Brasil teve papel de destaque na negociação do Acordo de Pandemias, afirma ministro da Saúde

O primeiro Acordo de Pandemias foi adotado, por consenso, na última segunda-feira (19), pelos Estados-membros presentes na 78ª Assembleia Mundial da Saúde (AMS), da Organização Mundial da Saúde (OMS). A decisão histórica que ocorre após mais de três anos de intensas negociações é uma resposta aos efeitos devastadores da pandemia da covid-19 e motivada pelo objetivo de tornar o mundo mais seguro e equitativo diante de futuras pandemias.

O Brasil participa ativamente da reunião da Assembleia Mundial da Saúde (AMS). A delegação conta com a participação do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, do presidente da Fiocruz, Mario Moreira, da presidenta do Conselho Nacional de Saúde, Fernanda Magano, entre outros integrantes do ministério e organizações brasileiras.

Neste entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o ministro Alexandre Padilha explica o papel do Brasil na decisão através da participação do embaixador Tovar da Silva Nunes, na Mesa Diretora do Órgão de Negociação Intergovernamental (INB). “Sua atuação foi fundamental para a construção de consensos em pontos estratégicos do acordo, como o futuro Sistema de Acesso e Repartição de Benefícios de Patógenos (PABS).”

Confira a entrevista.

Brasil de Fato – Os dois principais temas da Assembleia Mundial da Saúde 2025 são o Acordo de Pandemias e o financiamento da OMS. Qual é a posição do Brasil sobre estes temas?

Alexandre Padilha – O Brasil desempenhou papel de destaque na negociação do Acordo de Pandemias, que levou à sua aprovação. Trata-se de uma resolução que pretende coordenar respostas mais equitativas e eficazes em futuras emergências sanitárias, após os aprendizados da covid-19.

Esse acordo estabelece compromissos concretos com a redução das desigualdades no acesso a medicamentos e tecnologias de saúde, o fortalecimento da produção local, a proteção de trabalhadores da saúde, a transferência de tecnologia, o financiamento solidário e a inclusão de grupos historicamente marginalizados, como povos indígenas, pessoas com deficiência e populações em situação de vulnerabilidade.

Representado pelo embaixador Tovar da Silva Nunes, o Brasil integrou a Mesa Diretora do Órgão de Negociação Intergovernamental (INB). Sua atuação foi fundamental para a construção de consensos em pontos estratégicos do acordo, como o futuro Sistema de Acesso e Repartição de Benefícios de Patógenos (PABS). Essa iniciativa prevê o compartilhamento de amostras genéticas e dados entre os países em caso de novos vírus, além da repartição justa dos benefícios derivados dessas informações, como vacinas e medicamentos.

A OMS tem um papel fundamental na história da saúde pública global

Ao ressaltar a necessidade de fortalecer e qualificar as capacidades nacionais de vigilância e resposta, o Acordo de Pandemias representa uma oportunidade valiosa para ampliar a cooperação entre os países e com a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Aqui, em Genebra, na ocasião da 78ª Assembleia Mundial de Saúde, em que o Brasil fez entregas importantes – como o voto favorável à aprovação do Acordo de Pandemias, para o qual trabalhamos de forma ativa ao longo dos últimos anos; o protagonismo que resultou na criação da Coalização Global para Produção Local e Regional, Inovação e Acesso Equitativo; além da apresentação da proposta para adaptar o setor de saúde às mudanças climáticas, reafirmamos o  compromisso do Brasil com a OMS.

A OMS tem um papel fundamental na história da saúde pública global, por exemplo, a realização de campanhas e esforços para a erradicação da poliomielite desde a década de 1970, iniciativas como o fundo de enfrentamento às doenças tropicais, incluindo malária, o fundo rotatório de aquisição de medicamentos e vacinas que torna possível várias ações de saúde até hoje no Brasil. Neste governo, vamos defender a OMS, a governança da saúde global e as respostas coordenadas, eficazes e equitativas a desafios sanitários que ultrapassam fronteiras.

O ministério tem algum estudo ou dados sobre o impacto para o SUS nas mais diferentes áreas, de pandemias e epidemias? Como, por exemplo, a covid longa e suas consequências e os impactos financeiros não somente para o sistema, mas, também, para a vida pessoal e profissional dos brasileiros? Ou a dengue?

Sim, o Ministério da Saúde possui estudos e dados relevantes.

No caso da covid-19, um dos principais focos atuais diz respeito às chamadas “condições pós-covid”, que são efeitos de longo prazo em indivíduos previamente infectados pelo vírus. Essas condições abrangem uma ampla gama de manifestações clínicas, podendo acometer qualquer pessoa infectada, independentemente da gravidade do quadro inicial. O diagnóstico é desafiador, pois não há testes laboratoriais específicos para identificação das condições pós-covid, sendo necessário considerar o histórico clínico e exames físicos, além de investigações complementares conforme os sintomas.

Por isso, o Ministério da Saúde tem promovido diversas ações que incluem inquéritos epidemiológicos de base populacional e o financiamento de pesquisas clínicas. Essas medidas visam estimar a prevalência dessas condições e aprofundar a compreensão de seus impactos. Dentre as iniciativas, temos a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério da Saúde, que incluiu questões relacionadas a doença.  Os dados indicaram que 23% das pessoas com 5 anos ou mais que contraíram covid-19 relataram a persistência ou o surgimento de novos sintomas após 30 dias da infecção.

As ações do Ministério da Saúde evidenciam um compromisso com a produção de conhecimento científico

Outro estudo relevante é a pesquisa Epicovid 2.0, financiada pelo Ministério da Saúde e conduzida pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Essa pesquisa revelou que cerca de 18,9% da população relata sintomas pós-covid, com destaque para efeitos na saúde mental, como ansiedade, cansaço e perda de memória, evidenciando os impactos duradouros da pandemia.

Portanto, as ações do Ministério da Saúde evidenciam um compromisso com a produção de conhecimento científico sobre os efeitos prolongados da pandemia e seu impacto sobre o SUS, bem como sobre a vida pessoal e profissional da população. Esses dados são essenciais para orientar políticas públicas e estratégias de cuidado em saúde, incluindo diagnóstico, tratamento e reabilitação das pessoas afetadas.

Na atual geopolítica mundial, a fake news vem se tornando uma verdadeira ‘pandemia’ e impactando a vida diária de todos nós. No caso do Ministério da Saúde, quais são os efeitos das fake news no trabalho que vocês desenvolvem?

Essa pergunta é muito importante, porque toca em um ponto central da nossa atuação: o enfrentamento à desinformação em saúde classificada pela Unesco como infodemia, que conceitua um excesso de informações, muitas delas falsas ou enganosas, que se espalham mais rapidamente do que os próprios vírus.

Na prática, isso significa que pessoas deixam de se vacinar, interrompem tratamentos, passam a consumir produtos sem comprovação ou evitam buscar atendimento adequado. E isso não é algo abstrato. Estamos falando do impacto na saúde e na vida das pessoas por decisões baseadas em mentiras que estão recebendo por meio de seus celulares.

Enfrentar a infodemia hoje é tão essencial quanto garantir vacinas ou abrir leitos, porque a desinformação tem consequências reais

Vimos, por exemplo, o uso de dióxido de cloro (um alvejante industrial) sendo vendido como “detox vacinal”. Isso não só coloca em risco a saúde das pessoas, como escancara o cenário de ataque à credibilidade da ciência e das instituições públicas de saúde. Abalar a confiança na vacina, nos profissionais de saúde e no SUS enfraquece a capacidade de o Estado cumprir seu dever de proteger e cuidar da população.

Por isso, iniciativas como o Saúde com Ciência – um projeto do Ministério da Saúde e da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República) voltado para a promoção e o fortalecimento das políticas públicas de saúde, valorização da ciência e combate à desinformação são tão estratégicas. Não se trata apenas de informar, mas de reconstruir confiança com linguagem clara, evidência científica e parcerias com instituições, profissionais de saúde, educadores, plataformas de mídia e a sociedade.

Enfrentar a infodemia hoje é tão essencial quanto garantir vacinas ou abrir leitos, porque a desinformação tem consequências reais.

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