Um abismo de confiança (por Leonardo Barreto)

A palavra do momento é confiança, recurso escasso no Brasil e no mundo. Na semana em que o Banco Mundial e o FMI farão suas reuniões de outono, preocupa a combinação entre dívidas públicas altas e baixo crescimento, conjuntura que tem dificultado aos países mais pobres resolver o problema recente da queda de poder de compra da população em razão do surto inflacionário pós-Covid.

Se o limite do alto endividamento é um tema internacional, no Brasil, aparentemente, o problema é o pouco caso que o governo tem feito dele. Embora os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet, da Fazenda e do Planejamento respectivamente, tenham dado declarações de que uma agenda robusta de controle de gastos será anunciada após a realização do segundo turno das eleições municipais, pouca gente acredita nas promessas da autoridade econômica.

O motivo é que Lula não deu sinal de que levantou seu veto político às medidas que são entendidas como necessárias pelo mercado. A verdade é que há uma clara diferença de visões que, hoje, está pouco disfarçada e pode ser visualizada em um artigo do economista Marcos Mendes publicada Folha neste final de semana e declarações de Haddad dadas na última sexta (18).

Com o título “Sob crise de confiança, o governo deve mirar o controle da dívida”, ele afirma que ninguém espera que Lula e ministros virem a chave e ataquem o problema das despesas como ele precisa. Partindo desta premissa, se deveria buscar ao menos aproveitar outras oportunidades para reduzir da dívida pública como, por exemplo, fazendo a devolução de recursos de fundos garantidores para o Tesouro Nacional, ao invés de transferi-los para o BNDES fazer novos empréstimos.

No outro lado do balcão, no entanto, Haddad afirma que o problema da confiança vai ser resolvido pelo caminho oposto, isto é, com “crédito na veia”. No evento de lançamento do programa Acredita, que prevê crédito para microempreendedores, o ministro discursou que o país precisa “de mais confiança” e que isso será resolvido apenas com crescimento e investimento.

Enquanto um diz freia, outro diz acelera.

Nada disso é desconhecido. A novidade é a queda do biombo pelo qual o mercado enxergava o governo e do qual se servia para alimentar ilusões de um rumo diferente. O crescimento dos juros e a corrida de investidores para o dólar evidenciam o abismo a Faria Lima e a Esplanada que está aí para todo mundo ver. Sem o disfarce, os donos do capital começaram a colocar um preço maior no cenário futuro, indicando que o momento das intenções ficou para trás e que, agora, só interessa a ação.

 

Leonardo Barreto é doutor em Ciência Política (UnB) e sócio da consultoria Think Policy

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