Espécie de árvore invasora ameaça biodiversidade de mangue em SP e pode causar ‘efeito desastroso’ no país


Biólogos apontam que a planta encontrada em Cubatão (SP) pode causar o empobrecimento da biodiversidade e, por isso, deve ser erradicada do Brasil. Biólogos encontraram árvore de Sonneratia apetala com mais de 12 metros de altura
Arquivo Pessoal
Uma espécie de árvore exótica foi descoberta no mangue de Cubatão, na Baixada Santista, durante uma ação de monitoramento de biólogos. Conforme apurado pelo g1, a suspeita é que a Sonneratia apetala chegou à região por meio de navios internacionais que atracaram no Porto de Santos.
Apesar da novidade, especialistas apontam que a planta pode causar o empobrecimento da biodiversidade e, por isso, deve ser erradicada do país (veja mais adiante).
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De acordo com o biólogo Edmar Hatamura, a espécie pode ter ido para o estuário de Cubatão por meio da água de lastro – recolhida do mar e armazenada em tanques de embarcações para garantir a estabilidade – de navios provenientes da China.
“O tráfego entre os portos de Santos e Shenzhen, na China, é muito intenso, principalmente pela exportação de minério de ferro e soja”, explicou o especialista.
O biólogo enfatizou que a Sonneratia apelata é natural da Índia, mas foi introduzida nos mangues chineses com objetivo de recuperar os ambientes degradados. Apesar disso, ela não é mais usada na China porque se prolifera abundantemente e compete com outras espécies locais. “Em Hong Kong estão tentando erradicar esta planta de seus manguezais há mais de oito anos”, relatou.
Descoberta
Hatamura encontrou a espécie enquanto trabalhava com o biólogo e pesquisador Geraldo Eysink em um projeto de restauração dos manguezais degradados de Cubatão, que pertencem à empresa de gestão ambiental HC2 Holambra.
A árvore, que possui flores e pode crescer até 15 metros, chamou atenção dos profissionais. “A flor é muito bonita. Pesquisamos e não era de nenhuma espécie conhecida dos mangues brasileiros”, disse Hatamura.
Após alguns meses, os profissionais viram os frutos da árvore e, com base neles, identificaram a espécie com auxílio da bióloga e professora da Universidade de São Paulo (USP) Yara SchaeƯer-Novelli.
“Realizamos pesquisa bibliográfica e em discussão com Dra. Yara, percebemos se tratar de uma espécie exótica. Depois, fizemos um levantamento completo da região, com auxílio de um drone especial, e acabamos detectando outros exemplares da mesma espécie. Alguns já com mais de 12 metros de altura”, afirmou Hatamura.
Segundo os biólogos, ainda não há registros da espécie em outras cidades da Baixada Santista. No entanto, o estudo é ampliado para verificar se a planta se proliferou.
“Já identificamos algumas árvores isoladas, bem longe do foco, e, não tivemos dúvidas, já fizemos a supressão, por nossa conta e risco, pois temíamos que, as sementes estariam se espalhando para a região de São Vicente”, disse o biólogo.
Características e riscos
De acordo com os especialistas, a planta adulta de Sonneratia apetala produz mais de 2 mil frutos por ano e cada um tem aproximadamente 60 sementes. Além disso, a espécie cresce rápido e se adapta facilmente em solos pobres de nutrientes.
Flor (à esq.) e frutos (à dir.) de Sonneratia apetala em Cubatão (SP)
Arquivo pessoal
Os riscos ainda são estudados, mas os biólogos apontam que a planta pode causar o empobrecimento da biodiversidade, por conta da competição e predominância.
“Pode significar uma degradação do ambiente que é considerado um verdadeiro berçário. Isso vai afetar todos os pescadores da região”, afirmou Hatamura.
De acordo com os profissionais, a espécie nunca havia sido detectada no continente americano e, por isso, caso se espalhe pelos manguezais brasileiros, pode causar um “efeito desastroso”.
Medidas
Com auxílio da professora universitária, os biólogos publicaram um artigo sobre o encontro da planta e passaram a buscar qual agência da administração pública brasileira estaria a cargo de cumprir a erradicação da espécie exótica invasora.
Hatamura contou que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) se reuniu com diversos órgãos ambientais para discutir o assunto em março de 2024. “Nesta reunião ficou claro para todos a necessidade de erradicação desta espécie no mangue de Cubatão”.
Ainda segundo o biólogo, a Fundação Florestal iniciou medidas para conter a dispersão da espécie, abrindo uma licitação para cortar 250 árvores e cobrir com a própria lama do mangue para diminuir a produção de frutos e retardar a proliferação no mangue de Cubatão.
“Esta operação é muito importante, mas não resolverá a questão. Será necessário um plano de erradicação, com o mapeamento da área ocupada atualmente e monitoramento constante, para detectar as plantas antes que atinjam a maturidade e comecem a produzir frutos e também verificar se as plantas cortadas (250) não estão rebrotando”, afirmou Edmar.
Ainda de acordo com ele, a empresa HC2-Gestão Ambiental também elabora um Plano de Gestão de Erradicação da Sonneratia apetala no Manguezal (PGESAM) para ser apresentado ao Ibama e outros órgãos ambientais governamentais.
Primeira Sonneratia apetala identificada no mangue de Cubatão (SP)
Arquivo pessoal
Confira a lista feita pelos biólogos de medidas importantes para erradicação da espécie na região:
Alertar outros portos sobre a possibilidade de ocorrência desta espécie em manguezais;
Criar uma estrutura nos órgãos ambientais para tratar o problema de Espécie Exótica Invasora (EEI), agilizando a atuação em caso de detecção precoce;
Envolver as comunidades locais (neste caso os pescadores) para detectar e alertar sobre novas ocorrências;
Fiscalizar efetivamente a água de lastro dos navios que chegam ao Porto de Santos;
Pesquisar a fauna e a flora do manguezal para identificar possíveis espécies exóticas.
Órgãos
Prefeitura
De acordo com a Prefeitura de Cubatão, o manguezal é considerado Área de Preservação Permanente (APP) e, portanto, o monitoramento está sob o guarda-chuva dos órgãos ambientais federais.
No entanto, a administração municipal afirmou que tem conhecimento do estudo científico e entende a importância dele, pois aponta um problema de desequilíbrio ambiental.
“O município vem fazendo acompanhamento dessa vegetação invasora e vai oficializar tanto o Ibama quanto o Porto de Santos para atualização acerca de informações sobre o avanço da espécie nos mangues e quais medidas estão sendo tomadas para remoção ou controle da mesma”, concluiu.
Ibama
O Ibama informou que realiza esforços no controle e monitoramento da espécie invasora, com objetivo de estabelecer medidas para a erradicação dos espécimes detectados, contendo a dispersão para outras localidades e promovendo ações preventivas focadas na comunicação aos estados costeiros.
“Entre as ações já realizadas, destacamos a supressão de indivíduos na área afetada, conforme protocolo previamente aprovado por este Instituto, bem como a produção de materiais de divulgação ao público interno e externo. Atividades futuras incluem aplicação de metodologia de campo que viabilize um diagnóstico completo da situação da árvore exótica no local do manejo, incluindo busca ativa e uso de drone, bem como a avaliação dos manguezais vizinhos”, afirmou.
Ainda segundo o instituto, a chave para o controle de bioinvasões é a detecção precoce de espécies exóticas invasoras e a comunicação imediata aos órgãos ambientais competentes. “A constatação de espécies invasoras da fauna e flora deve ser relatada no Sistema de Informação de Manejo de Fauna (SIMAF)”, finalizou.
Autoridade Portuária
Em nota, a Autoridade Portuária de Santos (APS) relatou ter um processo licitatório, em aberto, prevendo a elaboração de um diagnóstico dos manguezais na área de influência direta do Porto de Santos. “Ele tem por objetivo a verificação da presença de espécies exóticas nessas áreas de manguezal e o acompanhamento das bordas de mangue, com foco na identificação de supressões de vegetação (especialmente invasões por moradias irregulares) e evoluções de processos erosivos”.
O órgão ainda afirmou que a competência legal para a questão da água de lastro é da Marinha do Brasil e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Apesar disso, a APS afirmou que presta apoio, por meio da realização de operações de fiscalização em navios, conjuntamente com outras autoridades competentes.
A Autoridade Portuária também informou que possui um programa de monitoramento de espécies exóticas aquáticas marinhas que comunica às autoridades competentes eventuais registros de espécies exóticas.
Também em nota, o órgão disse que chegou a implementar uma norma sobre o controle de gestão e conformidade da água de lastro de navios e embarcações em atividade no porto. “No entanto, tal exigência foi suspensa pela Antaq [Agência Nacional de Transportes Aquaviários] em atendimento à uma queixa efetuada pelos armadores”.
Anvisa
Também em nota, a Anvisa informou que a água de lastro, em geral, pode ser liberada em área portuária, exceto quando houver recomendação específica da área ambiental ou risco sanitário atribuído ao local em que foi captada.
“A Anvisa não possui competência para atuação na esfera ambiental. A atuação da Agência é pautada na fiscalização do esgoto, no sistema de tratamento e tanque de dejetos, relacionados ao risco sanitário”, pontuou.
Marinha
A Marinha do Brasil (MB), informou que é responsável pela salvaguarda da vida humana e segurança da navegação no mar aberto e hidrovias interiores, bem como pela prevenção da poluição ambiental causada por navios, plataformas e suas instalações de apoio.
Por isso, publicou as Normas da Autoridade Marítima para Assuntos de Meio Ambiente (NORMAM-401). “Conforme definido na NORMAM-401, água de lastro é a água, com suas partículas em suspensão, levada a bordo nos tanques de lastro de uma embarcação para controle de trim, banda, calado, estabilidade ou tensões estruturais. O gerenciamento dessa água é de responsabilidade do comandante do navio, que deve realizar o tratamento da água e de seus sedimentos conforme as diretrizes estabelecidas pela Organização Marítima Internacional (IMO)”.
Segundo a MB, o tratamento pode incluir processos mecânicos, físicos, químicos ou biológicos, individualmente ou em combinação, com o objetivo de eliminar, remover ou neutralizar os organismos aquáticos presentes na água de lastro.
“Todas as embarcações que façam escalas em portos ou terminais brasileiros estão sujeitas à Inspeção Naval com a finalidade de determinar se a embarcação está em conformidade com os requisitos apresentados na NORMAM-401, que deve possuir documentação relacionada à água de lastro”, concluiu.
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