Quem é a médica pioneira no tratamento de leucemia infantil no Brasil


Fundadora do Boldrini lançou 1º protocolo de tratamento da leucemia da criança nos anos 80. Reportagem faz parte de série em comemoração aos 45 anos da EPTV, celebrados nesta terça. “Ariana, fala grosso e meio teimosa”. É assim que Silvia Brandalise, fundadora do Centro Infantil Boldrini, em Campinas (SP), se descreve. Mas, acima de tudo, é uma mulher que em toda a vida teve um desejo que se sobrepôs a todos os outros: ser médica.
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Foi guiada por esse desejo que Brandalise se tornou pioneira no tratamento de leucemia infantil no Brasil e instalou, no interior de São Paulo, uma unidade hospitalar dedicada ao tratamento do câncer em crianças referência na América Latina.
Eu faço aquilo que me dá o maior prazer, e o maior prazer é levantar cedinho, tomar um café e vir para o lugar, para mim, mais prazeroso, que é ficar no hospital. […] Não [me considero pioneira]. Busco bons exemplos e, a hora que você me prova que é um bom exemplo, eu copio aquele bom exemplo.
📺 A história da médica é a primeira de uma série de reportagens da EPTV, afiliada à TV Globo, sobre personalidades pioneiras que ajudaram a transformar a região, em comemoração aos 45 anos da emissora, celebrados nesta terça-feira (1º).
Silvia Brandalise, fundadora do Centro Infantil Boldrini, em Campinas (SP)
Reprodução/EPTV
A força do ‘chamado’
Apesar da vontade irremediável de cuidar do próximo, Brandalise conta que nunca teve o desejo de trabalhar com pacientes oncológicos infantis. Ainda assim, a vida deu um “jeitinho” de guiar a médica em direção ao que, futuramente, se tornaria o hospital.
“A mãe fala assim para mim: ‘Eu soube que meu filho não tem mais chance de cura. Eu podia te pedir um favor?’. O que você quer, Vera? ‘Cuida das crianças com leucemia’. Eu fiquei tão emocionada, as lágrimas começaram a sair do olho. […] Fui correndo para o banheiro e as lágrimas caíam. Eu não entendo até hoje por que me emocionou muito aquele chamado”, lembra.
Depois disso, outros pacientes surgiram, e uma criança mudou tudo. “Um menino de 8, 9 anos de idade, tenta o suicídio na Santa Casa. ‘Tia, eu não quero mais viver. Você viu o quarto onde eu estou internado? Você viu onde minha mãe dorme?’”, relata a médica.
Sem saber o que eu estava dizendo, eu disse: ‘Eu te prometo que eu vou fazer um hospital só para doenças que você tem. Vou fazer um quarto bonito que vai ter uma janela em todo quarto, para a criança ver o céu, o sol, as plantas, as flores. Eu vou fazer um quarto e um banheiro para cada mãe, com uma cama. Nenhuma mãe vai dormir mais no chão. E eu quero que você me prometa que não vai repetir o que você fez. Então estamos quites’.
Hospital do Centro Infantil Boldrini, localizado em Campinas (SP)
Ely Venâncio/EPTV
Pioneirismo
Nasce, assim, o que seria o Centro Infantil Boldrini. Para que tudo pudesse se tornar realidade, das flores na janela às camas para as mães, contou com a doação de uma casa do Clube Lady de Campinas e a ajuda de um médico dos Estados Unidos.
Na década de 1980, a médica lançou, ao nível nacional, com a Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (SBHH), o primeiro protocolo de tratamento da Leucemia Linfoide Aguda (LLA) da criança.
Nós temos resultados quase iguais aos dos grandes centros americanos, então 84% de sobrevida, mas eu queria ir para 90%. […] Uma mãe ganhou, no enterro do filho dela, de um desconhecido que estava no cemitério, e me trouxe de presente esse papelzinho. A tristeza acabou sendo transformada através dessa poesia.
E a poesia no papel, que hoje também ocupa as paredes do Boldrini, dizia:
“Se não houver frutos
Valeu a beleza das flores
Se não houver flores
Valeu a sombra das folhas
Se não houver folhas
Valeu a intenção da semente”
Centro Infantil Boldrini, em Campinas (SP), recebe crianças diagnosticadas com câncer
Reprodução/EPTV
O primeiro paciente
André Macluf ainda se lembra do tratamento contra o câncer pelo qual precisou passar na infância. Foi ele quem, aos 5 anos, deu o “empurrãozinho” que Brandalise precisava para se dedicar integralmente à oncologia pediátrica.
“Tinha de 5 para 6 anos e, a princípio, a doutora Silvia não quis pegar meu caso. Ela falou que não era especialista, que não era oncologista nem hematologista, e iria me indicar para uma clínica em São Paulo. Numa dessas idas e vindas, eu pedi para a doutora Silvia me tratar”, recorda.
A médica, por sua vez, ainda guarda na memória a insistência. “André, não posso cuidar porque eu não sei tratar dessa doença. ‘Não importa, tia, cuida de mim’. Começou a me puxar e berrar e eu falei: ‘Para de berrar! Para de chorar que eu vou cuidar de você, vai’. Fui nocauteada por ele”, diz Brandalise.
Esse nocaute foi o que fez Silvia deixar o cargo de chefe da enfermaria pediátrica do Hospital de Clínicas da Unicamp. A recompensa é ver que, assim como muitos outros pacientes que passaram pelo Boldrini, André hoje aproveita a vida ao lado da filha – que, assim como Silvia, carrega o sonho de ser médica.
André Macluf, dentista e primeiro paciente do Centro Infantil Boldrini
Reprodução/EPTV
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