Comunidades se reúnem no 3° Fórum das Periferias de Porto Alegre

O Fórum Social das Periferias de Porto Alegre, realizado de 26 de abril a 1º de maio, mostrou que enquanto o abandono do poder público castiga as comunidades, a periferia se une, resiste e propõe seus próprios caminhos. Por isto a necessidade de ampliar os espaços democráticos em Porto Alegre.

Se o projeto de cidade não contemplar os moradores de periferia, é das vilas e dos territórios e da necessidade da participação popular, de ser ouvido, do respeito às diversidades e ao meio ambiente, que surgirá o novo em Porto Alegre: popular, diverso e com justiça social. Afinal, como gritam em uníssono os que resistem – “acabou a regalia, é o poder da periferia”!

A 3ª edição do Fórum Social das Periferias de Porto Alegre terminou em clima de resistência e celebração da necessidade da luta popular – Foto: Flávia Olaz

Periferias ocupam a cena

A 3ª edição do Fórum Social das Periferias de Porto Alegre terminou em clima de resistência e celebração da necessidade da luta popular para que a cidade mude e contemple a participação cidadã nas definições dos seus rumos. 

O encerramento, marcado pelo Ato Público “Um ano da Enchente. Reconstrução para quem?”, aconteceu no Dia do Trabalhador, 1º de maio, na Vila dos Papeleiros, no bairro Floresta. Ao som da banda do Projeto Social do Cesmar Irmão Bortolini, moradores e coletivos caminharam pelas ruas da Vila Santa Terezinha entoando o lema do Fórum: “Acabou a Regalia, é o poder da Periferia”.

O encerramento, marcado pelo Ato Público “Um ano da Enchente. Reconstrução para quem?”, aconteceu no Dia do Trabalhador, 1º de maio, na Vila dos Papeleiros – Foto: Flávia de Olaz

Uma semana de atividades

Enchente, habitação, saúde e transporte foram alguns dos temas dos seis dias de debates que mostraram a força dos diversos movimentos vivos em Porto Alegre e que cobram ações e respostas do poder público.

De 26 de abril a 1º de maio, o Fórum promoveu 19 rodas de conversas, feiras e apresentações culturais em 13 territórios da cidade. O evento reuniu movimentos sociais, moradores, artistas e ativistas em torno de pautas urgentes para as periferias.  É organizado por Grupos de Trabalhos de forma voluntária durante todo o ano, no formato online e presencial.

Encerramento na zona norte

O encerramento, realizado na quadra do Cesmar Irmão Bortolini, teve atrações como apresentações musicais das crianças da comunidade e o rap de Nico Moura, da Casa do Hip Hop do Rubem Berta. E ao final houve um almoço promovido pela Cozinha Solidária Desabafa.

Enquanto aconteciam as atividades do encerramento, foi montada a Biblioteca da Vila, no carrinho de reciclagem, projetado e idealizado pelo seu Antônio Carboneiro, da Associação da Vila dos Papeleiros, que leva a cultura catada nas ruas para diversos locais.

E os artistas da @pimpmycarroça (Pimp my carroça) utilizaram placas acrílicas de propaganda como uma carenagem para o carrinho dos catadores Lula e João. Eles repaginaram o leiaute das laterais e fundo, com a arte de grafitagem, por iniciativa do projeto Pimp my Carroça, atividade que fez parte do Dia de Pimpex, que transforma os carros dos catadores, confira nas redes.

Abertura na zona sul

A abertura ocorreu na praça Belize, na Restinga Velha, com apresentação do Bloco Chiquinho dos Anjos, acompanhado do mestre Renan, do Arraial da Glória, e vários shows de hip hop organizados pela comunidade com apoio da estrutura de show e o som do DJ Jukinha.

 A atividade contou com o serviço de vacinação para a gripe e testes realizados pelos agentes de saúde da comunidade, com Feira da Economia Solidária, com a segurança da Brigada Militar e com a militância dos vários territórios de Porto Alegre, das associações de moradores, conselheiros, artistas e dos relatores dos Grupos de Trabalho do Fórum.

A abertura do Fórum das Periferias ocorreu na praça Belize, na Restinga Velha, com apresentações culturais – Foto: Carla Ribeiro

Rodas de conversas

Logo após a abertura, começaram as Rodas de Conversas sobre Habitação, sobre os problemas dos moradores do condomínio Belize na Restinga Velha; no Lami, sobre Transporte Público, com relatos de moradores que ficam mais de 3 horas esperando o ônibus para voltar do trabalho para casa. Na Vila Nova, debateu-se o Acesso da Juventude à Cultura, e na Ilhota, sobre Economia Solidária, no território da Economia Solidária. 

Denúncia de abandono e luta coletiva

Durante o encerramento, o seu Antônio Carboneiro, presidente da Associação de Moradores da Vila dos Papeleiros, agradeceu a presença dos participantes e denunciou o descaso do prefeito com as pessoas atingidas pelas enchentes. “Há um ano, moradores vivem esperando ações dos governos. Perderam tudo e continuam ignorados”, resumiu.

A fala do representante do Centro Social Marista e da Escola de Educação Infantil Menino Jesus Douglas Filgueira, também trouxe esperança quanto a atuação do Fórum: “Não existe projeto de desenvolvimento para nós; precisamos construir nossa própria proposta de sociedade participativa e popular”.

Maria Medeiros, catadora do Centro de Educação Ambiental (CEA) da Bom Jesus, alertou sobre a ameaça à sobrevivência dos catadores com a possível privatização do serviço de coleta de resíduos, por meio de uma Parceria Público-Privada promovida pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

Resistência da moradia à comunicação

As rodas de conversa abordaram uma série de temas essenciais:  

Transportes e meio ambiente: Desde a falta de ônibus no extremo sul até a defesa do Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) público e das áreas verdes, as discussões apontaram para a necessidade de organização e mobilização popular.

Roda de conversas sobre transporte no extremo sul – Foto: Cobertura Colaborativa

Habitação e direito à cidade: Moradores do Condomínio Belize, na Restinga Velha, relataram os desafios jurídicos e econômicos para permanecerem em seus lares diante das ameaças de despejo por falta de pagamento do condomínio e o atraso nas políticas públicas de reconstrução para as pessoas atingidas pela enchente, que estão sem casa e, conforme denúncia da liderança do Movimento Nacional de Luta Pela Moradia, Ceniara Vargas da Silva, a Ni: “O aluguel social acabou e muitas famílias não têm para onde ir”.

Inclusão e acessibilidade: Temas como empoderamento de pessoas encarceradas e barreiras à acessibilidade ganharam espaço e devem estruturar novos encontros ao longo do ano na comunidade da Associação dos Ferroviários (ABCFER), no Humaitá.

Comunicação comunitária: Relatores destacaram a experiência inovadora de cobertura colaborativa, incentivando a construção de uma rede própria de comunicação das periferias.

Privatização da Saúde e do Dmae: A privatização da saúde também foi tema das Rodas de Conversa, como a rotatividade e a falta dos médicos nos postos de saúde e o reflexo no sucateamento dos serviços de saúde e as consequências da privatização para a saúde da comunidade.

A venda do Dmae e a falta de água mobilizou a Roda de Conversa da Lomba do Pinheiro, que historicamente sofre com a falta de água, e são problemas que podem se agravar com a privatização do Dmae e o consequente aumento no custo do serviço, para atender os lucros das empresas, e não para atender as demandas da comunidade.

Roda de conversa sobre a privatização da água na Lomba do Pinheiro – Foto: Cobertura Colaborativa

Economia solidária, educação e cultura: O Fórum contou com espaços para feiras de empreendedores, discussões sobre economia solidária, educação inclusiva, antirracismo nas escolas e a valorização das manifestações culturais dos territórios populares.

Feira da Economia Solidária – Foto: Maitê 

Organização das comunidades

O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Marcelo Kunrath Silva afirmou a necessidade das comunidades se organizarem e a importância do Fórum das Periferias neste processo. “Porque hoje o poder político da cidade está dominado e sequestrado por um grupo de empresários que excluíram a participação popular, que, inclusive, já foi uma marca da nossa cidade e que precisamos resgatar e ajudar na organização da população.”

“Reconstrução para quem?”: a pergunta que não quer calar. A pergunta que ecoou durante todo o Fórum foi reforçada no encerramento. “Reconstrução da cidade para quem?”. Um ano após as enchentes, famílias seguem sem casas e sem políticas públicas e respostas efetivas das autoridades.

* Jornalista, integrante do GT Comunicação, com apoio da Cobertura Colaborativa que registrou em fotos, vídeos e textos as informações sobre a 3ª Edição do Fórum das Periferias de Porto Alegre. 

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