O afastamento de Ednaldo Rodrigues da presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) escancarou mais uma vez a crise nos bastidores da entidade máxima do futebol no país. Acusado de fraudar a assinatura de um dos seus vices para se manter no cargo, Rodrigues não é o primeiro a cair em meio a denúncias. Para o escritor e comentarista esportivo Hélio Alcântara, a corrupção na CBF é sintoma de um sistema apodrecido desde a raiz. Ele a compara ao Congresso Nacional, onde todos teriam o “rabo preso”.
“A Fifa virou um grande balcão de negócios desde o comando do brasileiro João Havelange, em 1974. […] A coisa tomou uma proporção gigantesca. A CBF é uma continuação disso, é como se fosse o quintal da Fifa”, afirma Alcântara, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. A Federação Internacional de Futebol é denunciada por um esquema de corrupção relacionado à compra de votos para a eleição das sedes das Copas do Mundo.
Já o escândalo mais recente da CBF, envolvendo a suposta falsificação da assinatura de um vice-presidente com câncer e falhas cognitivas, expõe o nível de degradação institucional da entidade, na visão de Alcântara. E vai além: “A empresa que foi chamada para fazer a perícia também não é idônea. É uma bagunça”, lamenta o comentarista.
Alcântara acredita que o principal empecilho para qualquer mudança está na cultura de conchavos e trocas de favores nos bastidores. “Tem um monte de gente com rabo preso, é assim que funciona. Por que que não tiravam Edinaldo [do cargo]? Agora tomaram coragem, não sei como. É porque parece o Congresso, em Brasília: todos sabem dos podres uns dos outros. O dinheiro é muito vultoso, é muita grande envolvida. Eles ficam todos na defensiva.”
Ele lembra do caso do ex-jogador Ronaldo Nazário, conhecido pelo apelido Fenômeno, que tentou se candidatar à presidência da entidade, mas foi barrado. “Como ele iria entrar numa engrenagem que funciona muito bem para quem já está dentro dela? Os caras ficaram com medo: ‘Ronaldo vai querer mexer nesse vespeiro. E a nossa mesada de R$ 210 mil, como vai ficar?’”, sugere.
De acordo com Alcântara, o montante pago mensalmente aos presidentes das federações estaduais não é fiscalizado adequadamente. “Sabemos muito bem que esse dinheiro não é usado totalmente para fomentar o futebol dos seus estados”, denuncia.
Ele destaca ainda o paradoxo de uma “entidade privada sem fins lucrativos” com superávit bilionário enquanto o futebol brasileiro agoniza, sem investimento em arbitragem, formação de atletas ou estrutura de base. “Parece uma piada. A CBF tem R$ 2 bilhões em caixa e o nosso futebol está desse jeito. É um grande circo onde se mexe com muita grana”, critica.
Para o jornalista, o caos no calendário da Seleção Brasileira é outro reflexo direto da má gestão. Ele critica o fato de que a Seleção desfalca os times nos campeonatos nacionais para comparecer a jogos amistosos internacionais. “Desde os anos 1970 e 80, quando o Wladimir [lateral-esquerdo que atuou pelo Corinthians nos anos 1970 e 1980] jogava, se falava em reorganizar o calendário. É uma zona.” Alcântara escreveu sobre essa e outras questões no seu livro Wladimir: o capitão da democracia corinthiana, publicado em 2021.
“Brasil não tem chance na Copa de 2026”
Durante a entrevista, o comentarista também ironizou a contratação do técnico italiano Carlo Ancelotti, cortejado por Ednaldo Rodrigues por quase dois anos e que agora assume a Seleção após a queda do mandatário. “Ele já disse que o seu negócio não é com Ednaldo. É esperto, vai ganhar R$ 4 milhões por mês e mais R$ 30 milhões se for campeão.”
Mesmo com um técnico renomado, a previsão de Alcântara para o desempenho da Seleção na Copa do Mundo é pessimista. “O Brasil não vai ter chance. Está tudo uma bagunça, como o cara vai trabalhar?”, questiona. “Os jogadores brasileiros são bons individualmente, mas como conjunto, não acho que vai dar certo”, analisa.
Para ele, só um milagre, ou o acaso que às vezes rege o futebol, pode salvar. “A Argentina foi campeã com técnico novato e tudo deu certo. […] O futebol não tem muita lógica, pode acontecer. Mas hoje eu digo: não vai dar certo.”
A nova eleição da CBF foi marcada para o próximo dia 25 de maio. Até lá, o interventor Fernando Sarney comanda a entidade. Alcântara, no entanto, não aposta em grandes mudanças. “Desde 1977, quando comecei no rádio esportivo, espero por uma mudança na CBF. Nunca aconteceu.”
Para ouvir e assistir
O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.