Enchentes no RS: comissão da OEA pede ‘justiça climática em políticas públicas’ no Brasil

A Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Redesca) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recomendou ao Estado brasileiro que adote, “com urgência, a justiça climática como princípio orientador de suas políticas públicas”.

A orientação vem após o órgão, vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), analisar os impactos causados pelas enchentes que tomaram o Rio Grande do Sul no primeiro semestre do ano passado. A CIDH produziu um relatório sobre o tema a partir do envio de uma comitiva, liderada pelo relator especial Javier Palummo Lantes, que esteve no Brasil em dezembro de 2024 para ver de perto os resultados da tragédia.

O documento foi divulgado no último dia 30, mas não teve repercussão na imprensa brasileira. No relatório, ao fazer observações e recomendações para a garantia dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, o órgão destaca a existência de “falhas estruturais que podem ter contribuído para a magnitude dos impactos” sobre esses direitos.

O texto cita como um dos exemplos a “expansão do agronegócio”, bem como a degradação dos recursos naturais, o desmonte da legislação ambiental, a falta de manutenção dos sistemas de contenção de enchentes e o crescimento urbano “com baixa resiliência ambiental”.

“Diante desse cenário, a Redesca reafirma a urgência de que o Estado brasileiro consolide a justiça climática como princípio orientador de suas políticas públicas, fortalecendo as medidas de prevenção, adaptação e resposta a desastres com base nos direitos humanos. Isso implica reverter retrocessos em matéria ambiental, garantir o acesso a informações confiáveis e combater a desinformação, assegurar a participação efetiva das comunidades afetadas — incluindo a consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas e comunidades tradicionais — e adotar políticas inclusivas que reconheçam e enfrentem os impactos diferenciados sofridos por grupos historicamente marginalizados”, afirma o documento.

Ao mencionar a desproporcionalidade dos impactos, o relatório menciona como grupos mais atingidos “meninas e mulheres, pessoas afrodescendentes, povos indígenas e comunidades tradicionais, pessoas com deficiência, pessoas idosas, população LGBTQIA+, migrantes e refugiados, bem como trabalhadores e trabalhadoras rurais e informais”. O texto lembra ainda que as enchentes afetaram um contingente de 2,3 milhões de pessoas entre abril e maio de 2024, ocasionando 183 mortes, além de terem deixado um rastro de 27 desaparecimentos, uma média de 800 pessoas feridas e milhares de famílias vítimas de deslocamento forçado.

O documento ressalta também a preocupação com a afetação causada pela tragédia climática na vida de “trabalhadores e trabalhadoras de diversos setores, em especial aqueles em situação de informalidade, como pessoas que atuam na pesca artesanal, na coleta de materiais recicláveis, no trabalho por aplicativos e na produção artesanal, que enfrentaram perda de renda e ausência de proteção social”.

“Também foram observados efeitos severos sobre comunidades rurais, povos indígenas e quilombolas, incluindo o aumento da insegurança alimentar. A Redesca recomenda o avanço na titulação de territórios quilombolas, na reforma agrária e na demarcação de terras indígenas, ao mesmo tempo em que rejeita de forma categórica a tese do ‘marco temporal’”, emenda o texto.

“A Relatoria Especial reconhece os esforços empreendidos pelo Estado brasileiro durante as inundações de 2024 e enfatiza que a garantia efetiva dos direitos humanos frente às mudanças climáticas requer o fortalecimento das medidas preventivas, da participação social e do compromisso com práticas sustentáveis e equitativas.

Nesse sentido, a Redesca reafirma seu compromisso com a promoção e proteção dos direitos humanos diante da emergência climática, e coloca-se à disposição para oferecer cooperação técnica”, acrescenta o documento, ao se dirigir ao governo brasileiro.

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