A 1ª Mostra de Cinema Antimanicomial Raquel França foi inaugurada na noite desta sexta-feira (16), no Cine Brasília, com uma cerimônia marcada por forte emoção, homenagens e denúncias contundentes ao modelo manicomial vigente no Distrito Federal. Com apresentações culturais e falas de parlamentares, familiares de vítimas e militantes, o evento reafirmou a urgência do fechamento do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), palco de duas mortes recentes: Raquel França de Andrade e Eva de Oliveira Silva.
A escolha do nome da mostra homenageia Raquel, falecida na noite de Natal de 2024, e lembra também Eva, encontrada morta por outra paciente em abril deste ano. Ambas morreram em condições semelhantes — medicadas, sem acompanhamento e em feriados.
A presidente do Conselho Regional de Psicologia do DF (CRP-DF), Thessa Guimarães, destacou a gravidade das violações. “Raquel e Eva foram abrigadas no manicômio para acessarem seu direito à saúde e saíram de lá em sacos pretos. Elas estavam magras, hipermedicadas e sem observação clínica. Quem as encontrou foram pacientes. O que mais precisa acontecer para reconhecermos a falência desse modelo?”, destacou.
Thessa também questionou o funcionamento ilegal do HSVP, em desacordo com a legislação. “O Hospital São Vicente de Paulo opera há quase 30 anos de forma ilegal. Desde 1995 há uma lei que determina seu fechamento. O modelo que ele representa é cruel, segregador e absolutamente ultrapassado. A saúde mental precisa estar articulada com cultura, arte e o território. Precisamos de CAPS, de leitos em hospitais gerais e de residências terapêuticas, não de prisões para quem sofre.”
Manicômio como instituição de violência
A deputada federal Erika Kokay (PT-DF), uma das convidadas para a abertura, reforçou as críticas ao modelo manicomial. “O Brasil precisa reconhecer os seus holocaustos. E os manicômios são parte deles. Barbacena foi um símbolo do extermínio institucional, e o São Vicente de Paulo continua hoje como uma chaga aberta. Se não é em liberdade, não é cuidado. É controle. É exclusão. É mortificação”, afirmou.
A deputada também reforçou o caráter democrático da reforma psiquiátrica. “A luta antimanicomial é, antes de tudo, uma luta pela democracia. É reconhecer cada pessoa como sujeito da própria história, é radicalizar a dignidade. A reforma psiquiátrica é a radicalização da democracia nos corpos, nas relações, nos afetos. E é por isso que seguimos dizendo: nem um passo atrás.”
O deputado distrital Fábio Felix (Psol-DF) destacou a importância do movimento como referência na defesa dos direitos humanos. “Essa luta nos ensina diariamente. O movimento de saúde mental é um dos mais organizados e coerentes do DF. São profissionais e militantes que enfrentam o desmonte das políticas públicas com coragem e afeto.”
Felix também apontou a responsabilidade do Estado. “Se o Estado não garante cuidado, ele promove violência. Não há neutralidade possível diante da omissão. E por isso estamos aqui: para exigir justiça, para denunciar, e para construir uma política pública de saúde mental que acolha, que proteja e que garanta liberdade.”
O deputado distrital Gabriel Magno (PT-DF) confrontou diretamente o argumento usado por defensores do atual modelo. “Diferente daqueles que defendem que primeiro tem que fortalecer a rede para depois fechar o São Vicente de Paulo, nós vamos continuar a insistir: O manicômio é uma instituição de morte, ele não permite que nada floresça ao seu redor.”
Alternativas ao modelo manicomial
A mostra segue até domingo (18) com exibições de filmes, debates, premiação de boas práticas em políticas públicas e uma plenária sobre saúde mental no DF. Um dos destaques da programação é o curta-metragem “Filmes-Cartas”, produzido pelo Centro de Convivência e Cultura Dona Ivone Lara, de Niterói (RJ), que será exibido no sábado.
Com expectativa de reunir cerca de 300 pessoas ao longo dos três dias, o evento visa ampliar o debate sobre saúde mental no DF, tema que, segundo o coordenador da mostra, Luiz Alberto de Souza Junior, ainda é “cercado de estereótipos e compreensões incompletas e equivocadas do que é, de fato, saúde mental”.
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