Coletivo antimanicomial denuncia retrocessos e lança livro sobre escritor que inspirou filme Bicho de Sete Cabeças

A luta por uma política de saúde mental sem isolamento e com dignidade segue enfrentando retrocessos no Brasil, na avaliação de Edson Lima, coordenador do projeto O Autor na Praça e integrante do Coletivo Gato Seco, responsável pela organização do Prêmio Carrano de Direitos Humanos e Luta Antimanicomial. Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, Lima criticou o financiamento público das chamadas comunidades terapêuticas, que, segundo ele, funcionam como “mini manicômios”, contrariando os princípios da reforma psiquiátrica brasileira, na década de 80.

“A lei prevê uma rede substitutiva, com Centros de Atenção Psicossocial (Caps), casas de acolhimento e economia solidária em saúde mental”, explica o coordenador. “Mas o governo anterior [do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)] começou a patrocinar comunidades terapêuticas, muitas nas mãos de grupos evangélicos com financiamento do governo federal e estadual, o que desviou a sua função, criando ‘mini manicômios’”, denuncia Lima.

Neste domingo (18), em homenagem ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial, o coletivo lançou o livro Bastidores da loucura: a tortura nos hospícios, a luta antimanicomial e a vida de Carrano, o Bicho de 7 Cabeças, do escritor e jornalista Gilvan Ribeiro. A obra resgata a trajetória de Austregésilo Carrano Bueno, autor do livro que inspirou o filme Bicho de Sete Cabeças (2000) e ativista que denunciou as violências nos manicômios brasileiros.

A programação, gratuita e aberta ao público, ocorreu na Feira da Praça Benedito Calixto, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, com desfile do coletivo Ala Loucos Pelax, apresentação do Coral Cidadãos Cantantes e show do músico Edvaldo Montana, que já recebeu o Prêmio Carrano. Além disso, o restaurante São Benedito exibiu o documentário Sequelas: Carrano e a luta por um mundo inclusivo, seguido de apresentações musicais.

O Prêmio Carrano foi criado em 2008, após a morte do ativista, para manter viva sua memória e valorizar ações em defesa dos direitos das pessoas em sofrimento psíquico. O escritor foi eleito representante dos usuários da saúde mental na Comissão de Reforma Psiquiátrica. Para Edson Lima, sua história e luta merecem atenção das novas gerações, pois “apesar dos avanços com a reforma, os transtornos mentais ainda carregam um estigma muito grande”.

Luta antimanicomial

A luta antimanicomial no Brasil ganhou força a partir da década de 1980, com a mobilização de trabalhadores da saúde mental contra o modelo manicomial baseado no confinamento e na violência. Segundo Edson Lima, esse modelo foi amplamente incentivado durante a ditadura militar. “A ditadura de 1964 incentivou e bancou a criação desses espaços de confinamento, chiqueiros psiquiátricos. Em 1985, no fim do regime, havia mais de 400 no país, inclusive recebendo presos políticos”, afirma.

Um marco do movimento foi a Carta de Bauru, elaborada em 1987, que consolidou as reivindicações por um novo modelo de cuidado em liberdade. A mobilização, que ganhou força após o sucesso do filme Bicho de Sete Cabeças — e o livro que o inspirou, Canto dos Malditos, de Carrano —, levou à aprovação da Lei da Reforma Psiquiátrica em 2001, após anos de resistência do lobby de donos de hospitais psiquiátricos.

A legislação instituiu a substituição progressiva dos manicômios por serviços como os Caps, que priorizam o cuidado comunitário, o vínculo familiar e o acesso a direitos. Ainda assim, Lima destaca que a sua plena implementação enfrenta “obstáculos políticos”.

Para ouvir e assistir

O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.