
Em meio à reconfiguração das cadeias produtivas globais, enquanto potências tentam reconstruir suas bases industriais e a China terceiriza sua própria produção, o Brasil se encontra diante de uma bifurcação rara. Pode se tornar um pilar estratégico no novo mapa industrial do século XXI ou repetir a sina de eterno exportador de commodities, altamente vulnerável e pouco integrado ao valor. A janela está aberta. Mas não por muito tempo.
Brasil como “reserva industrial” do Ocidente?
Com os Estados Unidos incentivando o nearshoring e a União Europeia buscando parceiros confiáveis fora da Ásia, o Brasil surge como uma alternativa viável para a industrialização regional. Três fatores jogam a favor:
-Energia limpa abundante: mais de 85% da matriz elétrica brasileira é renovável, um ativo raro no mundo.
-Capacidade agroindustrial: somos o 4º maior exportador de alimentos e o maior exportador de proteína animal.
-Mercado interno robusto: 215 milhões de habitantes, consumo crescente de classe média e ambiente urbano avançado.
Multinacionais como BYD (carros elétricos), Stellantis (mobilidade), Nestlé (alimentos processados) e Unilever (higiene e cosméticos) anunciaram investimentos em 2024–25 mirando o fornecimento regional e extrabloco. Além disso, a recente reaproximação política com a União Europeia, via tentativa de destravar o acordo Mercosul-UE, reacende o interesse em produção integrada, principalmente em setores como farmacêutico, químico e agroindustrial.
Potencial logístico: entre o Atlântico e a América Latina
O Brasil ocupa uma posição única como corredor logístico Sul-Sul e ponte Atlântica entre América do Sul, África e Europa.
-O Porto de Santos é o maior da América Latina.
-A integração com Argentina, Paraguai e Bolívia permite escoamento regional por rodovias e hidrovias.
-O projeto da rota bioceânica (ligando Brasil ao Pacífico via Paraguai e Chile) pode reposicionar o Centro-Oeste como hub exportador de commodities e insumos industriais.
Se o Brasil investir seriamente em infraestrutura ferroviária e digital, poderá se tornar o México do Atlântico Sul, um parceiro preferencial de EUA e UE em setores estratégicos.
O risco: repetir o papel periférico
Mas, a história também alerta. O Brasil já desperdiçou ciclos de oportunidades:
-Na década de 1950–70, tentou se industrializar com substituição de importações. Sem escala global e com inflação crônica, o modelo colapsou nos anos 1980.
-Nos anos 2000, surfou o boom das commodities — mas não usou os ganhos para inovar ou diversificar sua indústria.
-Hoje, apesar das oportunidades, o país continua enfrentando gargalos estruturais graves:
-Complexidade tributária (custo Brasil).
-Insegurança jurídica e regulatória.
-Defasagem educacional e técnica.
-Baixa produtividade industrial.
Segundo a CNI, o custo de produzir no Brasil é 25% maior do que em países da OCDE, o que desincentiva a instalação de plantas industriais mais sofisticadas. Além disso, o país ainda exporta majoritariamente produtos de baixo valor agregado: soja, minério, carne e celulose representam mais de 60% das exportações totais. Pouco investimento tem sido direcionado à transformação desses produtos em insumos ou bens finais de maior valor.
Onde estão as oportunidades reais?
As grandes oportunidades brasileiras, se bem aproveitadas, estão em nichos estratégicos:
-Eletromobilidade: com lítio no Nordeste, energia limpa no Sul e potencial de etanol de segunda geração, o Brasil pode se tornar polo de mobilidade limpa tropical.
-Agroindustrialização avançada: transformar grãos em biofertilizantes, proteínas cultivadas, embalagens biodegradáveis e fármacos naturais.
-Tecnologia verde: exportar soluções de reflorestamento, crédito de carbono, captura de metano e energia eólica offshore.
-Saúde e farmacêutica regional: com o envelhecimento da América Latina, há mercado para insumos, vacinas e produtos médicos sob demanda regional.
O que falta para virar o jogo?
-Uma estratégia industrial clara, de longo prazo, como têm Índia, China e até EUA.
-Um ambiente fiscal estável e uma reforma tributária concreta.
-Incentivos à formação técnica e inovação aplicada, especialmente em logística, engenharia e química verde.
-Acordos comerciais inteligentes, que abram mercados sem abrir mão da capacidade produtiva nacional.
O mundo está em movimento. O tabuleiro geoeconômico está sendo redesenhado. E o Brasil pode deixar de ser mero fornecedor de matéria-prima para tornar-se nó estratégico em cadeias produtivas globais mais distribuídas e resilientes. Mas, essa transição exige decisão política, ousadia empresarial e coordenação público-privada. Se perdermos essa janela, voltaremos à condição que a história tantas vezes nos reservou: a de celeiro do mundo, enquanto outros desenham, produzem e lucram.
*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam
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