O agronegócio superou a mineração como principal motor das exportações de Minas Gerais. Entre janeiro e novembro de 2024, o setor agropecuário mineiro arrecadou US$ 15,7 bilhões, contra US$ 14,5 bilhões do setor mineral, segundo dados divulgados pela Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
O avanço, comemorado pelo governo estadual como um marco positivo, levanta, no entanto, preocupações sobre os efeitos sociais, econômicos e ambientais desse modelo de desenvolvimento. Em março deste ano, Romeu Zema (Novo) chegou a sugerir que o estado passasse a chamar “Agro Gerais”.
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O professor de geografia Estevan Coca, da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), considera que a leitura do governo mineiro sobre o avanço do agro é limitada e ignora os impactos de longo prazo.
“Esse crescimento não significa um avanço social, econômico ou ambiental. Pelo contrário, reforça a inserção subordinada de Minas na divisão internacional do trabalho”, afirma.
Segundo Coca, a estrutura produtiva que impulsiona esses números está profundamente concentrada.
“O crescimento é baseado no protagonismo de grandes corporações, muitas delas estrangeiras, que monopolizam o território e os recursos naturais, especialmente a terra e a água”, explica.
Números são alarmantes
Dados organizados pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas Regionais e Agrários (Nepra) da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) apontam para diversos problemas causados pelo agronegócio no semiárido mineiro.
Segundo um mapa organizado pelo grupo, entre 2007 e 2022, foram computados 657 casos de intoxicação por agrotóxico de uso agrícola nessas regiões. O semiárido também registrou altas taxas de conflitos por água: cerca de 189, entre 2002 e 2021, o que impactou mais de 45 mil famílias.

Conflitos por terra também são altos. Neste mesmo intervalo de tempo, 357 desafios foram registrados, o que impactou mais de 32 mil famílias.
No que se refere ao trabalho escravo no campo, entre 2002 e 2020, houve 47 ocorrências, com 635 trabalhadores envolvidos.
“Quando o governador faz essa fala de que o agronegócio, em Minas Gerais, supera a mineração, nós estamos falando de um cenário lamentável. Falamos de alguém [Zema] que deveria enxergar o que é o estado de Minas Gerais e o seu potencial”, reflete Gustavo Cepolini, professor de geografia na Unimontes.
“Um Produto Interno Bruto (PIB) que ultrapassa R$ 1 trilhão no ano ter nesses dois setores [mineração e agronegócio], commodities, mercadorias, no setor primário, é lamentável. Enquanto nós deveríamos estar pensando num outro modo desenvolvimento”, continua.
Modelo é ameaça ao meio ambiente
Estevan Coca cita um exemplo de uso intensivo das águas no Lago de Furnas, no Sul de Minas, por gigantes do setor cafeeiro como a Ipanema Coffees, sem contrapartida financeira ou ambiental adequada.
O modelo é chamado por estudiosos de “agro-hidronegócio”, conceito que expressa a exploração não apenas da terra, mas também dos recursos hídricos.
“Em Minas, grandes corporações usam indiscriminadamente as águas para produção, enquanto comunidades locais sofrem com a escassez e impactos sociais, como a redução do turismo em regiões como Furnas, que depende do nível mínimo do lago para atrair visitantes”, explica.
Além disso, Coca destaca que o crescimento do agronegócio em Minas Gerais ocorre às custas da agricultura familiar e camponesa, já que a expansão não é feita por pequenos produtores, mas por conglomerados globais.
“É um modelo que reforça a monopolização do território. No Triângulo Mineiro, por exemplo, temos a Mitsui, que controla 87 mil hectares, e a Bunge, com 230 mil hectares de cana. No Sul de Minas, corporações chinesas, japonesas e alemãs dominam o mercado”, aponta.
O professor critica também o discurso de sustentabilidade do setor. Para ele, o agronegócio brasileiro ainda não assimilou práticas como o land sparing (modelo que busca preservar áreas naturais ao intensificar a produção em outras).
“O que existe são ações pontuais que servem mais como vitrine do que como uma real mudança de paradigma. O modelo continua a ser de desgaste ambiental e concentração de renda”, diz.
Entre os principais efeitos desse modelo estão o avanço do desmatamento, o uso intensivo de agrotóxicos e a exploração predatória da água.
“Apesar de o desmatamento ter diminuído em algumas regiões do país, ele persiste, e o consumo de recursos naturais continua acelerado”, afirma Coca.
Solução passa pela agricultura familiar
Gustavo Cepolini explica que 72,7% dos estabelecimentos rurais mineiros são de base familiar, responsáveis pela produção de alimentos, e não meras mercadorias para exportação e questiona onde estão as políticas públicas que apoiam essa agricultura familiar.
“Minas possui o segundo maior número de estabelecimentos familiares do país. Falta investimentos estaduais nesse setor, enquanto a concentração dos lucros está nas mãos de grupos financeiros, muitos com capital internacional”, afirma.
Para ele, a gestão de Zema ignora a pequena produção familiar, que possui grande potencial para suprir o mercado interno e garantir a segurança alimentar.
“O agronegócio não é um ‘salvador’, mas um setor que causa impactos irreversíveis. É um modelo pautado no lucro a qualquer custo, que prioriza números de exportação e atende a interesses de capitais internacionais, e não à soberania alimentar e ao desenvolvimento sustentável”, observa.
Segundo Cepolini, a marca da produção camponesa é abastecer o mercado interno com alimentos de base, distribuídos por circuitos curtos e locais. No entanto, essa produção perde espaço para monocultivos como soja e café, voltados para exportação.
Existem dois grandes desafios, nesse sentido, de acordo com o professor: a dificuldade de financiamento para pequenos e médios produtores e a convivência com monocultivos que utilizam intensivamente agrotóxicos, incluindo pulverização aérea. Há também um sub-registro de casos de contaminação: para cada notificação, estima-se 50 casos não reportados, conta o pesquisador.
Modelo não se sustentará
A Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento revelou que o café teve uma valorização de 15% na saca em 2024, na comparação com o ano anterior, com vendas totalizando US$ 7,1 bilhões (44,6% a mais) e 28,4 milhões de sacas embarcadas.
As carnes também apresentaram números positivos, com US$ 1,4 bilhão e 414 mil toneladas exportadas, com a carne bovina liderando o segmento, com US$ 1 bilhão e 240 mil toneladas.
O professor Estevan Coca relaciona o crescimento recente das exportações de café a fatores conjunturais internacionais, como problemas climáticos em outros grandes produtores, como Vietnã e Indonésia, e às instabilidades geopolíticas, como as guerras na Ucrânia e em Gaza, que desestabilizam cadeias produtivas e fortalecem a posição brasileira como fornecedor global.
Segundo ele, o modelo de Minas Gerais segue concentrado em poucas commodities: café, carne bovina, soja e cana-de-açúcar, todas com forte vínculo com o mercado externo.
“Não existe uma diversificação produtiva real. É um estado que ainda falha em garantir sua soberania e segurança alimentar”, lamenta.
A dependência de cadeias globais também torna a economia local vulnerável a crises internacionais, enquanto não responde a problemas internos, como a fome e a desigualdade.
Alternativas
Diante desse cenário, o professor também defende como alternativa um fortalecimento da agroecologia e da agricultura familiar.
“Minas Gerais precisa colocar na ordem do dia a soberania alimentar. É necessário valorizar circuitos curtos de comercialização e fomentar políticas públicas para a agroecologia”, defende.
Ele lembra que o estado possui polos agroecológicos importantes e que esses espaços podem ser o embrião de uma mudança de paradigma.
“É preciso pensar em uma campanha massiva de territorialização da agroecologia, fortalecer os mercados locais e garantir o escoamento da produção agroecológica que já existe”, afirma.
Para ele, esse é o caminho mais promissor para um modelo de desenvolvimento econômico que respeite as pessoas, o meio ambiente e a diversidade cultural.
Gustavo Cepolini acrescenta que Minas Gerais precisa superar seu modelo ancorado exclusivamente no agronegócio e na mineração.
“Essa diversificação requer políticas públicas que promovam a reforma agrária, a regularização fundiária e o reconhecimento dos territórios de povos e comunidades tradicionais, como quilombolas, geraizeiros, vazanteiros, extrativistas, além de fortalecer famílias acampadas e assentadas em áreas rurais. Esses grupos, muitas vezes invisibilizados, poderiam impulsionar uma produção local de alimentos saudável e diversificada, com potencial de abastecimento regional e nacional”, pondera.
Essas políticas, segundo ele, podem ser articuladas com programas federais como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).