Um dos nossos maiores desafios é compreender o significado das palavras “liberdade” e “imprensa” na sociedade contemporânea, marcada por transformações tecnológicas, polarização política e desconfiança generalizada. Entender o que esses conceitos representam hoje é, sobretudo, refletir sobre os alicerces da própria democracia.
A confiança pública nas instituições jornalísticas segue há alguns anos em declínio em diversas partes do mundo. No Brasil, de acordo com dados do Digital News Report do Reuters Institute, apenas 43% da população confia nas notícias que consome, o menor índice desde o início da série histórica, em 2012. Trata-se de uma crise de confiança que ameaça a prática jornalística como principal mediadora dos debates públicos.
Em paralelo, o modo como a informação circula também mudou radicalmente. A notícia deixou de ser apenas buscada. Por meio do celular e das redes sociais, ela nos encontra e nos captura, muitas vezes impulsionada sob uma lógica de algoritmos que privilegia o que emociona – e não, necessariamente, o que informa. A viralização substituiu a curadoria jornalística. Nesse cenário, a imprensa tradicional perde terreno não só em alcance, mas em autoridade, tendo que disputar a atenção do público com os influenciadores digitais, agora vistos como fontes alternativas às do mainstream.
Nesse cenário, o que a imprensa deve fazer para reconquistar a credibilidade em tempos de redes sociais? Acima de tudo, defender o jornalismo ético e de excelência, mesmo ao custo de tornar a notícia menos “viral”. Mas também é fundamental reconhecer que a disputa não é apenas por audiência, mas por sentido. E que a função da imprensa é sempre informar com rigor, contexto e responsabilidade.
Essa virada jornalística exige uma autorreflexão. A imprensa precisa ampliar a diversidade de vozes em suas redações e reportagens. Ser mais plural, mais transparente e mais conectada com as demandas da sociedade. Os tempos atuais, de grandes transformações sociais e ampliação do acesso às novas tecnologias de informação e comunicação, escancaram a possibilidade de que pequenos veículos e até iniciativas individuais possam integrar esse grande ecossistema conhecido como imprensa – e isso é saudável para a democracia quando feito de forma responsável e pautada pelo interesse público.
Até por isso, a regulação das plataformas digitais não deve ser vista como censura, mas como parte intrínseca da solução. É preciso garantir que os cidadãos saibam distinguir o que é jornalismo do que é manipulação; o que é fato do que é propaganda. Estabelecer responsabilidades para grandes empresas de tecnologia é essencial para preservar o espaço público da informação e coibir a proliferação da desinformação.
A liberdade de imprensa, afinal, não é um direito apenas dos jornalistas, mas, sim, de toda a sociedade, e justamente por isso deve assegurar que vozes dissidentes sejam ouvidas para que a democracia não seja ainda mais vulnerabilizada.
Portanto, é preciso reafirmar o compromisso com um jornalismo ético, independente e responsável. O futuro da liberdade de imprensa, mais do que nunca, depende da confiança do público e de territórios regulados com base na diversidade, no diálogo e no interesse coletivo.
*Giuliano Galli é jornalista e coordenador de Jornalismo e Liberdade de Expressão do Instituto Vladimir Herzog. Pesquisador do jornalismo comunitário e da comunicação popular, trabalha com o direito à liberdade de expressão desde 2014.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.