Pivô da tragédia de Mariana, Samarco se aproxima do fim da recuperação judicial; entenda

A recuperação foi pedida há quatro anos. Foto: Divulgação/Samarco

Pivô de um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil, em novembro de 2015, a Samarco Mineração vem se reerguendo nos últimos cinco anos. Depois de voltar a produzir no final de 2020, a empresa controlada por Vale e BHP aguarda para breve a saída da recuperação judicial.

A recuperação foi pedida há quatro anos com dívida total de R$ 50 bilhões com credores estrangeiros e com acionistas.

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Deixar antecipadamente a supervisão da Justiça ao plano de recuperação aprovado pelo grupo de credores em setembro de 2023, segundo a empresa e especialistas, traz benefícios e uma “nova vida” à mineradora.

Recuperação da empresa

Por exemplo, acesso a financiamentos em bancos. Do mesmo modo, outro alívio seria se livrar do estigma de “Em Recuperação Judicial”, considerado um incômodo nas relações com fornecedores e clientes da companhia.

“Estamos prontos para o encerramento do processo de Recuperação Judicial”, afirmou, em nota ao Estadão, o diretor financeiro da Samarco, Gustavo Selayzim. Além disso, o executivo reafirma a capacidade da empresa de seguir em frente. A Samarco considera que já cumpriu uma série de passos firmados no plano de recuperação com seus credores.

Segundo o executivo, os relatórios do administrador judicial demonstram que a empresa cumpriu integralmente todas as obrigações de curto prazo previstas no plano. Ele diz que a empresa ganhou maior solidez financeira com lucro operacional (Ebitda) em 2024 de US$ 834 milhões (R$ 4,5 bilhões). Isso gerou fôlego para uma reconstrução sustentável da mineradora.

Assim, a expectativa da empresa é receber o aval do juiz até o fim de maio, no mais tardar ao longo de junho (a expectativa era setembro).

De acordo com o sócio da área de recuperação de empresas do Pinheiro Neto Advogados, Giuliano Colombo, a vida em processo de recuperação é muito difícil para uma empresa. “Gera muitos receios em fazer negócios com a companhia. Tudo custa mais caro devido à desconfiança que se passa a ter”, disse o sócio.

Dificuldades da empresa

Além das dificuldades de crédito, fornecedores de matérias-primas, insumos e serviços só aceitam pagamentos à vista, em alguns casos até adiantado. Financiamento em bancos, explica, é ainda mais complicado, pois o Banco Central determina provisionamento para esses casos.

Fora o fato de que os bancos cobram mais caro e há alguns que nem abrem relação com empresas em recuperação judicial. “A vida em RJ é muito dura para a empresa”, afirmou Colombo.

Ele explica que, no Brasil, o plano depois de aprovado e homologado, não acaba. O processo continua pendurado na Justiça, sob supervisão, durante dois anos.

É do melhor interesse de todas as companhias sair o mais breve possível. Na RJ, a empresa fica refém de uma série de restrições, incluindo desconfiança de clientes. Abreviar a supervisão da Justiça é o melhor caminho para voltar à normalidade, que, de fato, já passa a ter com a aprovação do plano. Giuliano Colombo.

Segundo a Samarco, a companhia já havia cumprido a maioria das obrigações do plano de recuperação há cerca de um ano. Em novembro, formalizou o pedido junto ao juiz da ação para antecipar a saída da supervisão da Justiça, e com o administrador judicial.

Acordo bilionário de reparações

A empresa, no entanto, ainda tem pela frente um longo caminho para cumprir compromissos do bilionário Acordo de Reparação da Bacia do Rio Doce de ressarcimento a todos os atingidos pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro de Fundão, em Mariana (MG).

O desastre atingiu a região de Mariana, o rio Doce e comunidades no entorno, indo até o litoral do Espírito Santo.

A empresa terá de arcar com R$ 32 bilhões, do total de R$ 170 bilhões do acordo, ao longo de 20 anos, em ações de indenização, restituição do direito à moradia e recuperação ambiental. Ao mesmo tempo, a mineradora planeja executar vários projetos de expansão até 2027 para atingir a capacidade plena de produção em 2028 e alcançar um faturamento e geração de caixa mais robusto.

Homologado pelo Superior Tribunal Federal (STF) em novembro de 2024, o amplo acordo envolveu, além da empresa, Vale e BHP, diversas entidades públicas e representantes dos dois Estados afetados (MG e ES) pelo desastre conhecido como a tragédia ambiental, social e econômica de Mariana.

Com o rompimento da barragem houve a morte de 19 pessoas, além da destruição de dois bairros − Bento Rodrigues e Paracatu − e contaminação das águas do rio Doce em toda a sua extensão, até desaguar no litoral capixaba do Oceano Atlântico.

A maior parte dos pagamentos definidos no acordo, R$ 100 bilhões, está a cargo das duas acionistas da mineradora, Vale e BHP.

Políticas públicas

Os recursos terão como destino as políticas públicas em saúde, educação, saneamento, meio ambiente e transferência de renda, beneficiando territórios atingidos e grupos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, além de melhorias em estradas e infraestruturas.

De acordo com a Samarco, R$ 38 bilhões foram desembolsados até setembro de 2024 por meio da Fundação Renova, criada em 2016. No acordo ficou acertado o fim da Renova, cuja atuação foi alvo de críticas.

Por isso, a fundação, com todas as ações em andamento, está em fase de incorporação pela mineradora até o final deste ano.

O acordo firmado no País, no entanto, não teve a unanimidade por parte dos atingidos: pessoas, instituições e municípios mineiros e capixabas. Em Minas Gerais, 20 municípios aderiram ao plano e 17 optaram por rejeitar, entre eles Mariana, Ouro Preto e Governador Valadares.

Assim, renunciaram a pagamentos indenizatórios. No Espírito Santo, houve apoio de seis cidades e a não adesão de cinco.

A adesão, explica a empresa, encerra todas as pendências e ações judiciais entre Samarco, suas acionistas e partes relacionadas tanto no Brasil quanto no exterior, no âmbito do Acordo de Reparação.

A Prefeitura de Mariana liderou o grupo de municípios em Minas contrários aos termos do acordo de reparação de R4 170 bilhões para não aderirem ao plano. Esse grupo preferiu aderir à ação que corre na Justiça de Londres contra o grupo BHP. Procurada, a prefeitura não se manifestou.

Processos em Londres e na Holanda

O plano de reparação no País ficou longe de um consenso. Os pleitos ganharam contornos internacionais, liderados por advogados especializados em ações dessa natureza.

A BHP, por ter sede em Londres, na Inglaterra, foi alvo de uma ação bilionária aberta na Corte londrina que reúne mais de 700 mil pessoas, além dos municípios descontentes, pedindo reparação de danos. Estima-se que o valor é de R$ 270 bilhões (£ 36 bilhões ou US$ 47 bilhões).

Além disso, a ação judicial movida pelas vítimas do rompimento da barragem de Fundão, acatada em julho de 2022, chegou à fase final em Londres, com as alegações finais apresentadas em março de 2025.

O julgamento iniciado em outubro de 2024 está a cargo da Corte de Tecnologia e Construção de Londres. A expectativa dos autores da ação é que a sentença saia em junho ou julho deste ano.

Do mesmo modo, a fase de cálculo das indenizações, em caso de condenação, deve ocorrer entre final de 2026 e início de 2027. Há um acordo, em âmbito confidencial, entre Vale e o grupo BHP em que as duas empresas vão assumir os valores estipulados pela sentença.

Quem está á frente do processo é o escritório Pogust Goodhead, conhecido por representar vítimas de desastres ambientais.

Outros processos

Outro processo foi aberto na Justiça holandesa contra empresas subsidiária de Samarco e Vale, em março de 2024.

A ação visa responsabilizar as duas companhias mineradoras por crimes ambientais, poluição, prejuízos a empresas, comunidades e órgãos públicos, negligência e violações de leis brasileiras. Assim, os autores são municípios mineiros e capixabas afetados, uma fundação formada por empresas e associações e mais de 78 mil indivíduos.

Nessa ação, Vale e BHP também vão arcar com as indenizações, meio a meio, conforme suas participações na Samarco, caso haja condenação na Justiça dos Países Baixos.

Em comunicado de agosto de 2024, a Vale informou que celebrou acordo com a BHP Billiton Brasil referente a processos coletivos no Reino Unido e Holanda por conta do rompimento da barragem de Fundão, em 2015.

No comunicado, a Vale destacou que “avaliará o mérito dessas demandas em momento oportuno e apresentará sua defesa adequadamente. A Vale e a BHP firmaram um acordo confidencial, sem qualquer admissão de responsabilidade”.

Dívida reestruturada

Há pouco mais de um ano e meio, a Samarco concluiu negociações com seus credores. As tratativas duraram quase 30 meses desde o pedido de recuperação judicial, diante de uma queda de braço entre os estrangeiros (bondholders) e Samarco, Vale e BHP.

Os bondholders tinham cerca de metade dos R$ 50 bilhões a receber e as duas acionistas alegavam que tinham “emprestado” à empresa cerca de R$ 24 bilhões para cumprir com as despesas diversas, uma vez que a Samarco só começou a gerar receita em 2021.

Além disso, após negociações, Vale e BHP reduziram os créditos a 2% do valor total acertado e os bondholders concordaram em receber, em 2031, com um corte no valor dos créditos, o equivalente a US$ 4,5 bilhões (R$ 25 bilhões ao câmbio atual).

Mas exigiram que a empresa só poderia dispender US$ 1 bilhão (R$ 5,65 bilhões) até 2031 em ações de reparação (sociais e ambientais). Assim, o que exceder deve ser arcado por suas acionistas, donas, cada uma de 50%, da mineradora.

Para atender os compromissos relativos aos problemas causados pelo rompimento da barragem e pagar os credores, é crucial que a Samarco retome sua capacidade plena de produção.

Atualmente, após investimentos, já atingiu (final de 2024) o equivalente a 60% da capacidade de produção projetada de 27 milhões de toneladas por ano de pelotas e finos de minério de ferro em 2028.

Receitas e prejuízos financeiros

Da mesma forma, a geração de receita também deve crescer. No ano passado, teve receita líquida de R$ 7,82 bilhões, com vendas de 9,4 milhões de toneladas. Assim, gerou Ebitda de R$ 4,5 bilhões, pouco acima do valor de 2023.

A empresa ainda operou com prejuízo devido às despesas financeiras e outros encargos: de R$ 2,57 bilhões.

Outra meta é começar a baixar a alavancagem financeira, medida pela relação entre dívida líquida (R$ 4,5 bilhões) e o Ebitda. De 5 vezes no final de 2024, caiu ligeiramente para 4,8 vezes ao final de março deste ano.

Por isso, a expectativa, com o aumento de produção, é chegar em 2 vezes em 2028, operando à plena capacidade, segundo apresentação da empresa.

A dívida da Samarco está 98% atrelada ao dólar, concentrada com os estrangeiros (bondholders).

A empresa tem a vantagem de gerar 94% da receita na moeda americana, pois a commodity tem negociação mundial em dólar. A mineradora exporta para Oriente Médio, Ásia, Américas e Europa. Para o Brasil, foram US$ 350 milhões.

Volta à plena produção

A Samarco tem reconhecimento internacional na produção de pelotas de ferro, um produto aglomerado (na forma de bolinhas de gude), com alto teor metálico, que tem um prêmio sobre a cotação do minério comum (62% de ferro) da ordem de US$ 40 a US$ 50 a tonelada. Atualmente, é vendida entre US$ 140 e R$ 150.

Além disso, a empresa produz na unidade pelotizadora de Ubú, em Anchieta (ES), dois tipos de pelotas: as mais comuns, para utilização em altos-fornos (com prêmio menor), e as de redução direta, com maior valorização, para processos em que os fornos elétricos produzem o aço.

O Oriente Médio, por dispor de muito gás natural (usado no processo) é seus principal cliente no mundo.

Assim, o minério chega a Ubú por meio de um mineroduto de 400 km, na forma de polpa, onde é secado e pelotizado. A empresa tem seu próprio terminal portuário que recebe grandes navios, aptos a transportar 210 mil toneladas.

Com a atual capacidade, a empresa prevê produzir neste ano até 15,3 milhões de toneladas, um salto de 58% sobre o ano passado (de 9,7 milhões de toneladas).

A preços médios na faixa de US$ 140 a US$ 150 por tonelada, a receita pode chegar à marca de US$ 2,2 bilhões, gerando Ebitda de até US$ 1 bilhão (R$ 5,7 bilhões), conforme projeção em apresentação.

Números da produção

No primeiro trimestre, os preços médios ficaram em US$ 141,90 a tonelada e a receita líquida foi de US$ 400 milhões. Um ano atrás, com o mercado mais aquecido, vendeu a US$ 177.

No trimestre, a Samarco gerou caixa excedente de US$ 68 milhões, que distribuído, meio a meio, entre as duas acionistas e os bondholders, previsto no plano de recuperação judicial negociado.

A Samarco tem operações de mineração e beneficiamento do minério em Mariana, a partir de minas próprias na região. O minetoduto interliga as instalações até o sistema de pelotização de Ubú. Com capacidade plena em 2028, a expectativa é produzir 26,4 milhões de toneladas.

Chamado de Fase 3, o plano prevê investimentos de R$ 13 bilhões em várias obras para a empresa chegar à capacidade plena de produção.

Estão previstos: reativação de mais uma planta de beneficiamento, da terceira linha do mineroduto, religamento e modernização das linha 1 e 2 de pelotização, que começaram a operar em 1977, e a construção da terceira filtragem de rejeitos.

Assim, nesse ano, o valor previsto é US$ 400 milhões (mais de R$ 2,2 bilhões), entre gastos na operação, descaracterização da barragem (US$ 110 milhões) e uma parcela específica de US$ 100 milhões para adiantamento dos projetos da Fase 3.

A descaracterização na barragem de rejeito de Germano tem previsão de atingir 96% da obra até final do ano e ser concluída em 2026. Toda a lama no local é secada, o solo recomposto e a superfície recebe nova vegetação.

De acordo com a empresa, essa etapa já recebeu desembolso de R$ 2,9 bilhões, incluindo a cava da mina Alegria (onde parte dos rejeitos passar a ser colocados) concluída em julho de 2023.

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