“Ninguém pega arma de fogo e fica brincando na cabeça de outra pessoa”, diz delegada sobre feminicídio em MS


Com mais um caso ocorrido no estado, número de vítimas por feminicídio chega a 24 neste ano. Em 2023, 30 mulheres perderam suas vidas em decorrência do crime. Delegadas da Deam falaram sobre o caso nesta segunda-feira (14).
Gabrielle Tavares
A Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam) confirmou nesta segunda-feira (14) que Lucilene Freitas dos Santos, de 33 anos, é mais uma vítima de feminicídio em Mato Grosso do Sul. O caso aconteceu na sexta-feira (11) em Campo Grande.
Conforme a polícia, o responsável pelo crime é o marido da vítima, que não teve o nome revelado. Segundo as informações, o homem disparou contra a cabeça de Lucilene e alegou que o tiro foi acidental e não passava de ‘brincadeira’.
“Não foi uma brincadeira, não foi sem querer. Até porque ninguém pega uma arma de fogo e fica brincando na cabeça de outra pessoa. Não existe brincadeira nessa situação”, enfatizou a delegada Analu Lacerda Ferraz.
Ainda segundo a delegada, a filha de 12 anos do casal relatou que o pai chegou a pedir que a menina contasse que o tiro foi acidental. O caso aconteceu durante a noite e, além dos filhos que dormiam em outro quarto, vizinhos teriam ouvido os disparos.
O autor do crime foi preso e vai responder por crime de feminicídio.Um primo, suspeito de ter favorecido a fuga do homem também foi preso e vai responder por favorecimento pessoal.
No topo do ranking
A morte de Lucilene por feminicídio leva Mato Grosso do Sul a totalizar 24 feminicídios ocorridos desde janeiro deste ano, segundo estatística da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). Desse total, 7 ocorreram em Campo Grande e outros 17 no interior.
Veja abaixo os municípios que registraram casos de feminicídio em 2024:
Campo Grande: 7
Três Lagoas: 3
São Gabriel do Oeste: 2
Amambai: 1
Antônio João: 1
Batayporã: 1
Coxim: 1
Dourados: 1
Fátima do Sul: 1
Iguatemi: 1
Ivinhema: 1
Nioaque: 1
Ponta Porã: 1
Sidrolândia: 1
Tacuru: 1
O estado tem, ainda, a maior taxa de feminicídios consumados e tentados para cada 100 mil mulheres, conforme aponta levantamento do Monitor de Feminicídios no Brasil (MBF), realizado pelo Laboratório de Estudos de Feminicídio da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná. A cada 100 mil mulheres, 2 são vítimas de feminicídio em Mato Grosso do Sul, índice acima da média nacional, que é de 1,03.
Estudo da UEL aponta MS com a maior taxa de feminicídios no país.
Reprodução/Monitor de Feminicídios no Brasil (MBF)
Lei do Feminicídio
Segundo a advogada Jéssica Santos, a Lei do Feminicídio, surgida em 2015, trouxe alterações e penas maiores aos crimes que vitimam mulheres em um contexto de violência doméstica ou de gênero. “A lei instituiu o feminicídio como uma qualificadora do crime de homicídio praticado contra mulheres, ou seja, tornando a pena ainda maior”, explica.
Assim, o crime de feminicídio deixou de ser elemento do crime de homicídio que tornava o crime mais grave e passou a ser um crime autônomo. “A Lei 14.994/24, sancionada na última quinta-feira (10), instituiu o crime de feminicídio, aumentando a pena aplicada a quem comete esse tipo de crime. Agora a pena do réu em crime de feminicídio é muito mais rigorosa de 20 a 40 anos”, comenta a advogada.
Para Jéssica Santos, a questão do feminicídio está arraigada na cultura vai além de leis severas e, para mudar as estatísticas, é preciso continuidade em projetos de conscientização e tratamento individual para homens que cometeram violência doméstica.
“Não acredito que um marido abusivo que põe uma arma de fogo na mesa durante uma discussão deixará de fazê-lo porque a pena aumentou em tantos meses ou em tantos anos”, diz a advogada.
Órfãos do feminicídio
Após a morte das mães, crianças e adolescentes precisam reconstruir suas vidas e lidar com a ausência repentina. O último levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), feito três anos atrás, revela que mais de 2 mil crianças ficaram órfãs em decorrência dos crimes de feminicídio.
Para a advogada Jéssica Santos, além da dor de perder a mãe, essas crianças ainda carregam consequências psicológicas e sociais que vão durar a vida toda. A profissional destaca a importância de políticas públicas para esse público.
“Nesse ponto, os Conselhos Tutelares, assim como os sistemas CREAS e CRAS tem se mostrado importantíssimos para a recuperação da saúde mental dessas crianças, a despeito da falta de recursos públicos. Esse é um dos pontos mais sensíveis da Lei Maria da Penha e da Lei Henry Borel, já que muitas vezes a criança acaba sendo vítima do mesmo padrão de comportamento do agressor”, comenta.
Veja vídeos de Mato Grosso do Sul:

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