Moradores do Complexo do Alemão estrelam filme baseado em música de Chico Buarque

A noite cai no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio, e o trânsito de pessoas nas ruas é intenso. Motos entram e saem das vielas, enquanto algumas lojas começam a fechar as portas. A pracinha em frente ao CineCarioca Nova Brasília aos poucos vai enchendo de jovens e idosos, todos curiosos para viver uma experiência tão especial quanto única: ver as próprias histórias no cinema, de maneira genuinamente verdadeira.

Esta é a proposta de É o Complexo, filme estrelado por atores do Alemão e também com roteiristas e alguns técnicos do local. Coadjuvantes no dia a dia, ali eles assumem o protagonismo a que têm direito. As luzes da sala de projeção se apagam, os olhos se fixam na tela e a pipoca por um tempo é deixada de lado.

“Meu sonho desde moleque é ser ator. Até já tinha gravado algumas coisas por conta própria, mas nada que chegasse nem perto disso. É uma emoção enorme ver que chegamos aqui, juntos. Esse filme mostra nossa realidade, sem filtros. Não é como outras produções que fazem por aí sobre favela, cheias de estereótipos”, compara Da Champion, de 28 anos, que tenta a vida como cantor de rap, trap e funk.

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“A grande mensagem que É o Complexo passa é que o crime não vale a pena, porque a morte é uma certeza. A favela não tem nem mesmo o básico, mas isso não é capaz de fazer a gente parar de sonhar”, completa.

É no corre como motoboy que Índio, de 26 anos, tenta ultrapassar as dificuldades para seguir a carreira de ator. Pai de um menino, estudou apenas até a terceira série. “As oportunidades são raras na favela, mas esse filme chegou como uma grande chance. Espero voltar a estudar, por mais que eu saiba que é difícil. Já até procurei um curso de teatro, mas é muito caro”, disse. 

Para Jayzz, um dos idealizadores do projeto, o maior ganho que É o Complexo traz para a comunidade é apontar as saídas que, muitas vezes, ficam escondidas no dia a dia.

“A história busca conscientizar os moradores periféricos de todo o Brasil, pessoas que não têm condições de estudar, que enfrentam dificuldades imensas na hora de procurar trabalho. Claro que a vida de quem vive na favela é cheia de obstáculos, mas é possível vencer”, ressalta ele, que empresaria oito cantores do Alemão.

O filme 

As ruas da favela do Engenho da Rainha, também na zona norte do Rio e próximo dali, serviram de cenário para a trama que retrata as dores e as esperanças de uma das regiões mais violentas da cidade – e também repleta de talentos, como se vê nas cenas que se desenrolam por cerca de 80 minutos. 

Foi o diretor Vinícius Coimbra que ajudou a estourar essa bolha ao assistir a websérie de mesmo nome, produzida integralmente pelos moradores e com direção de Gabriel Machado, Ricardo dos Santos, Leonardo de Jesus e Jayzz. Com uma extensa lista de trabalhos na TV Globo e um Emmy International Awards conquistado em 2013, o profissional se encantou com o que viu e percebeu que a iniciativa poderia chegar muito mais longe. 

“Fiquei muito bem impressionado com os talentos que vi ali, apesar dos pouquíssimos recursos que tinham. Achei que poderia contribuir e entrei em contato com os produtores. Rodamos as cenas novamente, com equipamentos mais modernos e minha experiência, mantendo os atores e seus personagens. Aproveitamos inclusive algumas cenas da websérie no filme. Minha intenção era fazer um filme com eles e para eles”, conta Coimbra.  

É o Complexo abre uma trilogia concebida pelo diretor, inspirada em músicas de Chico Buarque – neste caso, é Meu Guri (1981) que serve de fio-condutor da história. A experiência de gravar por três semanas na Favela do Engenho da Rainha foi transformadora para o diretor. 

“As cenas foram criadas por eles, porque essa realidade não é a minha. Eles são muito talentosos, todos os diálogos foram improvisados a partir das suas próprias vivências. É uma realidade que precisa ser iluminada e debatida. As classes privilegiadas viram as costas para questões que acabam retornando para elas próprias”, ressalta Coimbra, animado com os primeiros resultados da obra.

“O trailer já está rodando bem nos grupos de WhatsApp pelo Brasil, os moradores têm postado nas redes. A expectativa é grande dentro e fora do Complexo, completa o diretor.

O filme será lançado no mês de junho e terá distribuição da The Chain. As novidades sobre a produção já podem ser acompanhadas nas redes sociais do filme, no perfil @eocomplexofilme.

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