As chamas devastaram o Brasil e o mundo em 2024. Um estudo publicado nesta quarta-feira (21) pelo World Resources Institute (WRI) dá a dimensão do desastre: pela primeira vez desde o início das medições, em 2021, os incêndios – e não a agropecuária – foram a principal causa da perda de florestas tropicais em todo o planeta. O mundo perdeu 30 milhões de hectares de florestas – uma área do tamanho da Itália. No Brasil, o fogo de 2024 causou a maior devastação de sete décadas.
“Isso marca uma mudança drástica em relação aos anos recentes, quando os incêndios representavam em média apenas 20%”, alerta texto de divulgação dos dados do WRI.
Entre as consequências dessa tragédia, está o aumento expressivo das emissões de gás carbônico, o CO₂, principal causador do aumento da temperatura no planeta.
Globalmente, os incêndios emitiram 4,1 gigatoneladas de gases de efeito estufa no ano passado. Para se ter uma comparação, em 2023, o Brasil emitiu 2,3 gigatoneladas de CO₂ considerando todas as fontes de emissão, como desmatamento, incêndios, transporte e atividades industriais, entre outras.
Grande parte das emissões é resultado dos incêndios nas florestas tropicais, como a Amazônia, bioma que teve um aumento de 13% na área incendiada com relação a 2023.
Sozinha, a perda de florestas tropicais devastou 6,7 milhões de hectares, área do tamanho do Panamá e quase o dobro do registrado em 2023. Os incêndios consumiram, nessas áreas, 18 campos de futebol por minuto.
A maior perda de floresta tropical foi registrada no Brasil, que responde por 42% de toda a devastação desse tipo de vegetação no mundo em 2024.
O fogo nessas áreas acende um alerta nos especialistas, porque indica uma mudança no comportamento desses biomas. “Uma vez que essas florestas são queimadas, elas têm uma susceptibilidade maior a serem queimadas novamente”, alerta Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Enquanto regiões como o Cerrado e o Pantanal têm parte da vegetação adaptada às chamas, as florestas tropicais passam por mudanças profundas quando incendiadas. Sua regeneraçao pode levar muito tempo. “O processo de recuperação demora bastante, porque o fogo não faz parte do ecossistema”, diz Alencar.
Embora esses incêndios elevem as emissões de CO₂, eles não são contabilizados pela metologia aplicada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças (IPCC), entidade que organiza avaliações científicas regulares sobre a mudança do clima, suas implicações e possíveis riscos futuros. “Porque assume-se que esses incêndios fazem parte de um ciclo natural”, explica David Tsai, coordenador do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito (SEEG) Estufa do Observatório do Clima.

Entretanto, num cenário de grandes incêndios em áreas onde o fogo não é parte do ciclo do bioma, o equilíbrio entre emissões de gases e regeneração florestal pode estar comprometido, como avalia Tsai. “Pode ser que essa suposição, essa premissa adotada nos inventários nacionais, e que é a recomendação do IPCC, possa não ser mais aceitável, por conta da magnitude”.
“A gente não está reportando, mas as emissões estão indo para a atmosfera (…) Não só o Brasil, mas os países do mundo deveriam estar muito preocupados com isso”, alerta Alencar.
Além das emissões, a perda das florestas impacta na meta de redução de desmatamento. Para cumprir com o objetivo de conter a perda florestal até 2030, o mundo deve reduzir o desmatamento em 20% a cada ano, começando imediatamente. Na contramão nessa proposta, 2024 marca um aumento de 80% na perda de floresta primária tropical. As vegetações primárias são aquelas que nunca foram devastadas.
“A perda de floresta primária por outras causas também aumentou em 13%, principalmente devido à agricultura em larga escala para soja e gado, embora ainda seja menor do que os picos observados no início dos anos 2000 e na era Bolsonaro”, aponta o estudo.
“Se essa tendência continuar, poderá transformar permanentemente as áreas naturais e liberar grandes quantidades de carbono, intensificando as mudanças climáticas e alimentando ainda mais incêndios extremos”, ressalta Peter Potapov, professor e pesquisador na Universidade de Mariland.
Os dados sobre incêndios globais são resultado de estudos conduzidos por pesquisadores do Laboratório Glad da Universidade de Maryland, e foram disponibilizados na plataforma Global Forest Watch (GFW), do WRI.
Emissões precisam cair
Somente no Brasil, em 2024, os incêndios resultaram na emissão de 718 megatoneladas de CO₂, considerando todos os tipos de vegetação afetados pelas chamas. Dessas, 553 são consequência dos incêndios em florestas primária. Em 2023, as emissões por incêndios no país foram de 191,9 megatoneladas de CO₂.
O Acordo de Paris, firmado em 2015, propõe que os países reduzam as emissões para que a temperatura global não ultrapasse o aumento de 1,5ºC.
“Os relatórios recentes do IPCC já nos mostram que a gente não está caminhando muito bem para esse cenário”, alerta Mariana Oliveira, Diretora do Programa de Florestas e Uso da Terra do WRI Brasil. “Então, a gente não só vai ter que olhar para o combate ao desmatamento, para restauração, mas também para a floresta que está em pé, para aquilo que a gente está restaurando e para a floresta que foi degradada, para que ela não volte a pegar fogo novamente”, diz.
Mesmo com a grande emissão de CO₂, 2024 não supera os dados de 2016, quando os incêndios florestais no Brasil lançaram na atmosfera 825,7 milhões de toneladas de gás do efeito estufa. Naquele ano, o país bateu recordes de desmatamento e, assim como 2024, enfrentava as consequências do El Niño.
“Ele foi mais extenso do que o El Niño que nós tivemos no ano passado, que durou só um ano. Nesse caso [em 2019], ele durou dois anos”, explica Alencar.
Perspectiva otimista para 2025
As primeiras fagulhas do incêndio histórico datam de anos anteriores. O fenômeno El Niño, de 2023, caracterizado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico, reduziu as chuvas na Amazônia, trazendo um verão seco para a região naquele ano.
A estiagem encontrou um bioma já devastado pelo desmatamento acumulado entre 2016 e 2022, quando o Brasil bateu altos índices de perda de vegetação nativa.
O período de secas e queimadas se aproxima, com início no meio do ano. No entanto, a ausência de El Niño somada a queda no desmatamento em todos os biomas brasileiros no ano passado permite um vislumbre de otimismo.
Para Alencar, é possível esperar um ano com menos incêndios. “Se a gente controlar melhor, continuar reduzindo o desmatamento, ter algum controle sobre o uso do fogo nas práticas agropecuárias e controlar o uso do fogo de forma criminosa, a gente com certeza vai ter uma chance de reduzir e muito”, avalia.
Para Mariana Oliveira, “o Brasil progrediu no governo Lula, mas a ameaça às florestas ainda persiste. Sem investimentos sustentados na prevenção de incêndios florestais, fiscalização mais rigorosa nos estados e foco no uso sustentável da terra, conquistas arduamente conquistadas correm o risco de serem desfeitas. Enquanto o Brasil se prepara para sediar a COP30, tem uma oportunidade poderosa de colocar a proteção florestal em primeiro plano no cenário global.”