‘Não vamos aceitar que favelas paulistas continuem sendo pilhas de corpos’, diz deputada após vitória do Moinho

Após semanas de tensão e violência policial na Favela do Moinho, na região central de São Paulo, a deputada estadual Mônica Seixas (Psol-SP) comemorou o acordo firmado entre os governos estadual e federal que prevê subsídio habitacional para moradores despejados, fim das operações policiais no território e paralisação imediata das demolições.

“Hoje eu vi o Moinho finalmente sem a tropa de choque da Polícia Militar, sem o Baep [Batalhão de Ações Especiais de Polícia], sem fuzil, sem escudo. […] Hoje a comunidade está em paz”, relatou Mônica, em entrevista ao programa Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. “É uma vitória coletiva, um recado para o governo do estado de que não vamos aceitar que os territórios favelados do estado de São Paulo continuem a ser pilhas de corpos”, protestou.

O novo acordo estabelece que o governo federal financiará R$ 180 mil por moradia, enquanto o estado complementará com R$ 70 mil. A soma cobre o valor de imóveis que antes seriam integralmente arcados pelos próprios moradores, por meio de uma política de crédito. Além disso, quem já havia assinado contratos com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) poderá revisar sua situação.

Durante a conversa, a deputada desabafou, emocionada: “Ainda bem que o governo federal chegou, ainda bem que vai ter uma saída imediata com garantia de moradia popular para as pessoas. Dessa vez, estamos encerrando uma incursão fortíssima da Polícia Militar num território periférico sem nenhum corpo, sem sangue. Isso me alivia muitíssimo porque eu tive medo. Acompanhei a ‘Operação Escudo’ na Baixada Santista, no ano passado, chorei e sofri com as mães que perderam seus filhos”.

Revisão de contratos e novo aluguel social

Apesar do alívio, Mônica Seixas reforça que esta é “uma solução média” e que a batalha ainda não acabou. Há pessoas que não encontraram um imóvel adequado com a carta de crédito e foram empurradas para pequenos estúdios insuficientes para abrigar uma família inteira. Muitas assinaram contratos sem entender as condições, com base em dados manipulados ou vendidos a construtoras.

“O subsídio vale também para aqueles que assinaram os contratos que, desde o início, estamos falando que são fraudes, foram forçados, que as pessoas não tinham condições de arcar”, afirmou a parlamentar. “No geral, a comunidade está feliz, mas ainda há aqueles que foram empurrados para uma compra apressada e não estão satisfeitos com os contratos que assinaram. A Defensoria Pública, tanto do estado quanto da União, precisa ajudá-los”, defende.

“Agora, o governo tem que abrir uma nova mesa de negociação para que as pessoas possam acessar o novo valor do aluguel social. Não tive acesso ao documento, espero que o terreno ainda não tenha sido cedido [pelo governo federal ao estadual] para que isso aconteça”, explicou. O governo federal garantiu na reunião com moradores nesta quinta-feira (15) que o processo de cessão não foi finalizado.

“Parou marretada, parou polícia na porta”

O acordo também prevê que as demolições só ocorrerão após a retirada pacífica de todos os moradores. A decisão tem caráter urgente: as casas no Moinho foram construídas uma sobre a outra, e derrubar uma estrutura fragiliza as demais. “Parou CDHU, parou marretada, parou um vidro no outro encalhado, parou polícia na porta… Estou aliviada”, detalha Mônica.

A deputada destacou também que a criminalização dos moradores foi alimentada por discursos como o do Conselho de Segurança Pública (Conseg) de Santa Cecília, bairro central de São Paulo, que afirmou, em mensagem enviada à parlamentar, que “tem que expulsar mesmo porque são todos traficantes e ladrões”.

“Durante todo o tempo em que a polícia esteve lá, e que nós também estivemos lá, eu não vi um traficante e uma droga na comunidade. O que estávamos vendo eram os despejos de gente pobre sob a desculpa da segurança pública. Mas aquelas pessoas são gente, sujeitos de direitos, que estavam sofrendo insegurança pública”, rebateu.

Ela ressalta que “a remoção da favela não significa o fim da favela”. “O fim da favela se dá com políticas públicas de habitação, urbanização e dignidade”, defende.

Imprensa cerceada

Durante a ofensiva policial na favela, a imprensa também foi alvo de intimidação e censura. “O que aconteceu com o Igor Carvalho [repórter do Brasil de Fato] é grave”, afirma. Ao tentar cobrir a situação, ele foi revistado pela polícia e ameaçado de prisão. O SBT também teve um jornalista cerceado. “A imprensa ficou toda do lado de fora”, conta.

Seixas avalia que o episódio escancarou o desrespeito à liberdade de expressão e à fiscalização pública sobre ações do Estado. “Estamos numa batalha pelo direito da liberdade de imprensa, pelo direito à vida das comunidades pobres, pelo direito à verdade, para que ninguém mais seja morto com a desculpa de jogar um saquinho de cocaína em cima do morador e chamá-lo de traficante. É isso que estamos enfrentando no estado de São Paulo”, lamenta.

Para ouvir e assistir

O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.

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