Três jovens, dois adolescentes de 16 anos e um rapaz de 23, foram mortos em uma ação da Companhia de Policiamento Especializado (CPE) da Polícia Militar no dia 12 de abril, no Setor Jardim Pérola da Barragem 1, em Águas Lindas (GO), região do Entorno do Distrito Federal. Um mês após a chacina, familiares das vítimas lutam por justiça e denunciam execução sumária, ocultação de provas, omissão de socorro e intimidação de testemunhas, além da falta de investigação .
O assassinato de Edson da Silva Rodrigues, 23 anos , Pedro Henrique Costa de Araújo, 16 anos e Vitor Hugo Silva de Souza, 16 anos, foi apresentado ao Ministério Público, ao Núcleo Especializado de Direitos Humanos (NUDH) da Defensoria Pública do Estado de Goiás, a Polícia Civil e a Procuradoria Geral de Justiça, no dia 18 de abril, via mandato do deputado estadual, Mauro Rubem (PT-GO). No dia 22 de abril, uma comitiva formada por 20 pessoas, entre familiares e amigos das vítimas, viajaram a Goiânia para falar pessoalmente com os órgãos e reivindicar uma investigação rigorosa do caso.
“Recebemos em Goiânia as famílias das vítimas e seguimos firmes na luta por justiça. Nosso mandato tem dado visibilidade às mães e familiares que perderam seus filhos, apesar da hostilidade de deputados que defendem políticas de violência contra a população pobre na Assembleia Legislativa”, ressaltou o parlamentar.
Kassia dos Santos Guedes Amorim, 26 anos, irmã de Edson da Silva, relata que a violência policial é constante em Águas Lindas e o caso não é isolado. “E sempre a mesma polícia, sempre a mesma história”.
Amorim avalia que a execução dos jovens foi injustificável. “Ele [Edson] teve um passado, cumpriu a pena dele na justiça e estava tentando uma nova vida. Mas nada justifica o que eles fizeram. Minha família está destruída”, desabafa Kassia. Edson da Silva deixou três filhos, um de 11 anos, 8 anos e um bebê de 1 ano.
A namorada de Pedro Henrique, que terá o nome preservado por ter menos de 18 anos, conta que as últimas semanas têm sido difíceis para as famílias, mas destacou a importância da mobilização em busca de justiça. Pedro foi morto com dois tiros na cabeça e um no tórax, chegando sem vida ao Hospital Municipal Bom Jesus, em Águas Lindas. “Só de pensar que eles gritavam para não serem mortos, é uma dor muito forte, não desejamos isso para ninguém”, observa.
“Só queremos que a justiça seja feita. Sabemos que isso não vai trazer os meninos de volta, mas esperamos que os responsáveis sejam afastados. O Brasil não existe pena de morte, podemos evitar que isso aconteça com outros familiares”, conclui a jovem.
Em sessão na Assembleia Legislativa do Goiás, realizada no dia 22 de abril, o deputado estadual, Mauro Rubem enfatizou: “Não descansaremos até que todas as responsabilidades sejam apuradas e os culpados responsabilizados”.
Entenda o caso

De acordo com informações do Registro de Atendimento Integrado (RAI) da Secretaria de Segurança Pública do Goiás, documento obtido pelo Brasil de Fato DF, no dia 12 de abril, por volta das 17h05, policiais militares da 15ª CIPM/CPE foram acionados pela Inteligência, que identificou um possível paiol (local de depósito de armas e drogas) de uma facção criminosa em um conjunto habitacional no Setor Jardim Pérola da Barragem 1, em Águas Lindas. A equipe tática invadiu um apartamento no 1º andar onde estavam os três jovens.
Segundo a versão da PMGO, os jovens teriam recebido os agentes a tiros, o que justificaria os disparos feitos pelos policiais. Após os tiros, os policiais relataram que acionaram o socorro para os três feridos no local do confronto, mas que vieram a óbito no hospital.
No entanto, a defesa das famílias das vítimas pediu a inserção de adendo no RAI, em que observam que existem contradições na versão da PM-GO. De acordo com essa versão, as vítimas foram cercadas dentro do apartamento e que foram levadas com vida ao hospital, mas ficaram trancados, sem atendimento, em uma sala isolada.
O documento também apresenta informações de que moradores relatam que viaturas descaracterizadas continuaram circulando pela região após o caso, promovendo rondas e intimidações. Um dos relatos, destaca que uma jovem foi obrigada a retirar uma camiseta em homenagem a uma das vítimas, tendo que voltar para casa seminua.
O que dizem os órgãos competentes?
O Núcleo Especializado de Direitos Humanos (NUDH) da Defensoria Pública do Estado de Goiás informou que acolheu as famílias das vítimas com atendimento humanizado, coleta de depoimentos e documentação, incluindo o Registro de Atendimento Integrado (RAI). As famílias receberam orientações jurídicas e foram acompanhadas em reunião com a Secretaria de Segurança Pública e a Superintendência da Polícia Civil.
Durante o atendimento, foi oferecida às famílias a possibilidade de adesão ao Programa de Proteção a Testemunhas e Ameaçados de Crime (Provita), do Ministério dos Direitos Humanos, medida que depende da decisão da pessoa interessada por ser altamente restritiva. A Defensoria também encaminhou ofícios solicitando a instauração de investigação à autoridade policial e à Corregedoria da Polícia Militar, e segue acompanhando o caso.
O Ministério Público de Goiás (MPGO) informou que acompanha as apurações desde o início. O promotor responsável solicitou o apoio do Grupo de Atuação Especial no Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp), que atua em conjunto com a promotoria local. No momento, o MP aguarda a conclusão do inquérito pela Polícia Civil.
O Brasil de Fato DF também procurou o Departamento da Polícia Civil para obter informações sobre as investigações, mas até o fechamento desta matéria não obteve retorno. O espaço permanece aberto para manifestação.
Goiás ocupa o 4º lugar em letalidade policial no país
Em 2023, o estado de Goiás registrou 517 mortes por intervenção policial, uma leve queda em relação às 539 mortes em 2022 — uma redução de 4,1%. Ainda assim, Goiás permaneceu como o quarto estado brasileiro com maior número absoluto de mortes por ações policiais, atrás da Bahia (1.699), Rio de Janeiro (871) e Pará (525), segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024.
Em termos proporcionais, o cenário é ainda mais alarmante: 32,2% de todas as Mortes Violentas Intencionais (MVIs) registradas no estado em 2023 foram causadas por intervenções policiais. Esse percentual coloca Goiás entre os três estados onde 1 em cada 3 mortes violentas foi causada pela polícia, junto com Sergipe (33,3%) e Amapá (33,7%)
Uma das críticas recorrentes ao governo de Ronaldo Caiado (União Brasil) é a resistência em adotar o uso obrigatório de câmeras corporais nos uniformes da Polícia Militar. A medida, já implementada com bons resultados em estados como São Paulo e Santa Catarina, é considerada essencial para garantir a transparência das abordagens e a responsabilização em casos de abuso de autoridade e violência letal.
“O governo de Goiás em vez de mudar sua orientação, incentiva e até gratifica policiais violentos”, ressalta o o deputado estadual Mauro Rubem.
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