Sindicato dos Rodoviários de Sorocaba é multado em R$ 300 mil por irregularidades; especialistas criticam acordo com MPT


Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado em agosto. Advogados ouvidos pelo g1 dizem que trabalhadores da categoria foram penalizados duas vezes. Sindicato dos Transportes de Sorocaba assina TAC com o Ministério Público do Trabalho
Google Street View/Reprodução
O Sindicato dos Rodoviários de Sorocaba (SP) foi multado em R$ 300 mil por uso irregular de bens e outras irregularidades cometidas por membros da diretoria. As informações estão em um Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC), assinado pela instituição e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). em 7 de agosto deste ano.
📲 Participe do canal do g1 Sorocaba e Jundiaí no WhatsApp
A investigação começou em 2021, quando o MPT passou a apurar denúncias contra a entidade, presidido por Paulo Estausia, conhecido como Paulinho do Transporte (PT), candidato derrotado à Prefeitura de Sorocaba nas eleições de 6 de outubro.
Ao longo da investigação, foram descobertas ao menos sete graves irregularidades praticadas pelos atuais membros da diretoria sindical. Saiba o que apontou o MPT:
Abuso das prerrogativas sindicais: atuar fora do que determina o estatuto da entidade e a legislação;
Perseguição política de empregados;
Ingerência nas contratação;
Demissões de trabalhadores pelas empresas de transporte urbano de Sorocaba,
Ameaças veladas;
Contratação de empresas ligadas à familiares de diretores; e
Uso irregular de veículos e do convênio médico.
O MPT não optou por outras medidas, como uma ação judicial, e ofereceu ao Sindicato dos Rodoviários o Termo de Ajustamento de Conduta, acordo firmado com a empresa ou entidade que viola direitos trabalhistas para impedir a situação de ilegalidade e reparar os danos, sem envolver a Justiça.
A decisão do procurador foi fortemente criticada por especialistas da área, ouvidos pelo g1 e pela TV TEM (leia abaixo).
Com o TAC firmado, o Sindicato dos Rodoviários de Sorocaba foi multado em R$ 300 mil pelas irregularidades. O valor foi parcelado em 24 vezes de R$ 12,5 mil.
Empresa de parentes
O MPT apontou que o sindicato contratou empresas de parentes de membros diretoria. Uma delas é a empresa contratada do filho do Paulinho do Transporte, Mike Maia Estausia, que presta serviços jurídicos para a entidade.
Outra empresa citada é a Goes Terceirizações Eireli, que está em nome de Silmara Goes Estausia, casada com o irmão de Paulinho do Transporte.
“As apurações revelaram indícios de malversação do patrimônio social, como a inclusão dos dirigentes sindicais, seus familiares e terceiros, nos convênios médicos mantidos e custeados pelo sindicato, a formalização de contratos com familiares ou pessoas ligadas aos membros da atual diretoria.”
O MPT ainda pediu no TAC que o sindicato anule, em 60 dias, o contrato com as empresas ligadas ao sindicalistas. Outro apontamento está no uso de veículos oficiais do sindicato para uso pessoal.
Lista de restrições
No documento, o sindicato concordou em se abster de várias ações na entidade. As mais expressivas são as seguintes:
Não deve exigir ou de qualquer forma, induzir trabalhadores a se filiarem ao sindicato, inclusive sob ameaças de não concluírem o período de experiência nas empresas contratantes;
Não devem perseguir trabalhadores por razões político-partidárias e, de qualquer forma, de exercer ingerência na contratação/demissão/recontratação dos empregados das empresas vinculadas à sua base territorial;
Não deve controlar ou exigir, sobretudo sob ameaças veladas de demissão, que empregados, de seus quadros e das empresas de transporte, forneçam perfis em redes sociais para fins de monitoramento ou controle de suas opiniões;
Não deve exercer qualquer tipo de monitoramento/controle sobre a vida pessoal dos empregados;
Não deve realizar qualquer tipo de checagem em aparelhos telefônicos dos empregados, de seus quadros e das empresas de transporte; e
Abster-se da prática de atos capazes de configurar assédio sexual – compreendida como todo comportamento indesejado de caráter sexual unilateral, sob forma verbal, não verbal ou física.
Laudo pericial e contábil
No dia 22 de fevereiro deste ano, um laudo pericial e contábil do ano de 2021, solicitado pelo MPT, foi inserido no processo. Diversos apontamentos, como indícios de má gestão da entidade foram feitos. Em sua conclusão, no entanto, o perito diz que o sindicato não apresentou todos os documentos necessários para uma perícia mais conclusiva.
“Para cumprir o mister de constituição de prova material, a perícia contábil necessita do exame dos elementos concretos (documentos contábeis que embasaram os lançamentos) para confrontar os registros contábeis com as demonstrações, sendo que tais elementos não foram apresentados.”
O laudo, que não chegou a ser integral, foi apresentado quase três anos depois do inicio da investigação.
Desabafo
No meio da investigação, a ex-funcionária, que denunciou o caso, fez um desabafo no processo, ao dizer que o sindicato ficava postergando prazos e que o MPT não tomava nenhuma atitude.
“Mais uma vez diante deste peticionamento venho registrar minha indignação com a Justiça, pois desde essa denúncia, eu e mais pessoas perdemos tudo e o sindicato nem ao menos sofreu alguma consequência, sei que o trabalho é árduo precisa de investigação.”
Ela segue na reclamação e cita a falta de coleta de elementos no sindicato e o risco de eliminação de eventuais provas.
“Porém, porque o Ministério Público do Trabalho ainda não fez uma varredura dentro deste sindicato (computadores, celulares, contas entre outros) todo este tempo permite que eles destruam as provas, como já foi peticionado, é acompanhando só se tem tempo para anexo de documentos que não cumprem ou quando cumprem , mais uma vez a justiça dá prazo porque faltou algo , inclusive dando a oportunidade de fazer o que quiserem , pois entregam documento quando querem…”
Para especialistas, categoria foi penalizada duas vezes
Paulo Renato Fernandes, professor da FGV Direito, do Rio Janeiro, se disse surpreendido por TAC assinado em Sorocaba (SP)
Reprodução/g1
Paulo Renato Fernandes, professor da Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, analisou o TAC assinado pelo sindicato e pelo MPT. “O TAC é um instrumento de colheita de prova. Com relação a esse TAC, parece que são coisas bastante graves que aconteceram. Mas são coisas narradas no próprio TAC”, afirma.
“O que me surpreendeu foi o TAC ter sido assinado com a manutenção desse pessoal no sindicato. Pelo que consta no TAC, são informações tão graves que eu acho que o Ministério Público deveria ter tomado outra providência, como, por exemplo, o afastamento da diretoria do sindicato e não fazer um TAC para mantê-los lá.”
Ele continua com as críticas ao documento assinado em Sorocaba. “Não só para mantê-los lá, mas também fazer com que a categoria pague essa conta, pague esses R$ 300 mil de dano moral coletivo. Não foi a categoria que fez isso. Você fala em penalizar o sindicato, mas quem vai pagar é a categoria, os filiados. O que acontece é que quando a entidade paga, quem paga é a categoria.”
“Fiquei surpreendido com esse negócio jurídico que foi feito neste TAC. O TAC deveria ter sido feito com a retirada dessas pessoas, convocação de assembleia, ou ingresso com uma ação judicial para destituir essa diretoria atual, que ela não está defendendo os interesses dos trabalhadores, pelo que consta ali no TAC”, ressalta o professor.
“São situações de toda a sorte de ilegalidade, um mix de ilegalidades, de absurdo e violações da lei, e, essencialmente, descumprimento do dever do sindicato, que é defender os interesses da categoria.”
Paulo Renato opina sobre o que pensa que deveria ocorrer. “Nesse caso específico, eu acho que, em tese, a solução melhor seria afastamento, convocação de assembleia, eventualmente oficiar outros ramos do Ministério Público, estadual e federal, para que também investigassem e atuassem. Pelo o que está ali [no TAC], pode estar havendo crimes de ordem pública, crimes de ação incondicionada, e o que TAC não apaga isso, os crimes.”
Advogado Alexsandro Santos afirma que TAC assinado em Sorocaba (SP) puniu categoria duplamente
Reprodução/g1
O advogado Alexsandro Santos, com extensa atuação em direito sindical, também diz que com o TAC, a categoria foi penalizada duas vezes. “É importante ter em mente a finalidade do Termo de Ajustamento de Conduta, que é acordo firmado pelo Ministério Público, entidade ou empresa que tenha violado um direito coletivo. E aí, a necessidade do procurador de firmar esse documento, mas a partir do convencimento dele de que essas violações, essas violações, elas ocorreram”, explica.
“O relatório pericial e a própria fundamentação que serviu de embasamento do TAC, ela deixa claro que há ali indícios graves de desvio de finalidade, de irregularidades quanto a gestão de patrimônio do sindicato. E o TAC, sendo firmado pelo sindicato, ele viola o disposto de número nove, da Coordenadoria Nacional de Liberdade Sindical (Conalis), porque pune duplamente a categoria”
“Quem firma esse documento é o sindicato representado pelo presidente, que segundo o arrazoado do Ministério Público, teria feito ali uma gestão duvidosa com os recursos da categoria. Portanto, a categoria chegou a ser punida duplamente”, diz.
Ainda conforme ele, quem deveria ser penalizado, como determina o documento da Conalis, é o gestor e não a categoria. “Então, nesse caso, quem deveria assumir a responsabilidade com o pagamento das multas, da indenização que ficou ali tabulada, no Termo de Ajuste de Conduta, seria a pessoa física, não o sindicato.”
Ele diz ainda que só existe o TAC quando há o convencimento de irregularidades e também que o TAC está sujeito a recurso de quem denunciou. O advogado lembrou ainda que o procurador tem autonomia para o TAC em função da sua autonomia funcional.
O que dizem os citados
Em nota, o MPT afirma que o TAC firmado encontra-se totalmente dentro do padrão de normalidade de atuação do órgão.
“A elaboração da minuta do TAC não foi apenas de iniciativa do procurador oficiante, mas passou pelo crivo de outros profissionais do direito que integram a sua assessoria jurídica, todos eles imbuídos do princípio da boa-fé objetiva, segundo o qual há o dever do servidor público de agir na sociedade seguindo elevados valores éticos e morais.”
O MPT também diz que a responsabilização pessoal dos dirigentes deve acontecer apenas quando houver elementos para tanto, “algo que não aconteceu no inquérito em questão, haja vista o laudo pericial ter se mostrado inconclusivo no que se refere aos possíveis desvios de recurso por parte dos dirigentes sindicais”.
Já o Sindicato dos Transportes, disse que foi investigado pelo Ministério Público do Trabalho “no qual concluiu-se com inconformidades administrativas que deveriam ser corrigidas sob pena de multa”.
“O Sindicato aceitou a proposta de transação proposta pelo Ministério Público, sendo que então tomou todas as providências para sanar os equívocos administrativos. Entre as obrigações do Sindicato estão o pagamento a título de dano moral coletivo a ser revertido para entidades assistenciais do município de Sorocaba.”
A entidade garante que vem cumprindo com as obrigações do TAC.
Os responsáveis pelas empresas citadas na reportagem e que teriam ligações com o sindicato, não respondeu aos questionamentos do g1 e da TV TEM.
Veja mais notícias da região em g1 Sorocaba e Jundiaí
VÍDEOS: assista às reportagens da TV TEM
Adicionar aos favoritos o Link permanente.