O escândalo recente envolvendo fraudes no pagamento de benefícios do INSS trouxe de volta ao debate público a sustentabilidade da Previdência Social e a possibilidade de uma nova reforma no sistema. Para o economista Eduardo Fagnani, professor da Unicamp, o problema não está nos direitos dos aposentados, mas na forma como o sistema vem sendo gerido e desmontado nos últimos anos, sobretudo após a reforma de 2019, durante o governo Bolsonaro.
Em entrevista ao programa Conexão BDF, da Rádio Brasil de Fato, Fagnani afirmou que a devolução dos valores subtraídos aos pensionistas, estimados em R$ 6 bilhões, não deve comprometer o orçamento da Previdência, cujo montante ultrapassa os R$ 800 bilhões anuais. “Não vejo nenhum problema em ter o remanejamento nas próprias verbas da Previdência Social ou de algum outro algum outro órgão do governo”, afirmou.
Mais do que os recursos em si, Fagnani aponta uma distorção histórica na maneira como a Previdência Social é tratada. Ele relembra que a Constituição de 1988 instituiu o sistema de seguridade social, que inclui saúde, assistência e previdência, com fontes de financiamento específicas, como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
“Essas duas receitas foram criadas para financiar os novos direitos sociais, e os governos nunca utilizaram essas fontes como parte das receitas da Previdência. Eles capturaram esses recursos [para outras finalidades]. Está escrito nos artigos 194 e 195 da Constituição”, denuncia.
Segundo o economista, essa omissão distorce o diagnóstico fiscal e alimenta a narrativa de que a Previdência está sempre “quebrando”, o que justificaria reformas sucessivas, com cortes de direitos.
‘Nova reforma? Só se for matar os velhos’
Ao comentar a possibilidade de uma nova reforma, Fagnani ironizou. “Uma nova reforma da Previdência hoje só tem uma alternativa: mandar matar os velhos.” A fala provocativa critica o modelo adotado no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que já tornou a aposentadoria inacessível para grande parte da população, especialmente os trabalhadores informais.
A reforma de 2019, segundo ele, adotou regras semelhantes às de países desenvolvidos, ignorando a realidade do mercado de trabalho brasileiro. O economista lembra que hoje cerca de metade da população economicamente ativa está na informalidade e dificilmente conseguirá cumprir os 20 ou 35 anos de contribuição exigidos para aposentadoria integral.
“A pessoa que está no mercado informal vai ter dificuldade de comprovar 20 anos de de de contribuição e, se conseguir, há várias restrições. […] Hoje em dia a pessoa passa pouco tempo na CLT, faz bicos, trabalhos temporários… É muito difícil”, afirma.
Ele alerta que, se nada mudar, o Brasil pode voltar a ver idosos em situação de rua nas próximas décadas. “Hoje em dia, por conta da Constituição de 88, dificilmente vemos um idoso pedindo esmola na rua porque 80% têm aposentadoria. Mas veremos isso nos próximos 10, 20, 30 anos.”
Para o economista, o combate à informalidade passa, em primeiro lugar, pelo crescimento econômico e pela reindustrialização do país. “O que faz a economia crescer é a indústria, porque é ela que cria os empregos de melhor qualidade. Essa questão da ‘pejotização‘, do empreendedorismo, é um autoengano, uma lavagem cerebral que o neoliberalismo fez, de que vale mais o indivíduo na nossa sociedade, contra o Estado. Isso é um engano da classe trabalhadora. Quando se der conta disso, já vai ser tarde”, alerta.
Ainda na entrevista, ele criticou a falta de ação do atual governo diante dos problemas do INSS. Fagnani coordenou o grupo de transição da Previdência no início do governo Lula e lamenta que sugestões fundamentais não tenham sido levadas adiante, como a reabertura dos postos físicos, que geram a “exclusão social de idosos de baixa renda”, e a realização de uma conferência nacional com participação de trabalhadores, empresários e especialistas.
Para ouvir e assistir
O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.