O que a poluição do ar tem a ver com a emergência de doenças respiratórias em Belo Horizonte?

Superlotação das unidades de saúde e centenas de pessoas circulando com máscaras pela cidade. Esse é o atual cenário de Belo Horizonte, que, desde o mês passado, está em situação de emergência, em decorrência do aumento das doenças respiratórias. Muitos associam o contexto apenas à chegada do período de inverno. Porém, especialistas destacam que parte das causas dos dados alarmantes podem ser as consequências da emergência climática. 

Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), a capital mineira já registrou mais de 140 mortes causadas pela Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). A SMSA informou ainda que, apenas entre os dias 4 e 10 de maio, quase 23,4 mil casos foram registrados pelos equipamentos da rede do Sistema Único de Saúde (SUS) do município. Também já são mais de 7 mil pedidos de internação. 

“As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e centros de saúde estão lotados em BH e em Minas Gerais. O frio chegou mais cedo e com temperaturas mais baixas, em função do cenário de emergência climática, em que os extremos de calor ou de frio têm assolado a sociedade”, destaca o médico e vereador de Belo Horizonte Bruno Pedralva (PT). 

Ribeirão das Neves, na região metropolitana, também emitiu alerta de emergência. No sábado (17), a Defesa Civil de Minas Gerais publicou um comunicado orientando a população a se vacinar contra a gripe em Belo Horizonte.

Poluição e doenças respiratórias

Além das baixas temperaturas, estudos indicam que um dos fatores responsáveis por ocasionar doenças como resfriados, gripes, amigdalites, faringites e sinusites, além de agravar, por exemplo, pneumonias e tuberculose, é a poluição do ar. 

“Milhões de pessoas em todo o mundo estão expostas à poluição ao ar livre em níveis que podem ser perigosos para a saúde. Os efeitos da poluição do ar na saúde podem ser agudos ou crônicos, incluindo doenças do sistema respiratório”, diz a cartilha Poluição do ar, câncer e outras doenças: o que você precisa saber? do Ministério da Saúde. 

Entre as atividades que mais emitem gases poluentes, em especial o dióxido de carbono, estão o agronegócio, as queimadas e a mineração. Outra fonte de emissão de CO2 nas grandes cidades  é o transporte. 

“Quando você tem que conviver com muitos gases poluentes, a partir da inalação, do contato com a pele e com a mucosa em geral, os órgãos, como os do sistema respiratório, passam a ter que conviver com coisas tóxicas. Os tecidos mais sensíveis do corpo humano são os mais atacados e a respiração entra nisso”, explica Jeanine Oliveira, ambientalista do Projeto Manuelzão, vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

No segundo semestre do ano passado, um monitoramento do grupo suíço IQAir, que observa a qualidade da mistura de gases  que compõem a atmosfera terrestre em diversas cidades, indicou que Belo Horizonte esteve com o ar quase 10 vezes mais poluído que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). 

Para Jeanine Oliveira, a qualidade do ar da capital mineira sofre as consequências de um conjunto de opções equivocadas do poder público, que, no último período, não deu a devida atenção à preservação das áreas verdes e do patrimônio hídrico da cidade. 

“Belo Horizonte não teve as suas áreas verdes preservadas. Além disso, é uma cidade com mais de 700 quilômetros de água de rio que trata com descaso os seus principais cursos d’água, como os rios Arrudas e Onça. Um está quase totalmente modificado e o outro está a caminho de ser modificado. Isso tem consequências na qualidade de vida, que só pode ser alcançada se tiver natureza”, observa. 

Falta de fiscalização e planejamento

Na avaliação da ambientalista, Belo Horizonte “perdeu o controle” das emissões de gases poluentes e carece de uma política mais rígida de fiscalização. 

“É uma cidade populosa, principalmente em proporção por metro quadrado, que emite muito poluente e tem pouco instrumento de fiscalização e de regulação.  Não tem ninguém que fiscalize a emissão desses poluentes. Não existem leis que nos ajudem de fato a regular. E, quando tem alguma legislação que vai nesse sentido, volta para a primeira questão: não tem quem fiscalize. A cidade está pagando o preço com a saúde das pessoas, por conta da falta de planejamento ambiental”, enfatiza Jeanine Oliveira. 

Em se tratando de um centro urbano, uma das principais atividades emissoras de gases poluentes é o transporte. Um levantamento da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), publicado em 2022, indicou que, entre 2012 e 2019, o transporte coletivo da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) perdeu 23,3 milhões de passageiros, enquanto o uso de carros e motos individuais cresceu nos municípios. 

Em entrevista ao Brasil de Fato MG, a vereadora da capital mineira Iza Lourença (Psol) disse acreditar que o cenário é fruto das altas tarifas cobradas para acessar o serviço público, associadas à baixa qualidade dos modais coletivos. A parlamentar é autora de um projeto de lei (PL) que visa implementar em BH a gratuidade nos ônibus, cujas consequências positivas, na avaliação dela, seriam, entre outras, a ampliação dos usuários e a redução da poluição do ar. 

“Eu acredito que a principal pauta hoje nas cidades é a justiça socioambiental e o transporte tem tudo a ver com isso.  Hoje, o transporte público é muito ruim e muito caro, o que faz com que as pessoas não andem de ônibus e nem de metrô em Belo Horizonte. Isso gera um excesso de carros nas ruas e, consequentemente, muito trânsito e muita poluição”, explicou. 

Medidas imediatas

Diante do cenário de emergência, órgãos de saúde e especialistas destacam que a principal medida imediata é a vacinação, como forma de prevenir essas doenças. 

Recém-nascidos, bebês e idosos são considerados os públicos de risco das enfermidades respiratórias. Ainda assim, menos de 30% desse público já recebeu o imunizante contra a gripe em Belo Horizonte. 

O vereador Bruno Pedralva convoca os moradores da cidade a não acreditarem em “mentiras” disseminadas por grupos antivacinação e a buscarem o centro de saúde mais próximo para realizar o procedimento de imunização. 

“No caso da vacina contra a gripe, há diminuição do risco de pneumonia e de internações. Ou seja, os episódios mais graves são evitados com a vacinação contra a gripe. Também precisamos ter mais profissionais nos centros de saúde e nas UPAs, para conseguir dar conta da demanda. O SUS é o maior sistema público de saúde do mundo e, com o esforço da sociedade, vamos vencer esse desafio”, afirma. 

Lourdes Machado, presidenta do Conselho Estadual de Saúde (CES) de Minas Gerais, reforça a necessidade de os municípios se preparem para dar respostas adequadas ao aumento da quantidade de casos de doenças respiratórias e orienta a população sobre o que fazer caso surjam sintomas. 

“É necessário que os municípios tenham uma rede de fato de pronto atendimento, para monitorar se houver o crescimento de casos. A vacinação também é essencial, principalmente para pessoas idosas e  crianças. A qualquer sinal dos sintomas, é preciso buscar uma unidade básica de saúde, para não atingir nenhum quadro mais grave”, alerta. Essas também são as orientações da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).

Entre os principais sintomas das doenças respiratórias estão tosse, febre, congestão nasal, coriza, dor de garganta, dor muscular e fadiga. 

Olhar para o futuro 

Para que a situação não volte a acontecer no futuro, Jeanine Oliveira destaca a necessidade de outras medidas de prevenção, além das campanhas de vacinação e do reforço dos equipamentos de saúde. Entre elas, a ambientalista dá ênfase à fiscalização e ao controle da emissão de gases poluentes na capital mineira. 

“Se a gente conseguisse, por meio de lei e de fiscalização, regular a emissão de gases do transporte público já era um começo, obrigando, por exemplo, a implementar um aparelho nos veículos que reduzisse a emissão. Seria uma medida grande e efetiva, mas ainda paliativa”, sugere. 

“A longo prazo, o que dá conta mesmo do problema, pensando na natureza, é o equilíbrio. Mesmo que a gente reduza e sobre alguma quantidade de emissão, temos que pensar em quanto de área verde,  água, regime de chuva, vento e natureza tem que ter na cidade para equilibrar com o quanto a cidade está emitindo em gases poluentes”, finaliza.

A Organização das Nações Unidas (ONU) defende uma redução de 42% das emissões anuais de gases do efeito estufa até 2030 e de 57% até 2035 nos países, diante do atual contexto de emergência climática.  

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