Movimentos feministas do RS organizam uma vigília noturna para o dia 15 pela vida das mulheres

Em meio a denúncias de precariedade de atendimento à violência contra às mulheres, troca no comando no Departamento de Proteção a Grupos Vulneráveis (DPGV), e após os feminicídios do feriado de Páscoa, movimentos feministas foram às ruas novamente cobrar políticas públicas. A principal reivindicação diz respeito à retomada da Secretaria de Política para Mulheres (SPM) do Estado extinta há 10 anos. Também ressaltam a necessidade de políticas transversais para além do setor de segurança pública.

Reunidas na praça da Matriz, diante dos três dos poderes do Rio Grande do Sul, Assembleia Legislativa, Palácio Piratini e Judiciário, um grupo de mulheres realizou uma manifestação na última quarta-feira (30), reivindicando uma atenção maior ao contexto de violência de gênero no estado. O ato foi organizado pelo Levante Feminista contra o Feminicídio, o Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres, o Bancos Vermelhos e o Fórum Estadual de Mulheres. No próximo dia 15 movimentos sociais feministas planejam uma vigília noturna pela vida das mulheres

“A gente vive uma situação limite. Nós precisamos pensar nas políticas a partir de um sistema de políticas públicas, que seriam de prevenção primária (educação de gênero na escola), políticas públicas acessíveis às mulheres”, afirma a jornalista e integrante do Levante Feminista contra o Feminicídio Télia Negrão.

Conforme reforça a jornalista, é preciso de todo o sistema funcionando: centros de referência, delegacias que estejam disseminadas por todo o estado, com o pessoal qualificado para fazer o atendimento e considerar que as mortes de mulheres devem ser investigadas a priori como feminicídios e não ser descartadas a priori.

Para a presidenta do Conselho Estadual do Direito da Mulher (Cedm/RS), Fabiane Dutra, a rede precisa funcionar não só na proteção, no enfrentamento da violência quando ela já existe, mas na prevenção da violência. “A gente não suporta mais viver nessa tensão, nesse desrespeito como o governo nos trata. Inclusive, a prova maior é que, com tudo que está acontecendo aqui, ontem (29), exoneraram a diretora adjunta do Departamento de Políticas para as Mulheres, Giselda Azambuja, que estava desde o início dessa gestão, desde o retorno do conselho, auxiliando, contribuindo no estado inteiro, com os municípios para a efetivação dessas políticas”, expõe.

Na avaliação de Dutra, a ausência da SPM, na última década, tem feito com que os recursos destinados à políticas públicas para as mulheres fossem escasseando, não só os financeiros, quanto humanos. Segundo ela, o departamento conta com uma equipe muito reduzida para dar conta da necessidade do estado, ainda mais em um contexto com tantas mortes. A presidenta também chama atenção sobre o fato do Executivo ter enviado somente no dia 30 de abril o plano de aplicação de enfrentamento à violência contra a mulher.

“A violência sempre existiu, mas hoje estamos sem rede de proteção. Vivemos um Estado ausente e negligente”, afirma Stela Farias – Foto: Igor Sperotto

“É um absurdo a gente ter que voltar aqui pelo menos uma vez por ano para cobrar os nossos direitos de uma pessoa que nós colocamos no Palácio Piratini. Não viemos fazer pregação política, nós viemos aqui porque nós nos importamos conosco, nós nos queremos vivas. E infelizmente ser mulher no Rio Grande do Sul, ultimamente, é um ato de resistência. Nós temos medo de sair à noite, de pegar uma condução, do assédio, do estupro, e nós temos medo de sermos assassinadas”, enfatiza a advogada, integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher e coordenadora dos Estados Gerais das Mulheres – Brasil, Denise Argemi.

A advogada reivindica o direito das mulheres a participar das decisões a serem tomadas no que tange as suas vidas. “O secretário de Segurança Pública disse que tem R$ 4 milhões ou mais empenhados ou já colocados em execução no plano de enfrentamento à violência contra as mulheres. Que mulher foi consultada para isso? Nenhuma que eu conheça”, enfatiza.

Poder público

Para a deputada estadual Stela Farias (PT), o Rio Grande do Sul vive uma situação alarmante de violência contra as mulheres, agravada pela ausência de políticas públicas efetivas. “A violência sempre existiu, mas hoje estamos sem rede de proteção. Vivemos um Estado ausente e negligente”, afirma. Ela lembra que durante o governo Tarso Genro (2010–2014) houve uma redução de mais de 30% nos feminicídios graças a políticas estruturadas, como a criação da Patrulha Maria da Penha e o fortalecimento da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM).

Após a extinção da SPM no governo Sartori, parlamentares criaram a Procuradoria da Mulher na Assembleia Legislativa como tentativa de suprir essa ausência. “A Procuradoria não tem o mesmo poder, mas buscamos articular ações”, diz Farias, que coordena a força-tarefa de combate ao feminicídio. A iniciativa já percorreu mais de 40 municípios para fortalecer as redes locais de proteção.

A deputada também denuncia a baixa execução orçamentária da atual gestão. “Em 2023, dos 18 milhões previstos para políticas para as mulheres, apenas cerca de 10% foram executados. É vergonhoso. Sem recurso, não há política pública.” Segundo ela, é hora de retomar a mobilização nas ruas e cobrar diálogo do governo estadual. Ela afirma que a bancada do PT e sua federação já solicitaram uma reunião com o governador Eduardo Leite para questionar a destinação dos recursos federais e estaduais voltados à pauta.

Atual presidenta da Procuradoria, a deputada estadual Bruna Rodrigues (PCdoB) também aponta a falta de investimento para proteção das mulheres. “Eu quero verba para a política das mulheres. Nós estamos falando de um estado de costas para a vida das mulheres. Não é à toa que nós somos o quinto estado que mais mata mulheres nesse país. E não existe política que se materialize se ela não estiver no orçamento.”

A Procuradoria Especial da Mulher completa 10 anos em 2025, o mesmo período de extinção da Secretaria de Política para as Mulheres. “A ausência da secretaria é tão difícil porque hoje nós não temos dados que possam nos ajudar a produzir uma política política.”

Por fim Rodrigues reforça que a falta de investimento do poder público estadual reflete na situação de violência contra as mulheres no estado. Ainda na quarta-feira (30), a parlamentar entregou ao governador, em visita do mesmo à Assembleia, um pedido expresso de reunião para tratar do estado de emergência em que o Rio Grande do Sul está em relação à vida das mulheres.

Já a deputada estadual Luciana Genro (Psol) lembra que em 2018/2019 fez emendas parlamentares para o Centro Estadual de Referência da Mulher Vânia Araújo Machado. Assim como apontado por Farias e Rodrigues, Genro também ressalta o descaso que o Executivo tem em relação às políticas públicas para as mulheres. “A sociedade cobra, a imprensa cobra e eles dizendo que fizeram isso, fizeram aquilo. Mas não fizeram! Não fizeram!”, frisa.

A parlamentar afirma que encaminhou ao governo questionamento sobre o porque dos recursos até agora não terem sido investidos e qual é o plano que tem para fazer esse investimento. “As mulheres também têm que ter voz nesse processo de decisão. O Departamento de Mulheres que ele criou é totalmente esvaziado, é preciso que os movimentos sociais, especialmente o Conselho Estadual, sejam ouvidos, além das deputadas, sobre como esse dinheiro vai ser implementado.”

Genro pontua que é preciso garantir condições para que as mulheres saiam de relacionamentos violentos. “A gente precisa dar a elas condições para fazer essa libertação, inclusive condições psicológicas, porque o atendimento psicológico é fundamental também nesse momento”, finaliza.

“Sem vida, a gente não tem como garantir a vida das mulheres, é o princípio básico para que a gente possa ir atrás de todas as outras políticas públicas”, frisa Fabiane Lara dos Santos – Foto: Fabiana Reinholz

Sem vida, a gente não tem como garantir a vida das mulheres

“Cada uma que tomba, cada uma que é ceifada, é um pedaço de nós, é um pouco da nossa esperança que desanima. Como uma mulher preta de periferia, como mulheres periféricas que somos, promotoras legais populares que atendemos as mulheres lá na ponta e sabemos a dificuldade que é de encaminhamento dessas mulheres dentro de uma rede que não funciona, que não tem recurso, uma rede que pouco está se importando com a vida daquela mulher”, observa a presidenta da Associação das Promotoras Legais do RS, Fabiane Lara dos Santos.

Sobrevivente de feminicídio, Santos enfatiza que é preciso garantir a vida das mulheres. “Sem vida, a gente não tem como garantir a vida das mulheres, é o princípio básico para que a gente possa ir atrás de todas as outras políticas públicas e de outros direitos. Sem vida não há luta, não há políticas. Continuaremos seguindo em frente, mesmo com esse descaso, mesmo com essa dor. Me lembro da primeira vez que nós estivemos aqui. Nós desenhamos corpos aqui na frente. Nós choramos e hoje estamos retornando com a mesma dor. Mas, de alguma forma, vivas e lutando”, finaliza.

O Brasil de Fato RS procurou o governo do estado pedindo um posicionamento sobre as políticas públicas e medidas que o governo vem desenvolvendo para combater a violência contra as mulheres, assim como a questão de investimento. Também questionou sobre a declaração do ministro da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Ricardo Lewandowski, sobre a existência de R$ 4 milhões em recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, já depositados desde o ano passado.

Abaixo as respostas do Executivo estadual:

O Monitoramento do Agressor, lançado em 2023 pela Secretaria da Segurança Pública (SSP), está entre as ações do governo do estado para a defesa das mulheres. O projeto monitora agressores por meio de uma tornozeleira eletrônica e fornece às vítimas um celular com sinal de GPS e contato de emergência com os operadores do monitoramento.

Neste projeto, o agressor que receber a medida judicial para o monitoramento não pode se aproximar a uma distância mínima definida na Medida Protetiva de Urgência (MPU). Quando o agressor ultrapassa a área restrita, um sinal é emitido na central de monitoramento e, quando verificada a intenção do agressor, uma viatura é despachada e a vítima é contatada pela central.

Pioneiro no país, o projeto é uma iniciativa do Comitê Interinstitucional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher – EmFrente, Mulher, que reúne órgãos do governo do estado, do Ministério Público, do Judiciário e da sociedade civil.

Em números:

  • Atualmente, são monitorados 300 agressores.
  • Até o final do ano passado, 325 vítimas já tinham sido atendidas pelo programa.
  • R$ 4,8 milhões foram destinados pelo governo para a aquisição de 2 mil kits de equipamentos.
  • Seis meses após a colocação da primeira tornozeleira, o estado encerrou 2023 com redução de 21,6% no índice de feminicídio na comparação com o ano anterior – em Porto Alegre, a queda atingiu 75%. Em 2024, a redução chegou a 15% em relação a 2023. Ainda em 2024, o RS registrou queda em todos os índices relacionados a feminicídios monitorados pela Polícia Civil.

Sobre a declaração mencionada em reunião do sr. ministro da Justiça com parlamentares do Rio Grande do Sul, a Secretaria da Segurança Pública do RS esclarece:

Os secretários da Segurança Pública dos estados pedem, há muito tempo, ao ministro Lewandowski, atenção a dois pedidos: a desburocratização da liberação dos recursos do Fundo Nacional da Segurança Pública e que a liberação de recursos de um ano seja feita no início daquele ano, a fim de que sejam executados ainda naquele ano. O que acontece atualmente é que os recursos do ano são liberados pelo MJSP apenas no final do ano, o que impede a execução naquele ano.

O plano de ação do RS foi apresentado em abril de 2024 e aprovado no mês seguinte. Embora tenha sido aprovado em maio de 2024, o repasse dos recursos pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública ocorreu depois, em três parcelas, sendo que a primeira foi apenas em outubro:

  • primeiro repasse em 17 de outubro (50% do valor)
  • segundo repasse em 9 de dezembro (50% do valor).
  • terceiro repasse em janeiro de 2025 (suplementação de valor).

Em relação aos recursos de 2024, 73% do valor repassado, que é de R$ 4,5 milhões, já foi empenhado (contratado), ou seja, R$ 3,3 milhões.

Portanto, os valores não estão parados. A SSP/RS está tocando o plano e em 6 meses já executamos a maioria dos recursos.

A Secretaria da Segurança Pública do RS preza pela transparência das informações e pela verdade dos fatos. Além disso, é exemplo nacional no combate a diversos crimes, incluindo os feminicídios.

A equipe da SSP é reconhecida no país como a que melhor executa os recursos do fundo e inclusive já esteve em Brasília, orientando outros estados, à pedido do próprio MJSP.

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