Multipalco revive a história e a obra de Plínio Bernhardt, um grande artista que viveu à sombra dos holofotes

O Multipalco Eva Sopher do Theatro São Pedro vai reviver no período de 11 de junho a 6 de julho a história de Plínio César Livi Bernhardt, um dos grandes pintores, gravuristas, desenhistas e professores de artes no Brasil. Foi um artista que viveu longe dos holofotes, das manchetes, mas teve uma obra cheia de valor e reconhecida pelo setor cultural internacional. Ele sempre viveu nas sombras da fama, mas quem viu seus trabalhos nunca deixou de exaltar os seus méritos.

Registro das Missões Jesuíticas em 1947 – Divulgação

As Missões Jesuíticas, por exemplo, não esquecem a sua passagem por lá. Plínio foi um dos alunos mais brilhantes que participou da caravana de estudos promovida em 1947 pelo Instituto de Belas Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), para registrar aqueles locais que se tornaram patrimônio da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Ali, ele registrou em seus óleos sobre telas de linho o cenário histórico, um dos mais visitados do estado.

A publicação Viagem às Missões, do Centro Acadêmico Tasso Corrêa do instituto, relata em detalhes aquela caravana dos acadêmicos, liderados pelo professor de pintura, Benito Castañeda. O livro descreve assim a atividade: “Depois do almoço se armavam os cavaletes. Foi interessantíssimo apreciar o espetáculo. O descampado fronteiro ao templo, outrora praça principal do povo, estava agora pontilhado pelos cavaletes do professor Castañeda e também de Plínio Bernhardt, colorido aqui e ali pelos vestidos de Alice Brueggemann, Hilda Gráu, Suelí e Lígia Fett, que se enrodilhavam com a caixa de pintura ao colo.”

Pois, agora, Plínio (nasceu em 1927 em Cachoeira do Sul e morreu em Porto Alegre em 2004) será relembrado com todas as honras que a sua trajetória merece. Ele se formou em Artes Plásticas em 1948 e foi um dos alunos mais dedicados de Iberê Camargo em 1965. Também participou do Clube de Gravura de Porto Alegre junto com os estrelados Carlos Scliar, Vasco Prado e Glênio Bianchetti, entre tantos outros.

A exposição Plínio Bernhardt: arte eternizada no São Pedro volta ao Theatro terá acesso gratuito – Divulgação

Sua contribuição na área do ensino foi relevante como professor de educação artística na rede pública e, também, de desenho da figura humana no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), onde lecionou até um mês antes de sua morte.

A exposição Plínio Bernhardt: arte eternizada no São Pedro volta ao Theatro vale a pena ser visitada com prazer e tempo e terá acesso gratuito de terça a domingo das 12h às 19h. A curadoria é do único filho de Plínio e Yvonne, José Eduardo Bernhardt, nascido em 1955 em Porto Alegre.

Os pais foram professores até suas aposentadorias. Logo que casaram, em 1948, foram morar em Caçapava do Sul, onde davam aulas. Moraram por alguns anos no Interior e voltaram para Porto Alegre. A militância política foi integralmente à esquerda, a partir de Leonel Brizola.

José Eduardo é, hoje, jornalista e sanitarista, que trabalhou por mais de 40 anos principalmente nas assessorias de imprensa da Secretaria Estadual da Saúde e Grupo Hospitalar Conceição. Esteve ali também nos tempos do governador Olívio Dutra.

A organizadora do evento é a Fundação Theatro São Pedro. Foram selecionadas obras, como uma aquarela de cenário operístico e desenhos de seres fantásticos. Inclui, ainda, gravuras do Clube de Gravura de Porto Alegre e telas das ruínas das Missões Jesuíticas, pintadas em 1947. Também estarão expostos objetos pessoais e instrumentos de trabalho que atualmente estão no Margs.

Pintura do teto do Theatro São Pedro

Estudo para pintura do teto do Theatro São Pedro – Divulgação

Um dos aspectos mais interessantes da mostra de homenagem a Plínio é a obra conjunta com outros artistas da pintura do teto do Theatro, durante o processo de restauração realizado na década de 1970. Sua obra aborda, em boa parte, temas ligados ao universo teatral. Destacam-se ilustrações de instrumentos musicais, fachadas de casas de espetáculos e prédios históricos, entre outros. O espólio do pintor encontra-se aos cuidados de seu filho.

O teto do local transformou-se em um enorme painel que retrata elementos da flora e da fauna do estado. Plínio Bernhardt, ao lado de Léo Dexheimer, Danúbio Gonçalves e Carlos Mancuso, integrou a equipe responsável por essa criação, a convite de Eva Sopher.

A contribuição do homenageado foi fundamental para que essa pintura se tornasse mais do que um elemento decorativo, constituindo-se como um registro da identidade e da história gaúcha, hoje transformada em bem tombado e protegido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae).

Referência da arte gaúcha no século XX, Plínio participou do movimento modernista, sendo um dos fundadores da Associação Francisco Lisboa e do Clube de Gravura de Porto Alegre. Sua obra é marcada pela valorização da figura humana, do corpo, do cotidiano e do imaginário do interior gaúcho, criando uma iconografia própria. Foi diretor do Margs em 1974 e, até seus últimos anos, ministrou no local uma oficina de desenho da figura humana, além de explorar temas como fachadas, abstrações e seres imaginários.

Homenagem

“As coloridas telas dos instrumentos musicais, por exemplo, levam a uma colagem de Beethoven, autor predileto de Plínio”, explica José Eduardo – Divulgação | Divulgação

A ideia da homenagem surgiu no ano passado, segundo conta o filho José Eduardo. “Não imaginei que isto me levaria a uma fantástica viagem no tempo como uma testemunha privilegiada na busca da enorme quantidade dos seus trabalhos e lembranças inesquecíveis da vida e obra do meu pai. A exposição, ideia prontamente abraçada pelo presidente da Fundação, Antônio Hohlfeldt, estava prevista inicialmente para o período de janeiro a março deste ano. Por uma feliz ironia do destino a mostra teve que ser adiada. Foi excelente, ganhei tempo e energia para empreender minha viagem.”

A partir daí o trabalho foi gigante. Para o filho José Eduardo, a exposição destaca temáticas relacionadas ao teatro em geral. “As coloridas telas dos instrumentos musicais, por exemplo, levam a uma colagem de Beethoven, autor predileto de Plínio. Ele gostava de pintar ouvindo principalmente a 5ª Sinfonia, conhecida como a sinfonia do destino.”

O filho recorda que a música sempre esteve presente com sinfonias de Beethoven, Tchaikovsky, óperas como Aida de Verdi, mas também Música Popular Brasileira, como Maria Bethânia e Chico Buarque, embalando o ritmo dos pincéis e pastéis na elaboração das telas e desenhos.

Outro recorte são as fachadas de prédios históricos como os teatros de Triunfo e o da Ópera, de Ouro Preto, Minas Gerais. Plínio eternizou em suas telas várias fachadas do Rio Grande do Sul e do Brasil.

Gravuras na garagem

A linoleogravura de mulher em fundo vermelho foi feita na garagem, na rua Fernando Machado – Divulgação

As gravuras de Plínio chegam ao teatro a partir do Clube de Gravura de Porto Alegre, incluindo ainda outras peças de linóleo, xilogravura e litografia. Foi bom também mostrar as goivas (ferramenta artística) e matrizes do artista, utilizadas para a realização das obras.

Outra surpresa: encontrar a anotação na linoleogravura de mulher em fundo vermelho, revelando que foi feita na garagem, na rua Fernando Machado, onde ele estacionava seu Austin 1951. Plínio guardava e anotava tudo.

“Na maior parte dos 55 anos de casamento meus pais moraram no Centro Histórico da capital gaúcha. Era 1965, quando eu tinha 10 anos, minha recordação resume-se a saber que sempre depois de um longo dia de trabalho e das aulas noturnas no Colégio Inácio Montanha, onde ministrava aulas de desenho, Plínio guardava o carro naquela garagem. A gente morava num edifício do outro lado da rua. Lembro dele chegando em casa sempre depois das onze da noite. Confesso que não recordava que a garagem da Fernando Machado, também era local para as artes plásticas, que na época só podiam ser feitas nas horas de folga”, relembra.

Xilogravuras de Plínio exploravam tipos humanos da região, com seus usos, tradições e ocupações – Divulgação

“Plínio Bernhardt foi um dos fundadores do Clube de Gravura, de Porto Alegre, em 1950, fazendo do grupo de jovens artistas, responsável nos anos seguintes por uma renovação e uma grande difusão da gravura, que repercutiria em todo país. O Clube defendia uma posição estética partidária do realismo social, e seus integrantes adeptos da arte para o povo”, diz.

As primeiras xilogravuras de Plínio exploravam a mesma temática de outros componentes do grupo: tipos humanos da região, com seus usos, tradições e ocupações. Não raro, executavam ainda meros panfletos políticos, como o que Plínio imprimiu para um então candidato comunista a deputado. Apesar de ter realizado poucas gravuras nesta época, ele soube, segundo o crítico de arte Carlos Scarinci, captar com exemplar dramaticidade as trabalhadoras das plantações de fumo. Maravilhosa é, também, a imagem de um gaúcho a cavalo, quase um ícone sul-rio-grandense”, baseado em texto de Roberto Schmidt Prym para o jornal do Margs.

O último retrato

A série de telas grandes Esqueletos começou no início dos anos 1990 e se manteve até 2003, ano anterior à sua morte – Divulgação

Pode parecer que as telas de Esqueletos de Plínio têm relação com a doença que o vitimou em 14 de abril de 2004. Na verdade, o tema desta série de telas grandes começou no início dos anos 1990 e se manteve até 2003, ano anterior à sua morte. Desde 1980 sua pintura, desenhos e gravuras já mostravam seres extraordinários e outros que ele chamava de animais. 

Começava a surgir esse universo fantástico na arte de Plínio. “Certa vez minha esposa Anita perguntou ao sogro se a temática das obras tinha relação com seu estado de espírito ou saúde. Ele respondeu prontamente que não e que estava tudo bem. Foi fato. Mais de uma década se passou com um intenso trabalho do artista. As quatro telas de um metro e oitenta por um metro e meio de Esqueletos, presentes na exposição, foram produzidas em período bem próximo ao seu falecimento. O retrato feito por Fernando Zago no final de 2003, mostra o Plínio Bernhardt rodeado por seus Esqueletos”, relata o filho José Eduardo.

Retrato feito no final de 2003 mostra o Plínio Bernhardt rodeado por seus Esqueletos – Foto: Fernando Zago

Embora doente, está com um ar altivo, olhando para o futuro de frente e demonstrando sua personalidade estóica. Além das pinturas, ele não deixou de ministrar o curso de desenho da figura humana, nos torreões do Margs, até suas últimas forças. Quem sabe ele, ao posar para seu último retrato, não pensava no lema dos formandos de 1948 do Instituto de Belas Artes, atribuído ao filósofo grego Hipócrates “a arte é longa e a vida é breve”. Ele também deveria estar refletindo sobre seu enorme legado que iria deixar, incluindo sua produção de obras nos mais de 60 anos de arte e pelos ensinamentos aos seus alunos.

O post Multipalco revive a história e a obra de Plínio Bernhardt, um grande artista que viveu à sombra dos holofotes apareceu primeiro em Brasil de Fato.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.