A justiça fiscal é uma das chaves para combater a desigualdade, garantir o financiamento de políticas públicas e fortalecer a democracia. Um sistema tributário equitativo amplia a participação cidadã, reforça o pacto social e contribui para assegurar direitos fundamentais como saúde, educação e segurança.
Este foi o tema central do painel “Construindo agora o amanhã – em defesa da democracia”, abrindo o ciclo de debates da Adufrgs-Sindical 2025. Mediada pelo professor Roger Sauandaj Elias, diretor da entidade, o debate reuniu três especialistas da área econômica e fiscal.

A construção de um país mais justo passa, inevitavelmente, por uma reforma tributária comprometida com a equidade e a inclusão social, foi uma posição unânime dos palestrantes Lígia Toneto, Rosa Chieza e Dão Real Pereira dos Santos.
A atividade ocorreu na sede da entidade nesta segunda-feira (12), com um painel dedicado à relação entre tributação, justiça fiscal e participação democrática, transmitido pelo youtube.
Vontade popular sem eco no Congresso Nacional
Professora de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e integrante da Adufrgs e do Instituto Justiça Fiscal Rosa Chieza alertou para os riscos da desigualdade: “É a desigualdade que leva à exclusão social, à desesperança. Desesperançados votam em candidatos que propõem acabar com a democracia”.
A economista observa que cerca de 80% da população apoia a tributação dos mais ricos, mas esta vontade popular não está expressa nos representantes no parlamento nacional onde o lobby dos mais ricos prevalesce.
“Mudou a posição do papel do Estado no século 20 mas não mudou o sistema tributário no mesmo sentido. O Estado de bem-estar aprovado na Constituição de 1988 foi atingido pela implantação do modelo neoliberal de redução do papel do Estado. A variável que não mudou é a correlação de força política que é a mesma desde 1500”, resumiu Rosa Chieza.
Cobrar de quem nunca pagou e aliviar a carga da maioria
A economista Lígia Toneto, representante do Ministério da Fazenda, resumiu a proposta do governo com uma frase contundente: “Passar a cobrar de quem nunca pagou”. A medida, segundo ela, visa corrigir distorções históricas de um dos sistemas tributários mais desiguais do mundo, onde 10% da população concentram mais de 50% da renda.
Toneto destacou que o governo federal tem como prioridade a aprovação de uma nova política de Imposto de Renda (IR), que isenta rendas mensais de até R$ 5 mil, reduz a alíquota até R$ 7 mil e estabelece uma cobrança mínima de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês. A proposta beneficiará cerca de 90% dos contribuintes, afetando apenas 0,6% da população que está no topo da pirâmide.
Segundo a economista, é a primeira vez que o Brasil adota, de forma concreta, ferramentas de justiça fiscal e tributária. “Estamos mudando a lógica de privilégios históricos”, afirmou, citando medidas já implementadas, como a taxação dos fundos exclusivos e dos fundos offshore — instrumentos que até então escapavam da tributação proporcional.
Outro marco citado por Toneto foi o fim do teto de gastos e a implantação do novo arcabouço fiscal, que, segundo ela “colocaro pobre no orçamento e os ricos no Imposto de Renda”, em referência à promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para ela, essas mudanças compõem uma agenda de transformação estrutural de longo prazo, que busca garantir crescimento sustentado, tecnológico e produtivo. “Hoje, quem ganha R$ 4 mil paga a mesma alíquota de quem ganha R$ 4 milhões. Isso é um exemplo da regressividade do nosso sistema, que estamos corrigindo com justiça e coragem”, concluiu.
Quem domina os instrumentos determina os resultados
O presidente do Sindifisco Nacional, Dão Real Pereira dos Santos, destacou o papel estratégico da tributação na luta contra as desigualdades sociais no Brasil. Para ele, o controle dos instrumentos fiscais está diretamente relacionado ao domínio dos resultados econômicos e sociais. “Quem é dono dos instrumentos, domina os resultados”, afirmou, ao criticar a concentração de poder nas mãos de setores economicamente privilegiados.
Dão Real enfatizou que a tributação deve ser compreendida como uma ferramenta essencial de redistribuição de renda e construção de um Estado voltado para os direitos sociais. Segundo ele, o tema é deliberadamente mantido fora do debate público para proteger interesses da elite econômica. “Não é um tema difícil, mas propositadamente interditado, por ser instrumento de luta de classes. É preciso avançar em temas interditados como a taxa de juros e os tributos, modeladores para formar tipos de Estado e desenvolvimento de sociedade”, alertou.
Especialista em justiça fiscal e integrante do Instituto Justiça Fiscal (IJF), o auditor-fiscal critica a tecnicalidade intencional para evitar o engajamento popular.
O painelista é um dos idealizadores da campanha nacional Tributar os Super-Ricos e observou que o tema vem gradualmente conquistando espaço na pauta. “Popularizar o debate sobre tributos é essencial para mudar a lógica de concentração de renda”, afirmou.
Exemplificou o que isto significa: na reforma tributária do consumo, 95% dos que disputaram artigo por artigo foram empresários e demais representantes da oligarquia financeira. Resultado: a reforma desonerou a cadeia de negócios do país, os consumidores ficaram com toda a carga e os empreendedores ficaram com carga nenhuma.
Dão Real também chamou atenção para a correlação de forças no Congresso Nacional, onde, segundo ele, prevalecem os interesses do mercado. “A disputa entre modelos de Estado — mais mercado ou mais direitos — continua sendo uma constante no Congresso, dominado por interesses empresariais”, afirmou. E completou: “O governo pode apresentar boas propostas, mas sem apoio popular, tudo é desmontado no Parlamento”.
Para ele, somente a mobilização da sociedade civil pode viabilizar uma reforma tributária verdadeiramente progressiva. “Só o povo organizado pode construir um modelo tributário que reduza desigualdades e fortaleça a democracia”, defendeu.
O dirigente destacou que, apesar de avanços pontuais, como a proposta de taxar lucros e dividendos com uma alíquota mínima de 10%, ainda há forte resistência dos setores empresariais, que atuam fortemente no Congresso para impedir qualquer medida que afete seus privilégios.
Tributar os super-ricos está na boca do povo
“Falar em tributar os super-ricos era absurdo há cinco anos. Agora todo mundo fala. A luta pela justiça social, fiscal e tributação justa precisa se transformar numa doutrina esperando novas oportunidades.
O que estrutura a sociedade capitalista é a política fiscal para ficar mais ou menos justa, promover exclusão ou inclusão, e tem que estar no centro dos debates de todos os movimentos sociais. A missão é manter esta discussão em evidência.”
“A desigualdade desconhecida é tolerada no limite máximo. A concentração escandalosa da riqueza produzida por todos se desvelada aumenta a intolerância e os movimentos se organizam. Não há como erradicar a desigualdade sem mudar a estrutura tributária. Para mudar é preciso conhecer e mobilizar”, completou.
Nesse cenário, o debate sobre reforma tributária, justiça fiscal e democracia se impõe como urgente e necessário. Sem avanços nessa agenda, o Brasil continuará penalizando as camadas mais vulneráveis da população, enquanto preserva privilégios de setores mais ricos.
