Aranha ‘zumbi’ e vespa de Darwin: pesquisa revela interação cujo parasita não se beneficia


Modificação no comportamento de aranhas parasitadas foi comprovada irrelevante pela 1ª vez. Teia reforçada não aumenta chance de sobrevivência da futura vespa. Larva da vespa de Darwin parasitando a aranha da espécie ‘Cryptachaea migrans’
Thiago Kloss
Na Mata Atlântica, em bases de árvores e barrancos nas margens de rios vive em abundância uma pequenina aranha especializada em predar formigas. Sem nome popular, a Cryptachaea migrans é pouquíssima estudada pela ciência.
O aracnídeo constrói uma teia de 20 centímetros constituída por uma folha, suspensa por um denso fio de sustentação.
“A aranha fica protegida no abrigo (folha), de onde partem diversos fios verticais que se conectam ao solo. Na base destes fios, são observadas pequenas gotículas pegajosas, eficientes para reter presas, como formigas, que caminham pelo chão da floresta”, explica o professor Thiago Kloss, do Departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Fio com base pegajosa utilizado pela aranha para capturar formigas que caminham no chão da floresta.
Thiago Kloss
No entanto, mesmo escondida no abrigo, a aranha muitas vezes é atacada por vespas parasitoides, que as utilizam como alimento durante o desenvolvimento larval. No caso da Cryptachaea migrans acontece assim:
A vespa de Darwin, da espécie Zatypota alborhombarta, sempre ataca a fêmea da aranha, que mede meio centímetro (o macho é muito menor e “não compensa”);
A vespa deposita um ovo no abdômen da presa;
À medida em que se desenvolve, a larva carnívora vai se alimentando do “sangue” da aranha (hemolinfa).
Larva do parasitoide dentro do abrigo da teia após matar a aranha hospedeira.
Thiago Kloss
Após 20 dias da colocação do ovo, quando a larva está prestes a entrar na fase de pupa e construir o casulo, ela induz a aranha a reforçar a teia, aumentando não só a resistência dos fios verticais que se conectam ao solo, como também os que sustentam a folha do abrigo.
Assim que a aranha conclui o trabalho, as larvas matam o hospedeiro e utilizam a teia para construir o casulo, que fica instalado na teia modificada por 14 dias.
“Esses achados inicialmente sugeriram que as modificações na teia poderiam aumentar a segurança das pupas da vespa durante o desenvolvimento dentro do abrigo modificado pelas aranhas”, diz Thiago, que liderou uma pesquisa em colaboração com o professor Marcelo Gonzaga (UFU) e as pesquisadoras Thairine Mendes Pereira (pós-doutoranda do Departamento de Entomologia da UFV) e Stefany S. Almeida (ESFA – ES) para investigar o comportamento.
Teia modificada construída por uma aranha parasitada pela larva da vespa de Darwin.
Thiago Kloss
Seria a resposta mais óbvia, já que frequentemente as modificações de comportamento em organismos parasitados, até onde a ciência sabe, favorecem o parasita de alguma forma.
“Mas, para a surpresa de todos, descobrimos pela 1ª vez que o comportamento observado na estrutura das teias de aranhas parasitadas não aumentou as chances de sobrevivência das pupas dos parasitoides. No nosso experimento, observamos que a sobrevivência das pupas das vespas é alta , tanto em teias reforçadas, como em teias normais”, esclarece.
Mas, se a mudança de comportamento não traz benefícios para a futura vespa, por que a larva continua gastando energia para isso?
Pupa do parasitoide ‘Zatypota alborhombarta’ dentro do abrigo da teia.
Thiago Kloss
“Ainda não sabemos ao certo, mas nossa aposta é a inércia filogenética. Essa vespa pertence a um grupo de parasitoides de aranha da família Ichneumonidae, que descende de um ancestral que há milhões de anos adquiriu a capacidade de induzir essas alterações durante o parasitismo de aranhas e provavelmente todos os descendentes continuam fazendo isso”, diz.
Ou seja, quando essas vespas parasitam outras espécies de aranhas, especialmente com teias sem abrigo, é necessário induzir esse reforço, mas nesse caso não é necessário. Ao decorrer da evolução da espécie, a indução das alterações comportamentais nessa aranha pode desaparecer.
Fêmea adulta do parasitoide ‘Zatypota alborhombarta’, conhecida como vespa de Darwin
Thiago Kloss
Outra possibilidade, de acordo com o pesquisador, é que o risco de predação para as vespas em algumas áreas da Mata Atlântica pode ser baixo, o que explicaria a baixa mortalidade e a aparente ineficiência destas modificações das teias para os parasitoides.
“Essa possibilidade abre uma nova linha de investigação sobre como as características do ambiente podem influenciar no sucesso de sobrevivência desses parasitoides”, afirma.
O artigo inédito foi publicado neste mês na revista Behavioral Ecology and Sociobiology. “Esta é uma das primeiras observações que sugere que características dos hospedeiros (nesse caso, a estrutura da teia) podem afetar os benefícios obtidos pelos parasitoides durante a manipulação comportamental”, esclarece Thiago.
Como foi feita a descoberta?
Para avaliar a sobrevivência das pupas dos parasitoides em teias normais e modificadas, os pesquisadores precisaram primeiro induzir as vespas a construírem as pupas em teias normais (de aranhas não parasitadas) para assim compararem a sobrevivência deste grupo com pupas instaladas em teias modificadas, como geralmente é feito.
“As aranhas parasitadas e não parasitadas foram instaladas em estruturas artificiais, construídas para este experimento. Após a construção das teias nas estruturas, monitoramos diariamente o desenvolvimento das larvas nas aranhas”.
“Quando era observado que as larvas dos parasitoides haviam induzido modificações comportamentais nas aranhas, a gente retirava as aranhas juntamente com suas respectivas larvas da teia modificada e as transferíamos para uma teia normal, construída por um indivíduo não parasitado”, relembra.
Estrutura criada pelos pesquisadores para conseguir analisar as teias
Thiago Kloss
Após a construção dos casulos, as estruturas foram instaladas em campo, no local de ocorrência natural desta aranha, na Estação Biológica de Santa Lúcia, em Santa Teresa, no Espírito Santo.
“A sobrevivência das pupas em cada teia modificada e normal foi avaliada durante 14 dias, período de desenvolvimento das vespas durante a fase de pupa, o que permitiu observar a ausência de benefícios desta estrutura modificada para os parasitoides”, finaliza o pesquisador.
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