Ozempic falso: polícia investiga novo golpe contra pacientes e farmácias

Criminosos trocam canetas emagrecedoras por outras, falsificadas. E o cliente, sem desconfiar de nada, passa mal ao aplicar o medicamento errado. Vítima de medicamento falso vai parar na UTI e quase morre por causa de hipoglicemia grave
A polícia investiga um novo golpe contra pacientes e farmácias. Criminosos trocam canetas emagrecedoras por outras, falsificadas. E o cliente, sem desconfiar de nada, passa mal ao aplicar o medicamento errado.
Uma das vítimas foi parar na UTI. A mulher prefere não mostrar o rosto, está traumatizada. “Eu poderia ter morrido. e ter deixado um filho pequeno.”
O empresário Rafael Borsetto ainda está muito assustado. “A todo momento que eu penso, eu me arrepio.” E o engenheiro Dib Nessim Endebo diz estar muito revoltado.
“Tive sensação de desmaio, sudorese, calafrios e perna bamba.” Entendeu? Fiquei assim, totalmente desnorteado. Falei: “gente, estou indo agora, será? Não é justo.”
Eles foram vítimas da falsificação de um dos medicamentos mais vendidos hoje, no mundo inteiro: o Ozempic.
A medicação vem em forma de uma caneta e é injetável. Cada clique libera uma dose de semaglutida, substância indicada para pessoas com diabetes tipo 2 e também muito usada para perda de peso, já que tem como efeito colateral a diminuição do apetite.
Uma mulher estava usando a medicação havia oito meses, com recomendação médica, para emagrecimento.
“Eu apliquei, 8 da manhã. 15 minutos depois eu comecei a me sentir meia tonta. Deitei no chão, botei as pernas para cima… achando que tinha caído minha pressão. Às 11 horas não estava, não estava normal. Estava muito branca, muito branca e os meus lábios estavam escuros. Eu não consegui colocar o sapato… não conseguia botar o cinto na calça, completamente zonza. E aí a minha funcionária ligou para a minha irmã e ela veio rápido, porque mora pertinho. Minha irmã falou: a gente tem que ir no hospital.”
Luciana Lopes, a endocrinologista responsável pela Rede D’or afirma que a paciente chegou no hospital com uma fala bem arrastada, com uma alteração do nível de consciência. “Veio com uma glicemia menor do que 20 miligramas por decilitro. Glicemia menor do que 70 e glicemias menores do que 40, 50 miligramas por decilitro normalmente já têm alteração neurológica. Uma das causas de parada cardiorrespiratória é a glicose baixa no sangue.”
A médica conta que os sintomas tinham começado após a aplicação subcutânea da medicação Ozempic, que é o nome comercial da semaglutida.
“A semaglutida é uma substância que não leva a uma glicose muito baixa. E aí uma das nossas médicas, logo pensou em ser um Ozempic adulterado, falsificado. O familiar trouxe a medicação pra gente. A gente viu que realmente não era uma caneta original de Ozempic.”
No lugar da semaglutida, a caneta tinha insulina. A insulina tira a glicose do sangue.
“Na hora que ela injeta insulina, sendo uma paciente que não tinha diabetes, a glicose despencou, caiu demais, porque ela não precisava daquilo ali”, diz a médica.
E o caso dela não foi o único… segundo o próprio fabricante do medicamento, as falsificações vêm fazendo mais vítimas.
“Foram cerca de 50 casos que chegaram. Mas 11 desses casos evoluíram com um quadro grave”, diz Priscilla Mattar, vice-presidente da área médica da Novo Nordisk Brasil.
A médica do laboratório mostra como as pessoas podem identificar a caneta falsificada de Ozempic.
“Aqui eu tenho as duas canetas. Uma caneta que é a caneta original, a caneta genuína. Ela tem uma cor azul clara. Ela tem essa parte interna que é cinza claro e tem um botão aqui, aplicador, também em cinza. As doses que ela fornece, essa caneta aqui, de um miligrama, só aparece no demonstrador de dose o número um. Eu tenho aqui uma caneta de insulina, que é azul escuro. A gente já percebe que a primeira grande diferença é a cor. Essa caneta por dentro é laranja, avermelhado. O botão também é da mesma cor, laranja. E quando a gente vai olhar a dose, nesse caso, ela vai de duas em duas. E nesse adesivo que eles estão usando para readesivar a caneta, eles escrevem nova formulação.”
E foi justamente essa informação falsa que levou o Rafael a não desconfiar quando começou a passar mal. “Veio no plástico certinho, com o selinho até escrito nova fórmula.”, diz. Ele usava o medicamento para emagrecer, mas chegou a engordar cinco quilos.
Dib Nessin, de 70 anos, tem diabetes tipo 2. E há 3 anos controla a doença com aplicações semanais da caneta de semaglutida. Quando soube pelo seu médico dos riscos que correu porque estava injetando, na verdade, insulina, Dib ficou indignado. “Saí dando chute em tudo. Fiquei chorando igual criança.”
Ele conta que estava sozinho em casa nas duas vezes que passou mal e não quis pedir ajuda para não preocupar a família.
O Fantástico teve acesso a diversos boletins de ocorrência feitos por farmácias do Rio de Janeiro, desde agosto deste ano, denunciando um golpe e dando detalhes de como ele funciona.
Começa com alguém ligando para a farmácia e pedindo a entrega de cinco ou seis canetas da medicação. Quando o entregador chega no endereço, antes mesmo de se dirigir até a porta do prédio, ele é abordado pelo ‘suposto’ cliente. Na verdade, essa pessoa é a mesma que fez o pedido, mas ela não mora no local. O golpista finge desistir da compra. Ele retira a sacola com a medicação trocada de dentro do carro e a devolve ao entregador, que vai embora para a farmácia com a caneta de insulina em vez da caneta de semaglutida.
A farmácia é obrigada a devolver o dinheiro do cliente que comprou a medicação falsificada.
“Quem comprou o medicamento falsificado, óbvio, tem que ser ressarcido” , diz Sérgio Mena Barreto – CEO da Abrafarma.
O laboratório Novo Nordisk aprovou esta semana com a Anvisa, uma campanha nas redes sociais e distribuição de cartazes para as farmácias, mostrando a diferença entre a caneta original e a falsificada.
“A gente quer que isso seja esclarecido o mais rápido possível, porque aqui é uma indústria de saúde. A gente vende medicamento para tratar doenças”, diz Priscilla Mattar, vice-presidente da área médica da Novo Nordisk Brasil.
Em nota, a Polícia Civil do Rio de Janeiro disse que “já ouviu vítimas e testemunhas, e que as investigações estão em andamento.”
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