PL que obriga cartazes antiaborto em hospitais é palanque da extrema direta no Rio

Nas últimas semanas, a Câmara do Rio virou palco de uma disputa que vai muito além da apresentação de projetos ou do debate sobre políticas públicas. O que está em jogo é um projeto de sociedade. O PL 2486/2023, apresentado pelo vereador Rogério Amorim, da extrema direita, determina a obrigatoriedade de cartazes com frases sobre aborto em unidades de saúde, clínicas de planejamento familiar e outros espaços.

O que parece uma medida “informativa” é, na verdade, uma tática de desinformação. Uma tentativa perversa de usar o espaço público para espalhar terror psicológico e reforçar uma lógica de criminalização. Essa lógica recai especialmente sobre as mulheres mais pobres, negras e periféricas, que por diversos motivos recorrem ao aborto legal.

Quantas de nós não conhecemos uma mulher que interrompeu uma gravidez inesperada? Ou mais: quantas de nós não conhecemos alguém que escolheu gestar, desejou essa criança, mas perdeu por um aborto espontâneo? Essa segunda realidade, inclusive, está no cotidiano, como no caso da apresentadora Tati Machado, que aos oito meses de gestação viveu uma das dores mais profundas que uma mulher pode enfrentar.

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As frases previstas nesse projeto ignoram completamente a realidade vivida por tantas mulheres: perdas gestacionais, abortos espontâneos, gravidezes com risco à vida, violência sexual, inviabilidade fetal. Situações dolorosas, que merecem cuidado e acolhimento, não julgamento.

Quem formula política pública com base em ciência, dados e compromisso com a vida sabe que esse tipo de projeto não tem nenhuma efetividade. Pelo contrário, é cruel. E mesmo com essa constatação, não podemos baixar a guarda. O avanço da extrema direita é estratégico. Eles se consolidaram como os supostos “defensores da vida”, usando o conservadorismo religioso como plataforma política e mirando diretamente em nós, mulheres, como alvos prioritários.

Não por acaso, durante todo o seu papado, o próprio Papa Francisco esclarecia que as mulheres que recorrem ao aborto não devem ser criminalizadas, mas acolhidas, tratadas com compaixão e perdão. Ele nunca endossou o punitivismo moral que tantos por aqui gostam de empunhar em nome da fé.

É urgente disputar essa narrativa. E disputar na raiz. Conversando com a população, com firmeza e afeto. Explicando que a criminalização do aborto não salva ninguém. Empurra mulheres para a clandestinidade, para internações, para a morte.

É preciso resgatar o acúmulo histórico do movimento de mulheres na América Latina: educação sexual para prevenir, contraceptivos para não engravidar e aborto legal, seguro e gratuito para não morrer. Precisamos reforçar a educação sexual nas escolas, garantir acesso à informação de qualidade, fortalecer políticas públicas de saúde reprodutiva e construir redes reais de acolhimento. O caminho é a ciência, não a hipocrisia. A luta é para que meninas e mulheres conheçam seus corpos, seus direitos e tenham liberdade para decidir sobre suas vidas sem interferência ou julgamento.

Essa é uma pauta de vida, de saúde pública, de dignidade. E que passa por políticas concretas, não por projetos que instrumentalizam a dor para ganhar palco político. Agora é hora de mobilizar os territórios, ampliar o diálogo e barrar esse retrocesso. Nós, mulheres da classe trabalhadora, seguimos em marcha. Porque defender a vida das mulheres é também lutar por um futuro justo, digno e possível.

*Maíra do MST é vereadora pelo PT do Rio de Janeiro.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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