Lula volta à China de olho em oportunidades criadas por guerra comercial

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) realiza, a partir desta segunda-feira (12), mais uma visita de Estado à China. Será sua quarta vez no país asiático como chefe de Estado e a segunda desde que voltou à Presidência, em 2023.

Esta viagem acontece, no entanto, num contexto diferente. Lula desembarca na China em meio a uma guerra comercial do país contra os Estados Unidos, deflagrada após o presidente Donald Trump anunciar um tarifaço contra produtos importados.

O tarifaço de Trump teve a China como principal alvo. Em abril, o presidente dos EUA anunciou taxas de mais 100% sobre qualquer produto chinês. A China respondeu taxando principalmente produtos agrícolas que os EUA exporta para lá.

O cenário segue tenso desde então. E é exatamente neste momento que Lula chega à ao país asiático, disposto posicionar o Brasil em meio ao conflito comercial e diplomático, e de olho em oportunidades que ele pode trazer.

Queda para indústria, ganho para agro

Um estudo do Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada (Nemea), do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), já apontou que o tarifaço tende a beneficiar a economia brasileira. No saldo, ganharíamos espaço extra para exportação enquanto China e EUA taxam-se reciprocamente.

Esse ganho, porém, não tende a ser generalizado. Pelo contrário. Ele estaria ligado a um aumento considerável do aumento da exportação da soja brasileira para a China, que tende a reduzir a importação do grão vindo dos EUA.

O ganho com o agro seria tão grande que, numericamente, compensaria uma perda industrial que o tarifaço tende a criar no país. Essa perda é explicada pelo aumento de produtos industrializados chineses no nosso mercado. Parte deles produzidos para atender os EUA, mas redirecionados para cá por conta da guerra comercial.

Em resumo, o tarifaço tende a intensificar uma relação que o Brasil já tem com a China. O país asiático é o maior parceiro comercial brasileiro desde 2009. O Brasil vende mais do que compra dos chineses, é verdade. Acontece que vende principalmente commodities. Enquanto, isso compra industrializados, que geram empregos na China.

“O comércio é muito concentrado na exportação de soja, petróleo e minério de ferro, enquanto importamos produtos industrializados chineses, especialmente de tecnologia. Isso reforça a dependência do Brasil e limita os efeitos positivos sobre o emprego e a estrutura produtiva brasileira”, analisa a economista Diana Chaib, pesquisadora Cedeplar-UFMG.

Lula vai à China para tentar equilibrar essa relação, tentando criar espaço para que a indústria brasileira também possa crescer com o apoio do gigante asiático.

Nova tentativa

Chaib lembra que, quando Lula viajou à China em 2023, equilibrar a relação comercial com o país já era um dos grandes objetivos do governo. Aquela viagem, segundo o Ministério das Relações Internacionais (MRE), resultou “na mais abrangente declaração conjunta emitida pelos dois países” na história. Foram assinados 15 atos governamentais e anunciados 32 acordos empresariais, em áreas como energias renováveis, indústria automotiva, agronegócio, saúde, infraestrutura e outros temas.

Apesar disso tudo, segundo ela, pouco mudou de lá para cá. “Os avanços nesse sentido ainda são bastante tímidos”, afirmou.

O economista Célio Hiratuka, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Centro de Estudos Brasil-China (Cebc) da universidade, também vê poucas mudanças no período. Pondera que alterar uma relação comercial que movimentou mais de 158 bilhões de dólares (cerca de R$ 900 bilhões) em 2024 não é possível de uma hora para outra.

Hiratuka ressalta que, se o Brasil quer mesmo deixar de exportar principalmente commodities para a China, é ele quem precisa se planejar para isso. O economista afirma que, mesmo com o discurso público de Lula em prol da reindustrialização, ele não vê o governo com uma estratégia tão bem definida para isso.

“Como você tem setores com interesses diferentes atuando sobre o governo brasileiro, não é fácil consolidar uma linha de atuação”, disse ele, lembrando que o agronegócio lucra com as exportações de soja e não teria porque tentar alterá-las.

Nova oportunidade

Para o economista, esse momento de guerra comercial traz oportunidades. Para ele, os EUA tentam conter o avanço da economia chinesa com o tarifaço. A China, por sua vez, se mostra disposta a cooperar de forma mais intensa com seus aliados, entre eles o Brasil, para tentar manter um certo grau de multilateralismo no mundo.

Empresas do país asiático já decidiram abrir fábricas de carros elétricos no país, o que vem ao encontro do anseio brasileiro de reindustrialização. Ao manter o contato com a China mesmo neste momento de tensão com os EUA, o Brasil mostra que está aberto a investimentos chineses independentemente do que Trump acha disso.

Chaib acrescenta ainda que estar aberto a investimentos chineses não quer dizer fechar a porta para os EUA. Para ela, seria simplista dizer que Lula escolheu um lado na guerra comercial só porque decidiu voltar a visitar o território chinês.

“O Brasil precisa afirmar sua soberania e aproveitar a disputa hegemônica para reivindicar espaços de negociação que favoreçam seu desenvolvimento”, disse ela. “O Brasil deve aproveitar essa janela de instabilidade global para redesenhar sua inserção internacional.”

Essa também é a visão do economista Pedro Faria, doutor em história. “O Brasil não deve tornar um partido claro e, sim, usufruir das possibilidade que essa situação cria para quem é capaz de mediar tensões”, afirmou.

Além da rivalidade

Giorgio Romano Schutte, professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) e coordenador do Observatório da Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (Opeb), ressaltou que Lula visita a China – depois de ir à Rússia, para comemoração dos 80 anos da vitória sobre os nazistas na 2ª Guerra Mundial – como presidente do G20 e do grupo dos Brics, o qual ele ajudou a fundar.

Na China, Lula participará, a partir de segunda-feira (12), da cúpula entre China e países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).

Ele, portanto, não vai ao país só para tratar de interesses brasileiros. “Lula está marcando a presença do Brasil em vários tabuleiros”, disse Schutte. “Ele não pode esperar que a China venha para a cúpula do Brics no Brasil [em julho] se não vai a cúpulas realizadas em outros países.”

Apesar da agenda multilateral, na visita à China, 16 protocolos e anúncios serão assinados por Lula e o presidente chinês Xi Jinping. Outros 32 estão em negociação.

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