Após um dia intenso de mobilização, marcha e reuniões com diferentes esferas do poder público, o ato unificado realizado por movimentos populares urbanos e do campo no Rio Grande do Sul teve seu encerramento nesta quinta-feira (15) com uma reunião de última hora com o vice-governador Gabriel Souza (MDB), no Palácio Piratini. O governo gaúcho se comprometeu a apresentar propostas para questões de habitação e de dívidas rurais para a agircultura familiar.
Representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (Fetraf/RS) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) avaliaram que, apesar da tragédia e da lentidão histórica do estado, as conquistas políticas acumuladas na luta representam um avanço em relação a anos anteriores.

O encontro com o vice-governador foi confirmado enquanto os movimentos já estavam reunidos com o chefe da Casa Civil, Arthur Lemos. O dirigente do MPA, Frei Sérgio Görgen, relatou que a reunião expressou o peso da mobilização popular. “Consideramos um grande avanço o fato de sermos recebidos, mesmo de última hora. Foi resultado direto da luta organizada nas ruas”, afirmou.
Entre os encaminhamentos, o governo estadual se comprometeu a apresentar um projeto de lei para renegociação de dívidas com o Fundo Estadual de Apoio às Pequenas Propriedades Rurais (Feaper), acumuladas ao longo de oito anos de perdas por secas e enchentes. Também foi anunciado um aporte de R$ 20 mil por moradia no programa Minha Casa, Minha Vida Rural Calamidades, com promessa de ampliação para outras modalidades de habitação rural.
Já o MAB destacou que há disposição do governo estadual em colaborar com reassentamentos urbanos no Vale do Taquari, em parceria com municípios e o governo federal. No entanto, a reforma das casas atingidas ainda encontra “condição muito pessimista”, segundo Leonardo Maggi, da coordenação nacional do movimento. “A construção de reassentamentos está mais encaminhada. Já no tema das reformas, não há possibilidade de nada concreto no curto prazo”, afirmou Maggi.

Mais cedo, os movimentos sociais também se reuniram com se representantes do governo federal. Para o dirigente do MAB, houve avanços na pauta da alimentação: a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) sinalizou com envio de cestas emergenciais, e há expectativa de criação de um Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) específico para a reconstrução. A proposta é que entidades da agricultura familiar forneçam os alimentos e os próprios movimentos façam a distribuição às famílias atingidas.
Maggi também relatou que temas como acesso à água potável, com uso de filtros de nanotecnologia, e energia solar para áreas isoladas, foram pautados nas rodadas de negociação com o governo federal e estadual. “A população está longe de ter seus problemas resolvidos. Existe uma falsa ideia nos governos de que tudo já está encaminhado, mas o que fizemos foi apenas o início”, alertou.

Já o coordenador da Fetraf/RS, Douglas Cenci, avaliou a reunião com o vice-governador como o “morna” e destacou a ausência de encaminhamentos concretos. “Fomos recebidos pelo Gabriel, se apresentou o conjunto das pautas das entidades: o tema das dívidas, a complementação do Estado na habitação, os investimentos em irrigação, recuperação de solos, armazenamento de água. De alguma forma, o estado se comprometeu a seguir construindo essas pautas e atender. Não teve nenhuma pauta que o governo do estado disse que não pode atender. Mas, ao mesmo tempo, não tivemos encaminhamentos concretos, de anúncios e assim por diante”, afirmou.
Segundo ele, a partir de agora se desencadeia um processo de discussão com a Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) e outras pastas que dialogam com as pautas apresentadas.
Intensificação da mobilização
A jornada de luta que incluiu reuniões com os governos estadual e federal contou com uma marcha com mais de 3 mil pessoas pelas ruas de Porto Alegre nesta quinta. “A luta cresceu, foi mais ampla, mais qualificada. Conectamos campo e cidade, com presença forte de parlamentares e muita unidade”, avaliou Maggi.

Frei Sérgio reforçou a crítica à baixa acessibilidade dos programas estaduais e pediu que os agricultores organizados possam acessar políticas de sementes, irrigação e recuperação de solos. “Hoje, a base progressista do campo fica de fora dessas políticas. Isso tem que mudar”, afirmou.
A construção de uma nova jornada de mobilização já está sendo discutida. Segundo Maggi, os próximos passos incluem reuniões técnicas e apresentação de projetos com os governos para transformar os compromissos em ações concretas. “Não dá para dizer que o cavalo está atado, mas dá para ver o cavalo e o laço. Agora é amarrar.”
