
Em meio aos textos religiosos que moldaram o cristianismo, o Evangelho de Tomé se destaca como um enigma. Enquanto os quatro Evangelhos do Novo Testamento — Mateus, Marcos, Lucas e João — narram a vida, milagres e ressurreição de Jesus, este documento antigo segue um caminho radicalmente diferente.
Composto por 114 frases atribuídas a Jesus, ele não conta histórias de curas ou crucificação. Em vez disso, propõe que a salvação está no autoconhecimento e na descoberta de verdades ocultas. Mas por que esse texto nunca entrou na Bíblia? E o que suas palavras revelam sobre as diversidades do pensamento cristão nos primeiros séculos?
Uma Coleção de Segredos, Não de Narrativas
Diferente dos Evangelhos tradicionais, que misturam discursos com relatos sobre o nascimento, morte e ressurreição de Jesus, o Evangelho de Tomé é uma lista de ensinamentos. Seu prólogo já anuncia o tom misterioso: “Estas são as palavras secretas que Jesus, o Vivente, proferiu, e que Judas Tomé Dídimo registrou”.
Não há menção a parábolas conhecidas, como a do Bom Samaritano, nem detalhes sobre a Última Ceia. Aqui, Jesus é apresentado como um mestre que transmite sabedoria por meio de frases enigmáticas, muitas delas começando com “Jesus disse…”.
A ausência de uma estrutura narrativa levou estudiosos a datarem sua composição para o século II d.C., décadas após a morte dos apóstolos. Isso coloca em dúvida a autoria atribuída a Tomé, um dos doze discípulos. Bart Ehrman, historiador e autor de After the New Testament, sugere que, embora algumas dessas frases possam remontar ao próprio Jesus, o texto como um todo reflete influências posteriores, especialmente do gnosticismo — uma corrente de pensamento que valorizava o conhecimento interior acima de ritos e hierarquias religiosas.

O Evangelho de Tomé não foi incluído na Bíblia.
Os Critérios Que Deixaram Tomé Fora da Bíblia
A exclusão do Evangelho de Tomé do cânone bíblico não foi um acidente. Nos primeiros séculos, a Igreja estabeleceu regras rígidas para definir quais textos seriam considerados sagrados. Três critérios eram essenciais:
Origem Apostólica: O texto precisava ser vinculado a uma testemunha ocular da vida de Jesus, como um apóstolo ou seu companheiro próximo. Como Tomé (suposto autor) já estaria morto quando o evangelho foi escrito, sua autoria foi considerada inválida.
Alinhamento Doutrinário: As ideias do livro deveriam harmonizar-se com outros textos cristãos. O Evangelho de Tomé, porém, carrega traços gnósticos, como a ideia de que a salvação vem do autoconhecimento, não do sacrifício de Jesus. Para líderes da Igreja primitiva, isso soava como uma distorção do núcleo da fé.
Aceitação Ampliada: Os quatro Evangelhos canônicos já eram amplamente usados nas comunidades cristãs. Incluir um quinto, com visões tão distintas, geraria conflitos desnecessários.
Esses fatores consolidaram a rejeição ao texto. Mas mais do que uma “proibição”, como alguns alegam nas redes sociais, houve um processo de seleção que priorizou a coesão teológica e a tradição estabelecida.
Ensinamentos Que Viraram a Mesa
O conteúdo do Evangelho de Tomé desafia noções centrais do cristianismo tradicional. Um exemplo é sua visão sobre o “Reino de Deus”. Enquanto os Evangelhos canônicos falam de um reino futuro ou celestial, Tomé apresenta uma perspectiva introspectiva:
“Se os que vos guiam disserem: ‘Vejam, o reino está no céu’, então os pássaros chegarão antes de vocês. Se disserem: ‘Está no mar’, os peixes os precederão. Na verdade, o reino está dentro de vocês e ao redor de vocês.”
Essa ideia de divindade interior contrasta com a ênfase bíblica na intervenção divina externa, como a ressurreição. Para o Evangelho de Tomé, a ignorância — não o pecado — é o grande problema da humanidade. Conhecer a si mesmo e desvendar os mistérios espirituais seria o caminho para a libertação, como na frase: “Reconheça o que está diante de seus olhos, e o que está oculto se revelará. Pois nada há escondido que não venha à luz.”
Algumas passagens são tão crípticas que geram múltiplas interpretações. Uma delas compara o homem a um pescador sábio que, após encher a rede de peixes pequenos, escolhe apenas o maior. A mensagem? Priorizar o essencial em meio ao trivial — uma metáfora para buscar a verdade além das aparências.
Gnosticismo: A Chave Para Entender as Diferenças
O gnosticismo, movimento espiritual do qual o Evangelho de Tomé é frequentemente associado, via a matéria como imperfeita e a salvação como um despertar espiritual. Para os gnósticos, Jesus não era um salvador que redimia pecados através do sangue, mas um guia que revelava conhecimentos secretos para libertar a centelha divina dentro de cada pessoa.
Isso explica por que o texto ignora eventos como a crucificação. Em vez de focar na morte física, ele trata a vida como uma jornada de iluminação. Essa visão entrava em choque com a Igreja primitiva, que via na ressurreição de Jesus a garantia da vitória sobre a morte e o pecado.
Por Que o Evangelho de Tomé Ainda Fascina?
>Hoje, o interesse por textos como o Evangelho de Tomé reflete uma busca por espiritualidades alternativas. Sua ênfase na autonomia espiritual — a ideia de que a verdade está dentro do indivíduo, não em instituições — ressoa em uma era de ceticismo em relação a estruturas religiosas tradicionais.
Além disso, a descoberta de uma cópia do evangelho em Nag Hammadi, Egito, em 1945, reacendeu debates acadêmicos. Estudiosos analisam se suas frases preservam tradições orais mais antigas sobre Jesus, independentes dos Evangelhos canônicos.
Embora não faça parte da Bíblia, o Evangelho de Tomé oferece uma janela para a diversidade do cristianismo primitivo. Suas palavras desafiam a ideia de uma fé monolítica, mostrando que, nos primeiros séculos, múltiplas vozes disputavam espaço para definir quem era Jesus e qual o caminho para a salvação. Enquanto a Igreja optou por uma visão unificada, textos como esse lembram que a história religiosa é feita de escolhas — e de caminhos que ficaram fora do mapa.
Esse Texto antigo excluído da Bíblia revela ensinamentos secretos de ‘Jesus’ que mudariam sua mensagem foi publicado primeiro no Misterios do Mundo. Cópias não são autorizadas.