Brasil, um país de urubus


Na coluna desta semana, saiba mais sobre a biodiversidade de urubus brasileiros, curiosidades e fatos sobre a história evolutiva dessas aves. Urubu-rei é uma das espécies que ocorre no Brasil
Vazquez-Arroyo/iNaturalist
Quando o assunto é diversidade de urubus, você sabia que o Brasil fica apenas atrás da Colômbia e da Bolívia? Isso porque aqui vivem cinco espécies diferentes da ave, o que é muita coisa. Literalmente, um país de urubus. Saiba mais na coluna do biólogo Luciano Lima.
O Histórias Naturais desta semana é dedicado a uma das famílias de aves mais fantásticas que existem e uma das minhas favoritas: a dos urubus e condores.
Se você chegou aqui pelo título pensando que esse é um texto com conotações políticas, informo logo que nesta coluna “urubu”, “anta” e outras metáforas zoológicas é, e sempre serão, elogios.
Atualmente são conhecidas cinco espécies de urubus e duas de condores. Todas são agrupadas na família Cathartidae, que tem origem no grego “kathartes”, que significa “limpador”, uma clara referência a importantíssima função ecológica desempenhada pelos urubus e condores que “limpam” carcaças em decomposição dos ecossistemas.
Histórias Naturais é a coluna semanal do biólogo Luciano Lima no Terra da Gente
Arte/TG
Aqui vale ressaltar que os nossos urubus não são parentes dos abutres, outro grupo de carniceiros famoso da Europa, Ásia e África, que por sua vez são da mesma família dos gaviões e águias (Accipitridae). Assim como os beija-flores, a família Cathartidae é exclusiva das Américas.
Cinco espécies de Cathartidae podem ser encontradas no Brasil: urubu-preto (Coragyps atratus) urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura), urubu-de-cabeça-amarela (Cathartes burrovianus), urubu-da-mata (Cathartes melambrotus) e urubu-rei (Sarcoramphus papa).
Nossa riqueza de urubus fica atrás apenas de alguns países andinos, como Colômbia e Bolívia, onde, além destas cinco espécies, também ocorre o magnífico condor-dos-andes (Vultur gryphus).
Urubu-de-cabeça-amarela (Cathartes burrovianus)
Francisco Dubón / iNaturalist
Urubus ancestrais
Mas o Brasil já teve mais espécies de urubus, incluindo o urubu mais “antigo” conhecido. Brasilogyps faustoi foi descrito em 1985 a partir de fósseis encontrados no município de Tremembé, no Vale do Paraíba paulista. A espécie era um pouco maior do que o urubu-preto, seu parente vivente mais próximo.
Com aproximadamente 25 milhões de anos, ele é considerado o fóssil de Cathartidae mais antigos das Américas, e possivelmente do mundo, já que existem questionamentos se outros fósseis mais antigos descritos pertencem de fato a um Cathartidae.
Além de Brasilogyps faustoi, outras duas espécies extintas da família dos urubus e condores são conhecidos para o Brasil. Wingegyps cartellei e Pleistovultur nevesi. Ambas as espécies eram parentes mais próximas dos condores do que dos urubus, e voavam pelos céus dos Cerrados do interior do Brasil até relativamente pouco tempo atrás, há cerca de 12 mil anos atrás.
Sim, pouco tempo, 12 mil anos no tempo geológico é praticamente ontem, sendo bem provável que esses animais tenham sido observados pelas primeiras levas de humanos a chegar na América do Sul. Se ainda estivesse entre nós, Pleistovultur nevesi seria o maior representante da família aqui no Brasil. Ele é 25% maior que um urubu-rei e apenas um pouco menor do que o condor-dos-andes.
Em outros países americanos são conhecidos diversos fósseis de outras espécies de urubus e condores que desapareceram mais ou menos na mesma época das duas espécies brasileiras extintas. Muitos dessas aves extintas tem algo em comum: são geralmente maiores que as espécies atualmente viventes.
Urubu-preto (Coragyps atratus)
Dany Sloan / iNaturalist
Segundo diferentes estudos, esse padrão de “extinção” está relacionado com um outro ciclo de extinções da megafauna da América do Sul. Já escrevi muitas vezes aqui na coluna que “biodiversidade gera biodiversidade”, mas uma frase tão verdadeira quanto essa é que “extinção gera extinção”.
Na intricada teia da vida, diversas espécies de urubus e condores “gigantes” extintas estavam conectadas diretamente com preguiças gigantes, tatus gigantes, e outros mamíferos avantajados que compunham a megafauna sul-americana e desapareceram a mais ou menos, será que você adivinha… 12 mil anos atrás.
A maioria dos urubus sobreviventes são menores, quando comparado a seus ancestrais, portanto precisam de menos energia e consequentemente de carcaças menores.
Os maiores Cathartidae viventes, os condores, são exceção que comprova a regra. Tanto o condor-da-califórnia, quanto o condor-dos-andes ainda se alimentam dos despojos de um tipo diferente da megafauna, a megafauna marinha.
O condor-da-califórnia, tem esse nome não por acaso, sua principal área de ocorrência atual é a região costeira da Califórnia onde, até a chegada de cavalos e vacas, seu principal alimento eram leões-marinhos, baleias e outros animais que encalhavam mortos nas praias.
O condor-dos-andes com frequência desce ao litoral extremamente produtivo da costa do pacífica da América do Sul para se alimentar da carcaça de grandes animais marinhos.
Economia de energia
Já entre os urubus “pequenos” uma espécie em particular, o urubu-de-cabeça-vermelha se destaca quando o assunto é poupar energia e não por acaso é a espécie com maior área de ocorrência da família, sendo encontrada do Canadá ao sul da Argentina.
Urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura)
Alexandre Roux / iNaturalist
Para encontrar carcaças os urubus precisam percorrer enormes distâncias, mas, por motivos óbvios, para percorrer essas distâncias eles não podem gastar mais energia do que consome.
Se você tivesse que sair dirigindo aleatoriamente para encontrar um posto de gasolina você certamente pisaria com mais calma no acelerador e sempre que possível deixaria o carro andar em ponto morto. Esse também é o segredo do urubu-de-cabeça-vermelha, voar praticamente sem gastar combustível o que, nesse caso, significa não bater as asas e se lançar nas “ladeiras” do vento.
Um planador desenvolvido ao longo de milhões de anos de evolução, o urubu-de-cabeça-vermelha tem um sistema de voo tão eficiente que ele praticamente gasta a mesma energia voando e quando está pousada “descansando”.
O segredo do voo “sem combustível” da espécie são suas asas mantidas em “V” que se orientam hora para esquerda hora para direita para aproveitar qualquer mínima força do vento capaz de jogar a espécie para cima. Da próxima vez que você observar um urubu-de-cabeça-vermelha, repare que toda vez que ele inclina o corpo um pouco que seja para o lado ele ganha um pouco de altitude.
Eu poderia escrever parágrafos e mais parágrafos sobre o quão incríveis são os urubus, mas algumas linhas para cima já estourei o limite de texto da coluna. No entanto, aqui mesmo no Histórias Naturais, já escrevi muito sobre esses animais fantásticos, incluindo um dos textos mais acessados – que explica porque os urubus são pretos.
Símbolos de resiliência, eficiência e do quão a natureza é incrível. “Urubu” tinha que ser elogio e não sinônimo de corrupção política ou algo parecido. Da próxima vez que você quiser expressar que alguém é fascinante, olhe nos olhos dessa pessoa e diga “nossa, você é um urubuzão (ou urubuzona)!”.
*Luciano Lima é biólogo e ornitólogo integrante da equipe do Terra da Gente.
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