há relatos de conflitos entre os grupos no território, incluindo execuções de pessoas.
Simone Arruda explica que com domínio nas capitais e grandes centros do Brasil, as facções criminosas nacionais estão buscando o controle de cidades no interior dos estados brasileiros. No caso de Roraima, elas também buscam se expandir no garimpo, dentro das terras indígenas, para aumentar lucros.
“Então, uma forma das facções criminosas nacionais ou transnacionais ter uma lucratividade maior é o domínio de territórios nos interiores aqui do nosso estado, tendo em vista essa quantidade de minério existente no território”, ressaltou.
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Mucajaí: a 2ª cidade mais violenta de Roraima
Cidade vizinha a Alto Alegre, Mucajai é o segundo município mais violento de Roraima e o 31° da Amazônia Legal, com taxa média de mortes violentas intencionais de 70,4, entre o triênio 2021 e 2023. Para o estudo, pela proximidade, existe uma possibilidade de extensão de crimes de um município para o outro.
Também onde está parte da Terra Indígena Yanomami, Mucajaí ocupa uma localização estratégica em relação ao garimpo. Desde o início das operações de combate a atividade ilegal no estado, o governo federal já aprendeu equipamentos, minérios e aviões em pistas clandestinas da região.
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