Delator do PCC executado: bicos de PMs no setor privado preocupam, dizem especialistas


A escolta particular de Antônio Vinicius Lopes Gritzbach era formada por pelo menos cinco policiais. Eles receberam o convite para o trabalho por meio de um tenente da PM. Viaturas da Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Divulgação/GESP
A segurança privada de Antônio Vinicius Lopes Gritzbach, delator do Primeiro Comando da Capital (PCC) executado no Aeroporto Internacional de São Paulo, era formada por policiais militares da ativa. A prática é amplamente adotada, apesar de ser ilegal, e o caso do delator reacende um alerta para a questão.
Segundo o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar, o exercício ou a administração da função de segurança particular é uma transgressão grave. As sanções podem variar de advertência até a exclusão da corporação, dependendo do histórico do autor.
Concebidos a partir da mistura entre os setores público e privado, os bicos policiais afetam a qualidade da segurança pública, mostrando um conflito de interesses, segundo os especialistas ouvidos pelo g1. A prática não está restrita ao estado de São Paulo e pode ser vista em todo o país.
Na pesquisa de vitimização e percepção sobre violência e segurança pública do Fórum Brasileiro de Segurança (FBSP) lançada em 2024, 18% dos entrevistados declararam que no bairro onde residem há serviço de vigilância privada prestado por policiais de folga. Participaram da pesquisa pessoas com 16 anos ou mais de 145 municípios em todo o país.
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Para o cientista político e membro do FBSP André Zanetic, os policiais aceitam fazer os bicos de segurança por duas razões principais: baixa remuneração na PM e lucratividade da atividade extraoficial.
Segundo Zanetic, os esquemas de bicos ilegais são, geralmente, organizados pelos próprios oficiais da polícia, criando condições para a dupla jornada de trabalho. No caso do delator do PCC, por exemplo, os PMs foram convidados por um tenente do 23° Batalhão Metropolitano para prestar o serviço de escolta.
“Já é algo que está bastante estabelecido, geralmente, os oficiais das polícias, da Polícia Militar, que organizam essas atividades. Inclusive em detrimento do trabalho da própria organização do trabalho policial, porque você vai ter que mexer nas escalas. Ou seja, tem todo um impacto na própria organização interna da corporação”, afirma Zanetic.
É possível encontrar policiais da ativa fazendo bico na maior parte dos campos da segurança privada, sobretudo as mais comuns, como da vigilância patrimonial, de eventos, de transporte de valores e da segurança pessoal, aponta o integrante do FBSP.
Roberto Uchôa, conselheiro do FBSP e autor do livro “Armas para Quem? A Busca por Armas de Fogo”, reitera que a baixa remuneração acaba forçando os policiais a adotar uma segunda atividade remunerada durante o período de folga.
“Essa prática é amplamente adotada, e a administração pública não oferece alternativa para isso. Fica muito difícil controlar uma tropa cortando essa possibilidade de melhoria salarial, é uma situação muito complicada. Na Polícia Federal, que tem uma remuneração boa, quase não tem esse tipo de atividade [ilegal]. Quando às vezes tem, o policial é punido. Então, é um exemplo de como essa diferença de remuneração facilita a gestão da sua tropa, do seu corpo de funcionários, e permite que eles também descansem, porque muitas vezes a escala é feita para prever um descanso para esse profissional”, explica Uchôa.
O conselheiro do FBSP também ressalta que muitas empresas de segurança privada tem sócios ou proprietários que são integrantes de forças de segurança pública, normalmente oficiais ou delegados. Eles, por sua vez, acabam contratando subordinados para trabalhar nessas empresas.
“Para a gente combater esse tipo de trabalho, esse tipo de desvio de finalidade do uso do porte concedido ao policial, a gente teria que atacar isso de forma ampla. E não só impedir o bico, mas também impedir que pessoas ligadas à segurança pública também sejam sócias ou proprietárias de empresas de segurança privada. A gente precisa, na verdade, acabar com essa mistura entre o público e o privado”, diz Uchôa.
Durante coletiva de imprensa na segunda-feira (11), o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, criticou a conduta dos PMs que trabalhavam como segurança particular do delator do PCC e informou que os celulares deles foram apreendidos.
“Eles já foram chamados pela Corregedoria da Polícia Militar e terão que explicar o que faziam, porque só o simples fato de realizarem um serviço nessa corporação já configura uma transgressão disciplinar que não foi permitida, além disso, estavam fazendo isso para um indivíduo criminoso”, declarou.
Em um caso, o bico foi institucionalizado e liberado na cidade de São Paulo, por meio de um convênio entre a Prefeitura de São Paulo e o governo do estado, nomeado de Operação Delegada. Nesse esquema, policiais militares reforçam o policiamento na capital durante suas folgas. O foco da operação é combater o comércio de ambulantes irregulares nas ruas da capital.
As vagas são disponibilizadas por Comando de Policiamento de Área e a inscrição dos policiais é voluntária.
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Reprodução/TV Globo
Como delator foi executado?
Antonio Vinicius Lopes Gritzbach voltava de viagem com a namorada de Maceió na última sexta-feira (8), quando foi executado na área de desembarque do Terminal 2 do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, por volta das 16h. Ele levava uma mala com joias avaliadas em R$ 1 milhão.
Câmeras de segurança registraram toda a ação. Nas imagens, ele aparece carregando a mala na área externa, onde há uma fila de carros, quando dois homens encapuzados descem de um veículo preto e efetuam ao menos 29 disparos.
Ele tenta fugir e pula a mureta que divide a via, porém cai logo em seguida. Gritzbach foi atingido por 10 tiros: quatro no braço direito, dois no rosto, um nas costas, um na perna esquerda, um no tórax e um no flanco direito (região localizada entre a cintura e a costela).
PMs investigados
A força-tarefa da Secretaria da Segurança Pública informou nesta terça-feira (12) que afastou preventivamente oito policiais militares investigados por suspeita de envolvimento na execução do delator da facção criminosa paulista.
Uma das linhas de investigação da Polícia Civil é que os seguranças teriam falhado de forma proposital e indicado o momento em que o Gritzbach estava desembarcando.
Quatro PMs que integravam a escolta Gritzbach deveriam buscar o casal no aeroporto, porém apenas um segurança apareceu na área de desembarque. O grupo alega que um dos carros apresentou problemas na ignição, por isso os demais PMs ficaram para trás em um posto de gasolina.
Antônio Vinicius Lopes Gritzbach foi morto na sexta-feira (8) no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos.
Reprodução/TV Globo
Quem era Antônio Vinicius Lopez Gritzbach
Gritzbach tinha 38 anos e era corretor de imóveis no Tatuapé, Zona Leste de São Paulo. Há alguns anos, ele passou a fazer negócios com Anselmo Bicheli Santa Fausta. Conhecido como Cara Preta, Anselmo movimentava milhões de reais comprando e vendendo drogas e armas para o PCC.
Segundo o Ministério Público de São Paulo, ele teria atuado para lavar R$ 30 milhões em dinheiro vindos do tráfico de drogas. De acordo com fontes da Polícia Federal, a maior parte dessas operações de lavagem foi feita com a compra e venda de imóveis e postos de gasolina.
Cara Preta e o motorista dele, Antônio Corona Neto, o Sem Sangue, foram assassinados, e Gritzbach começou a ser investigado como responsável pelas mortes.
Em março, o empresário fechou um acordo de delação premiada com o MP com a promessa de entregar esquemas de lavagem de dinheiro do PCC e crimes cometidos por policiais.
Na delegação, ele cita como supostos corruptos policiais civis do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e o Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC), dois dos mais relevantes da corporação. Já as delegacias citadas são o 24º DP (Ermelino Matarazzo) e o 30º DP (Tatuapé).
Investigação sobre morte de delator do PCC
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