O município de Pelotas (RS) foi sede do primeiro encontro do projeto voltado à capacitação de mulheres kilombolas do bioma Pampa. A atividade reuniu 82 participantes de 25 comunidades quilombolas distribuídas em nove municípios gaúchos. Durante os dias 5 e 6 de junho, as mulheres debateram temas como participação política, enfrentamento ao racismo e construção de espaços de representatividade dentro e fora de seus territórios.

A iniciativa é desenvolvida pela Fundação Luterana de Diaconia (FLD), por meio do Programa de Educação Antirracista, em articulação com o Ministério das Mulheres. O objetivo do projeto é contribuir para a formação sociopolítica de mulheres kilombolas do Pampa, promovendo espaços seguros de escuta, aprendizagem e fortalecimento de vínculos entre as lideranças locais.
“Hoje, com a consciência de quem somos, do nosso racismo, nós precisamos nos movimentar junto com os povos e comunidades tradicionais para que, de fato, consigamos fazer aquilo que é imprescindível, que é o enfrentamento ao racismo e não aquilo que é fácil, não aquilo que é confortável para um conjunto de organizações da sociedade civil, do movimento social, ainda majoritariamente brancas, que se defendem”, afirmou a secretária executiva da FLD, Cibele Kuss.

A coordenadora do Programa de Educação Antirracista da FLD, Juliana Soares, também reforçou a importância de uma abordagem formativa baseada em perspectivas diversas. “Queremos trabalhar para libertar esse conhecimento. Somos diferentes, pensamos de formas diferentes, entendemos o território de forma diferente, mas todos contribuímos para a construção desse país. Não é justo que nossas epistemologias e culturas sejam silenciadas diariamente”, defendeu.
Além das rodas de conversa, as participantes estiveram presentes na inauguração do espaço do Programa de Educação Antirracista da FLD, também em Pelotas. A cerimônia contou com a presença de representantes indígenas, de organizações da sociedade civil e do poder público. O programa foi criado com o intuito de contribuir para a promoção da equidade racial, por meio de processos formativos voltados à valorização das culturas negra e indígena.
Para Tatiane Dias Schug, do Kilombo Passo do Lourenço, de Canguçu (RS), o encontro foi uma oportunidade de partilha de vivências. “A gente pôde se conectar com outras mulheres e ver que a realidade das mulheres são todas iguais. Em vários momentos a gente se emocionou, a gente pôde falar das nossas dores, que são quase todas iguais”, afirmou. Ela também mencionou o cansaço de sempre precisar ser resiliente: “Foi dito que a gente sempre tem que aceitar ser forte, mas a gente está cansada de ser forte”.
Gabriela Soares Munhós, do Kilombo Corredor dos Munhós, de Lavras do Sul (RS), destacou a troca de saberes como ponto alto da atividade. “Eu fico feliz por saber que teve quem lutou e ainda tem quem lute. Que a nossa comunidade tem voz, que ela tem um lugar. O que achavam que estava dizimado, não está: está mais forte, com mulheres que pensam, que falam, que agem e movimentam”, relatou.
Segundo a assessora de projetos da FLD, Michele Barcelos Corrêa, o encontro se consolidou como um momento de fortalecimento coletivo. “Foi um aquilombamento de saberes e afetos que permitiu a partilha e a aprendizagem a partir das vivências de mulheres que resistem em suas comunidades. Estar entre mulheres de diferentes idades e experiências é renovar-se e restaurar forças para o enfrentamento às violências, ao machismo e ao racismo”, destacou.
Formação nos territórios
A proposta do projeto surgiu da constatação da falta de espaços contínuos de formação política voltados às mulheres kilombolas do Pampa. O isolamento geográfico e a distância em relação aos centros urbanos e políticos têm sido obstáculos à participação das mulheres em instâncias decisórias. Ao criar momentos formativos nos próprios territórios, a iniciativa busca ampliar a atuação política dessas lideranças em suas comunidades e junto às políticas públicas.
Ao todo, são acompanhadas 25 comunidades dos municípios de Rio Pardo, Pelotas, Canguçu, Aceguá, Bagé, Lavras do Sul, Santana do Livramento, Rosário do Sul e São Gabriel.
A escolha pela grafia kilombola, com “k”, reflete o respeito à origem linguística africana do termo.

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